Crónica João Pais #11

João Pais, Cronista

O maravilhoso mundo dos leigos

Escola primária, pátio do recreio.
Cidade, vila ou aldeia? … qualquer uma!
Viajemos todos um pouco atrás, uns mais outros menos consoante a idade, recordemos aqueles primeiros tempos na escola, quando se iniciava o desmame do lar doce lar, quando o nosso pai ou mãe, em passo de correria e despedida apressada nos deixavam naquelas paredes que apenas lentamente fomos deixando ser nossas, até ao ponto em que perante o bando éramos inquiridos da nossa intimidade mitológica, que é como quem diz, de que clube é que éramos … perguntavam de chofre.

Não pretendo ferir susceptibilidades por aqui, de modo algum e até bem antes pelo contrário, aqui me apresento como Egas Moniz a Afonso VII, de baraço ao pescoço, com o intuito único de ao mundo dos apaixonados das motos, seja em passeios de lazer ou numa das mais variadas competições, do voador motocross, passando pelo armadilhado off-road, pelo cúbico trial ou pelo estonteantemente rápido asfalto, de a todos esses eleitos me apresentar como recém convertido a estas coisas de tabelas de tempos, qualificações, mangas, etapas, GP’s e outras coisas que tais.

Regressemos então à escola e ao momento fatídico em que nos forçam a pergunta de ‘por quem somos enquanto gente’, e aqui lanço a todos o desafio, embora aposte casa, carro, tenda e casota do cão de que nem unzinho de vós, com todo o respeito, possa apresentar-me contrariedade ou surpresa … ter-vos-ão perguntado, alvitro, se éreis pelo Benfica, pelo Sporting ou pelo Porto, admito que possais ter respondido que era o Braga, o Guimarães, o Boavista ou outra tribo de gabarito crescente o merecedor do vosso coração, mas grosso modo e apanhado geral não se terá fugido muito no leque de opções.
O que ponho em dúvida, para não dizer em certeza certa e consabida, é que em algum dos pátios das mil escolas que educaram as dezenas de milhar de leitores das páginas da Moto Jornal, em algum momento dessa fulcral opção por exército para a vida vos tenham perguntado… és Rossista ou Marquesino? Veneras Agostini ou Giacomo? … aqui perdoem-me a inclemência de incluir um dois no mesmo quanto ao encosto à parede do jovem interrogado, mas Deus que é Deus tem mordomias…
Arrisco a aprofundar um pouco mais a inclemência da questão… Hayden ou Stoner? … e pronto e mais nada!

Senhores, senhoras também, por maior que seja, e é, o respeito que por vós nutro, enquanto leitores pacientes das minhas palavras, sabendo que não só não sou dono de verdade alguma, como aliás e bem antes pelo contrário muito terei a aprender por aqui, não posso no entanto deixar de vos pedir alguns minutos de atenção e análise a este fenómeno de que, com algum saber e vontade, existe um exército interminável de possíveis soldados a juntar-se à batalha de ver esta modalidade tratada com o carinho, admiração e apoio que os nossos pilotos homens e mulheres, graúdos, amadores, profissionais, sonhadores, rapazes e meninas, adolescentes, crianças e outros ainda de tenra idade e já de punho a fundo, que todos esses ídolos merecem.
Mas não só.
Bancadas cheias, faça chuva ou faça sol.
Patrocinadores, buscando retorno ao mesmo tempo que publicamente içam ao universo das oportunidades o sonho de pequenos, raros e valentes heróis que ousam acreditar que vale a pena.
Jornais trazendo atempadamente informação acerca de toda a atividade de tantos e tantos que aprendemos a seguir, que queremos seguir, que seguiremos assim não nos façam perdê-los de vista.

Mas onde pretendes tu chegar? … perguntam-me.
Eu??? A lado nenhum, respondo.
Pergunto de volta… onde pretendemos todos nós chegar?
Cansados de bola, bola, só bola e mais bola?
Cansados de que não exista um pátio de escola que se atreva a perguntar para além do Eusébio e do CR7?

Aceitem, senhores que tiveram a sorte, a capacidade e a inteligência de perceber há muito que há tanto mundo para além da ‘ chincha e do ripa na rapaqueca’, aceitem e ajudem a instalar-se junto de vós esta horda de ansiosos pelo maravilhoso mundo novo, sejam missionários nem precisando de sair do vosso lugar, acolham e instruam, dividam connosco os segredos, essas maravilhosas equações e certezas de íntima devoção que um dia algures no vosso passado vos introduziu este fantástico mundo dos gloriosos malucos das máquinas de duas rodas.

Como vos disse, aqui me apresento de baraço ao pescoço e sem intenções escondidas, rogando sem pejo que acolham um ignorante, sedento de emoções e ciência na área, e que ao mesmo saibam escutá-lo, não porque seja este voluntário alguém especial, apenas porque não teve problema algum de largar parte daquela manhã em que confessou seu amor clubista e nele arranjou espaço, e que espaço, para que crescesse novo herói, no caso um menino que tempos atrás desatou a fazer milagres com uma Mahindra e por tal ter colhido encómios em língua estrangeira e tudo.

Estarei a pedir muito?
Sejamos sinceros … nem por isso.
Perderei eu o futuro, assustar-me-á o amanhã caso não me acolham e aos que tento trazer-vos, um grupo de ignorantes ávidos de conhecimento e novas emoções, um grupo um cada vez maior, assim espero…?
Creiam-me que não, ele há mil caminhos de chegar à ponte que nos leva ao lado de lá do rio.

Se me dissessem há dois anos que um dia teria uma crónica num jornal generalista, escrevendo sobre pilotos de MotoGP e coisas quejandas, mentiria se não dissesse que achava que estavam a alucinar.
Se me acrescentassem que após essa experiência iria surgir o convite de uma revista com o prestígio e qualidade da Moto Jornal, garantidamente iria assegurar tratar-se de alucinação ou previsão ao estilo de vidente de vão de escada.
E no entanto cá estou, melhor ainda olho para o lado e vejo acompanharem-me nesta aventura não só um pelotão de curiosos e fracos conhecedores do ‘ métier ‘ como também alguns dos que seguem o fenómeno faz anos e, quem ousaria pensar, pilotos que andam nos autódromos a duzentos e muitos quase trezentos, uns com idade de sonhar, outros com idade de não deixarem de sonhar, ou seja gente que eu diria ser bem capaz de um dia na escola primária, assim lá voltassem, acolhessem um novato e lhe perguntassem… tu és Giacomo, Valentino ou Marc?

Entendem-me agora?

(Foto abertura: Rádio Pax)