Teste Yamaha Tricity 300

Depois da Tricity 125 e da Niken, a Yamaha lançou mais um modelo de três rodas, a Tricity 300. Esta vem complementar a já vasta gama de scooters do construtor japonês, mais especificamente no segmento da mobilidade urbana.

A Yamaha sempre gostou de desbravar novos caminhos, e para perceber isso basta olhar para a sua história. Modelos como a TDR, GTS ou TDM fugiram à normalidade instalada aquando dos respectivos lançamentos. Por isso ninguém terá estranhado quando em 2014 a Yamaha trouxe uma scooter de três rodas para o mercado, primeiro apenas na Ásia e um ano depois na Europa. O conceito não é novidade, mas a solução da Yamaha é tecnicamente diferente da usada em várias gerações da Piaggio MP3 ou da Peugeot Metropolis. Depois da Tricity 125 foi a vez da Niken em 2018, algo bem diferente da pequena scooter urbana. O passo seguinte neste conceito foi uma scooter um pouco maior, e assim surgiu a Tricity 300, em resposta à excelente reação pública ao protótipo 3CT mostrado em Milão em 2018.

O objetivo foi acrescentar mais alguns argumentos à tradicional scooter, tornando-a mais fácil para principiantes, garantindo-lhes um pouco mais de estabilidade, e tornando a aceitação mais fácil, especialmente no seio de famílias sem motociclistas. Embora no mercado nacional as motos de três rodas representem uma fatia muito pequena das vendas anuais em em países como França e Itália são muito populares. Para ficarem com uma ideia: se em Portugal nos últimos cinco anos se venderam em média 120 motos/scooters de três rodas por ano, em França só no ano passado venderam- se 3850 unidades de Piaggio MP3 500, que foi a scooter de três rodas mais vendida no mercado gaulês. Para referência, venderam- se em França no ano passado 184 764 motos, das quais 51 581 foram scooters; a scooter mais vendida foi a Honda Forza 125 cc, com 6751 unidades, seguida da Yamaha XMax com 6426 unidades.

A Yamaha Tricity 125 vendeu um total de 17 500 unidades na Europa desde o seu lançamento em 2015, das quais 5500 unidades foram vendidas em França nesses cinco anos. Nesse período foram vendidas em Portugal 345 unidades da Tricity 125. Por isso a Yamaha viu aqui uma oportunidade de complementar a sua gama de scooters, que na verdade já é bastante completa. Da básica e acessível D’Elight às poderosas TMAX, pelo meio há vários modelos para vários tipos de utilização. Porquê mais uma scooter com três rodas? Os números demonstram claramente que há mercado para estas motos, e a Yamaha tem o perfil do potencial cliente bem traçado: homem com idade entre os 30 e 45 anos, bem-sucedido profissionalmente e que pretende um produto premium, passa maioritariamente a sua vida na cidade e quer uma forma rápida e segura para se deslocar sem preocupações de estacionamento, e está interessado em tecnologia e design.

Para além disso, cumprindo vários critérios como a distância entre as duas rodas dianteiras, o pedal de travão que acciona a travagem em todas as rodas e a existência de um travão de estacionamento, a Tricity 300 insere-se na categoria L5e do Código da Estrada, podendo ser conduzida com a licença de condução B, a carta de carro. Para chegar à Tricity 300 a Yamaha recorreu à XMAX 300, que doou o quadro e o motor, e ao qual foi acrescentado o sistema de suspensão dianteiro com duas rodas. O quadro foi reforçado nos pontos necessários e alterado, por razões óbvias, na zona da coluna de direção.

A maior diferença está, naturalmente no trem dianteiro, que na Tricity 300 é composto por um sistema LMW (leaning multi- wheel, ou várias rodas inclináveis), que usa uma variação da Geometria de direção Ackermann, que não só permite que as rodas dianteiras fiquem sempre verticalmente paralelas e ao mesmo tempo tenham o ângulo correto face à roda traseira. Depois de cancelada a apresentação mundial de Tricity devido à pandemia, a Yamaha acabou por levar a cabo uma apresentação em território nacional na fase de desconfinamento. De Alfragide ao Guincho e depois rumo a Lisboa permitiu-nos conhecer.

A Yamaha disponibilizou várias unidades com diferentes tipos de equipamento, e calhou- -nos uma unidade com pack Urban, com um vidro de proteção mais alto e top case de 39 litros. Há ainda o pack Winter, com capa impermeável para as pernas, punhos aquecidos e protecções para as mãos e ainda o pack Sports, com vidro desportivo, suporte de matrícula e painéis para os pés em alumínio. O ‘posto de comando’ é espaçoso, e apesar de não ter plataforma plana para os pés, há espaço suficiente; para além disso, o pedal de travão está bem integrado sem roubar espaço ao pé direito.

