Crónica João Pais #31

João Pais, cronista

Por entre Jerez e a Andaluzia

Ou uma coisa que pertence à outra coisa.

17, 18 e 19 de Julho, Circuito Angel Nieto.

Logo no primeiro destes dias, e como se veria no segundo também,

Miguel Oliveira, português como nós, também conhecido por Falcão ou MO88, andou por ali à turra do calor, correndo voltas atrás de voltas, tudo bem estudadinho, cronometrado, avaliado, corrigido, repetido, de novo ensaiado, acelerado, travado, analisado.

E opinado, muito opinado senhores ouvintes.

Uma vez. E outra. E mais outra.

A opinião a quem a trabalha, como a terra de outrora.

Chegados ao fim de cada um destes dias, 17 e 18 portanto, uma maré de conjecturas inundava as redes sociais.

Ponto prévio e primeiro, viva a liberdade de opinião, ainda que baseada no imediatismo do nada, do medo do desconhecido, do ‘vou-me mas é já embora antes que chova’.

Ponto seguinte, a impaciência, a ignorância e a chusma de palpites em seara alheia, muito mesmo, não pagam imposto, se o fizessem as redes sociais libertar-se-iam de toneladas de… nada!

Miguel chegou ao domingo partindo para a corrida na 6ª linha da grelha, P17, passaria a uma linha abaixo e P15 fruto da infelicidade, que nunca se deseja, de dois adversários, Cal e Alex.

E correu, como ele sabe e gosta, com base no trabalho de formiguinha feito por debaixo de uma caterva de opinadores do apocalipse.

Vade fronte, clamam.

Vade retro, aconselho-lhes.

Nas corridas acontecem coisas, boas e más, toca a todos, felizmente a Miguel vão sendo mais aquelas que estas.

Poupemos texto.

No final?

P8.

Marc Marquez, um monstro bom a meio caminho de se tornar meio irrepetível, teria um percalço inicial que o atiraria para P14 na corrida, faria uma recuperação de compêndio, seria depois apanhado naquele mistério em que, parecendo-nos que tudo é feito como sempre, um micro pormenor deita tudo a perder, no caso a corrida e algo mais.

Úmero, dizem-nos.

Marc vem de um país onde 99,5% das pessoas sabem o nome dos seus campeões nesta modalidade, e provavelmente 101% saberão o seu, sendo que o percentual extra é de quem lhes visita o País.

Miguel vem de um País onde 95% dos seus conterrâneos, se lhes perguntado pela sua pessoa, responderão que já ouviram falar mas não se lembram bem quem é.

Mir, Aleix, mais dois de ‘nuestros hermanos’ também não veriam a bandeira de xadrez.

Durante a corrida, a dado passo, a mais bela ficção tornava-se realidade, Miguel ultrapassou Il Dottore intemporal, em corrida e sem quês nem tagatés, antes ainda do italiano abandonar.

Valentino também ele vem de um país onde 99,5% das pessoas sabem o nome dos seus campeões nesta modalidade, e provavelmente 101% saberão o seu, sendo que o percentual extra é de quem lhes visita o País.

São assim lá no país deles.

A distância do Falcão para o vencedor, Fabio Quartararo, iria cifrar-se em treze segundos, pouco mais, a distância para o líder da KTM de fábrica seria de menos de sete segundos e Bagnaia em sua Ducati manteria a P7 por apenas quatro décimas de segundo.

O que me apraz dizer?

Eu sei lá… brilhante… será justo???

Em Portugal, por hábito, mesmo não sabendo de um assunto sabemos sempre qualquer coisinha, isto é malta que não se fica, não damos assim de barato assumir aquele ar de que estávamos a dormir na hora da lição.

E por isso muito opinamos.

Miguel Oliveira, filho de Paulo, falou pouco e fez muito.

Desenhou seu rumo, puxou de argumentação trazida num dom, trabalhou, buscou, avançou, recuou, avançou de novo.

Miguel fez P8 no domingo, ainda que desacreditado por uma imensidão de conhecedores que se cansam de FPs um, dois, três e quatro sem grandes malabarismos no crono.

Perguntar-me-ão se eu acaso não desmoralizo, senhores fosse eu responder-vos e confessar-vos-ia, ai nanas!… e dir-me-iam de imediato… estás a ver?… afinal és como nós.

Pois sou mas… não opino descabeladas desacreditações no Falcão, antes argumento, por vezes quase titubeante, que ele saberá o que fazer.

Normalmente sabe, garantidamente saberá mais que todos nós juntos e mais que fôssemos.

E aqui chegados, lá tropeço no degrau que mais confusão me faz neste cantinho à beira-mar plantado, o completo desmazelo e abandono de quase tudo o que não seja bola, bola e mais bola, mas sempre da mesma, daquela que se tornou conhecida por seus trinta e dois gomos, doze pentágonos e vinte hexágonos que formam um icosaedro truncado, uns pintados a preto e outros a branco, e podem confiar que é informação fidedigna, tão fidedigna quanto desinteressante.

Uma vez mais pergunto… já chamaram a vossa gente a sentar-se ao vosso lado para lhes oferecer a sensação impagável de apoiar um dos nossos nas mais lindas corridas do mundo?

Pois bem, Jerez já foi, vem agora Jerez, é isso, parece confuso mas não é, agora é da Andaluzia o GP, mas serão os mesmos por lá, os mesmos se calhar não o serão em pormenor, Cal e Marc correm o risco de não estar, mas serão todos os outros, Miguel incluído e sem tirar nem pôr no número de treinos, aquecimentos e toda aquela parafernália de equações que desbastam milésimos de segundos uns aos outros.

Vamos já fazer pequena lista a quem apresentar tão imperdível fim-de-semana?

Ou ficamo-nos por palpites do toca e foge nas redes de mil láiques?

Em minha casa já somos quatro a seguir a coisa… e aqui há tempos, mea culpa, nem o sofá se dava a esse luxo.

Está na hora gente!

E não custa nada.

Nada mesmo!