Crónica João Pais #9

João Pais, Cronista

Que moto seria Jolly Jumper?

Um belo dia, vindo do nada, que é de onde vêm muitas das ideias a que damos corpo e prosa, dei por mim a pensar que moto seria Joly Jumper se Lucky Luke fosse mais da coisa de duas rodas que da de quatro patas. De início nem ponderei muito o assunto, deixei-o escapar sem grandes preocupações de lhe encontrar resposta, pensei tratar-se de questão de somenos e assim arrumei a divagação por entre as preocupações a merecer pouca atenção.

Até que, e por norma estes pequenos grandes nadas que nos inquietam repousam até ao momento de nos saltar a terreiro em sua dimensão real, até que um dia dou por mim perante o meu Lucky Luke dos dias modernos, um cavaleiro andante, justo e solitário, que em companhia sua se dirige também ao pôr-do-sol.

Facilmente compreenderão que de imediato me assolou a tal dúvida, que de imediato senti uma borboleta no estômago perante a fortíssima possibilidade de encontrar a resposta para esta questão que, estou convicto, vos terá certamente assaltado também em algum momento das vossas vidas.

Que moto seria então aquele cavalo branco que junto caminhava na última página das irrepetíveis histórias de um justiceiro não só mais rápido do que a própria sombra como também dono e senhor de uma invejável paz de alma, de bendita calmaria em seus fins-de-tarde?

Capricciosa, dia sétimo do mês de janeiro deste ano de dois mil e vinte, eis-me sentado frente ao homem de quem vos falo, estranho a ausência da melena e do chapéu branco, este surge-me careca e de barba por fazer mas em nada mais destoa do meu cavaleiro solitário, bom talvez que o seu bicho do coração não seja tão grande, em contraponto ao belíssimo corcel branco este divide-se com uma inenarrável Fox Terrier branca, Bonnie é como se chama, nome de companhia para toda a vida, não ma traz por ali em hora de almoço mas sim em histórias vividas em sua, deles, extensão de vida trazida em duas rodas.

Luis Matias, 55 anos, não faço ideia de quantos terá Luke o Sortudo, mas pelo tempo que o levo já lido terá muitos também, sai-me duro e dócil este cavaleiro solitário e tal como o de chapéu e melena é off-road que cavalga suas liberdades, ambos caminhando rumo ao sol que se põe.

• Luis, como é essa solidão?
• Essa solidão, curiosamente, começa quando desmonto da moto, nunca antes, nunca durante, chega talvez em quartos de hotel que são poisos de passagem, está ali um pouco presente em refeições que se tomam a sós. Mas já foi pior, ou melhor quem sabe, hoje em dia podemos estar ‘ ligados ‘ vinte e quatro horas umas atrás das outras…

• Por vezes vais com gente deste mundo de duas rodas, noutras levas a Bonnie, quem é o melhor amigo do homem, neste caso?
• Quando andamos pela estrada, o melhor amigo somos nós próprios, junto com a moto que é parte de nós, junto com o prazer indescritível que é levá-la a passear, que é ser passeado por ela. Já a Bonnie, como qualquer cão, é algo de uma amizade e lealdade raras, teria de lhe proporcionar a chance de entrar neste meu mundo. Os amigos estão em todo o lado na nossa vida, mas nestas saídas à aventura tenho um, de longa data, que é talvez o único que me conhece por dentro e por fora. Discutimos sempre, ou antes ou depois, isso faz parte do encaixe entre mundos tão amplos como estes: motos, amizade, fora de estrada e sóis que se vão pondo. Zé Miguel, tenho de dizer o nome dele. O meu primeiro grande professor nestas coisas.

Carmel by the Sea, essa mesma que nos traz Clint Eastwood, talvez não tenha a fórmula mágica de um deserto que mostra ao cowboy o seu caminho para casa mas tem um mar que sabe abraçar um cavaleiro solitário que lhe busque o encanto e a cor de quando o sol parece mergulhar e despedir-se.

Saído de uma São Francisco que é preciso ver para sentir, apanhada a Pacific Coast Highway, usufruído o fim de tarde em Carmel, viajada também a Route 101, o frio nas pernas por esquecimento logístico, coisas que acontecem, uma noite em Monterrey, passagem em Rocky Point Bridge, nós andamos por ali, conta-me, nós perdemo-nos na beleza de um tempo sem fim por ali, confessa-me, temos de marcar um ‘turning point’ , senão corremos o risco de seguir de pôr em pôr do sol.
Luis Matias, o meu Lucky Luke à disposição, fala-me brilhando nos olhos, fala-me como se eu fosse um deles e o entendesse, mas não sou … sei apenas escutar e escrever.
Invejo-o!

• É fácil? Pergunto assim, ele percebe ..
• Aprende-se. O Rui (Baltasar), o Paulo (Miranda), o Bianchi, olho hoje para trás e vejo, quanta coisa me deram, quanta coisa tinha para aprender, chegamos com um mundo de nada, saímos mais ricos, mais conhecedores, mas com um mundo de muito para descobrir ainda, em cada saída, em cada dia a dois com a moto…

• É para todos? … pergunto.
• É para quem ama … responde e sorri…!

• Tens os passeios em grupo, coisa de meninos rapazes grandes, e tens a ida a solo, como vês uns e outros?
• Cada um é como cada qual, sempre ouvi dizer, no entanto creio que o ‘ lonely rider’ faz um upgrade em termos de aventura, ganha uma adrenalina extra, chega ao fim e colhe algo mais em seu bornal pessoal, mas esta é apenas uma análise, não há ciências certas neste tipo de coisas…

Cento e cinquenta mil.
Quilómetros feitos em cima de uma moto.
Quatro vezes daria para passear pelo planeta inteiro, ir por aqui chegar por ali.
Tantas vezes navegação de velha escola, esquecendo “gêpêésses” e seguindo de azimutes e letreiros, a vida absorvida em seu cru sabor, as cores aproveitadas, mil pequenos detalhes fotografados, por vezes voltando atrás, buscando a curiosidade de um momento em horas diferentes, como se a mesma estrada se vestisse de mil maneiras diferentes.

• Tantos dias vividos em movimento, tanto movimento transformado em dias, será isto Luis Matias?
• Cada um é como cada qual …

Terminamos a conversa e regresso a casa, repete-se-me a pergunta:
Que moto seria Jolly Jumper?