A Tricity possui chave inteligente e sem a retirar do bolso, basta rodar o pequeno manípulo colocado onde costuma estar o canhão da ignição (que também serve para destrancar o assento e a tampa do bocal do depósito) e dar ao botão de arranque. Se nos afastarmos da Tricity 300 com a chave no bolso sem a desligar no manípulo, o sistema apita para avisar. Ao contrário da Tricity 125, a 300 tem um sistema electro-mecânico de bloqueamento da inclinação, denominado Standing Assist. É ativado por um botão no punho esquerdo e permite à Tricity ficar na vertical sem ser necessário colocar os pés no chão ou o descanso. Porém, é preciso ter alguma atenção, porque o sistema de paralelogramos fica boqueado, mas a suspensão não, e se a scooter não ficar totalmente na vertical, pode ficar instável ao ponto de poder tombar se nos encostarmos, por exemplo. Quando dominamos o sistema é possível, por exemplo, parar nos semáforos sem nunca colocar os pés no chão.

Dá muito jeito porque apesar de o assento não ser muito alto – está a 795 mm do solo – é largo, o que impede de colocar facilmente ambos os pés no chão. Sob o confortável assento o espaço tem 43,5 litros de capacidade, e cabem dois capacetes. Podemos nós próprios desativar o sistema para arrancar, ou este desativa-se automaticamente quando aceleramos para arrancar. O Standing Assist só funciona a velocidades inferiores a 10 km/h, quando o acelerador está totalmente fechado e o motor está abaixo das 2000 rpm. Apesar do maior volume do trem dianteiro face a uma scooter convencional, como a XMAX, por exemplo, isso afeta muito a circulação no meio das filas de trânsito.

É precisamente na cidade que descobrimos todas as vantagens das duas rodas independentes à frente, enfrentando carris, buracos e tampas de esgoto como se praticamente nem existissem. As muito irregulares ruas empedradas deixam de ser um desafio. Mas não só: em estrada as curvas passam a parecer menos fechadas, porque a confiança que o trem dianteiro transmite permite maior velocidade em curva e ângulos de inclinação mais facilmente alcançáveis. Porém, parece haver um desequilíbrio entre a suspensão dianteira – a cargo de duas forquilhas, como na Tricity 125 ou Niken – e a traseira, a cargo de dois amortecedores; nalgumas curvas, especialmente se apanharmos alguma irregularidade, a suspensão dianteira ‘come’ tudo, mas a traseira dá-nos um chuto no traseiro e sacode a Tricity. Pode ser uma questão de afinar a pré-carga das molas traseiras para o nosso peso.

Por falar em peso, esse faz-se sentir. Com 239 kg, a Tricity 300 pesa mais 60 kg que a XMAX com quem partilha parte da ciclística e o motor (e mais 75 kg que a Tricity 125). O peso parece bem distribuído, e não se nota no trânsito urbano – a não ser quando temos que a empurrar para fora do estacionamento; nota-se sim nas retomadas, onde o motor monociclíndrico refrigerado por líquido, SOHC e quatro válvulas perde alguma da vivacidade que exibe na XMAX para empurrar o peso extra. É como se andássemos permanentemente com um pendura. Graças ao comportamento mais estável do trem dianteiro, temos tendência a conduzir em pisos duvidosos de uma maneira mais despreocupada. Isso faz com que nas acelerações mais decididas a partir de velocidades mais baixas, os 28 cv e 29 Nm sejam suficientes para fazer patinar a roda traseira, o que é prontamente corrigido pelo controlo de tração. Por alguma razão a Yamaha coloca a XMAX no seu segmento Sport Scooters, e a Tricity 300 no segmento Urban Mobility. E aí encaixa na perfeição. É uma scooter prática para o dia-a-dia, suficientemente despachada para utilização urbana e até extra-urbana, pois a sua velocidade máxima supera facilmente a máxima permitida em auto-estrada, permitindo troços mais longos em auto-estrada em total conforto e proteção.

Tal como já tinha acontecido com a Tricity 125, a 300 também nos convenceu. Porém, a roda adicional – na verdade é muito mais do que isso… – tem um preço, e os 8195 € pedidos pela Tricity 300 não só representam uma diferença de 2000 € para a XMAX, como são o dobro do preço da Tricity 125… é verdade que a tecnologia e a qualidade da Tricity 300 justificam a classificação ‘premium’ que a Yamaha lhe dá, mas nesse caso, e por este preço, gostaríamos de ter um ecrã TFT em vez do básico LCD, e conetividade com o smartphone. O cliente-alvo certamente concordará comigo.

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