Crónica João Pais #43

João Pais, cronista

As equações de Oliveira

Mais um GP terminado, Le Mans à chuva, amealhados mais dez pontos nesta temporada II da série ‘Nas asas do Falcão‘.

Após nove corridas, Miguel é nono classificado, com sessenta e nove pontos, dista uma dúzia deles do TOP 5, imagine-se lá isto dito há um ano, por certo iriam buscar um colete de forças para internar o autor do palpite.

Regressemos ao parágrafo primeiro e atentemos no pormenor climatérico que acompanha a alusão ao local da corrida.
À chuva.
Pela primeira vez Oliveira correu à chuva na categoria MotoGP, que é como quem diz, levou no molhado um desembestado conjunto de cavalos, que se não se lhes põe a mão no freio desatam a voar pista fora, e o que nos trouxe ele em dia assim?
Pois bem terminou em sexto lugar, quase quase em quarto, quase quase em quinto, e esses momentos finais são afinal esclarecedores de muita coisa, senão vejamos, quando o pneu traseiro andava já para encomendar a alma ao criador, o dele e o de Dovi que o precedia, Miguel não se ficou pelas poucas e ambicionou-lhe o lugar, ultrapassou-o, por momentos tentou ir mas não foi, Dovi devolveu-lhe a demasia, passando estes dois a uma dança de tem-te não caias, o 4 rolhando o 88, enquanto o 5, Zarco, ia dando forte e feio com um pneu médio que naquela altura tinha já a temperatura necessária para lhe dar a aderência que o fez recuperar impensáveis três segundos na última volta, sacando na última curva o coelho que haveria de roubar um pontito mais ao nosso Miguelito, como lhe chama a Dina.

Olhando as coisas num panorama mais amplo iremos perceber que após 65% do Mundial já disputado, quando faltam cinco corridas, uma das quais desejamos apoteótica em Portimão, dificilmente poderíamos exigir mais a quem há pouco mais de um ano chegou a uma equipa que tudo tinha para… Aprender e começar.

Num universo de complexidade tal em que cada detalhe, cada decisão, parecem requerer conhecimentos da fórmula resolvente das equações de segundo grau, e aqui recordo aos mais distraídos que X é igual a menos B, mais ou menos raiz quadrada de B ao quadrado menos quatro AC sobre dois A, facilmente concluiremos que estar naquele mundo não é para quem quer, não é para quem sonha, mas sim para quem pode, e se eu estou totalmente fora de qualquer cogitação porque nem de moto sei andar, outros tantos milhões estarão também, com a diferença única de que palpitam com base em suas acelerações após o semáforo passar a verde, esquecendo que a avenida lá da terra é, em toda a sua extensão e génese, um bocadinho diferente de uma pista num Autódromo.

Voltando a Le Mans, e ao fim-de-semana que nos agarrou a todos em torno desta fogueira que, como o amor, nos arde no peito sem se ver, ele foi um manancial de pequenas confirmações em torno da certeza de que MO88 está mais e mais perto de um objectivo que nunca escondeu, lutar pelo topo do topo.

Se na sexta-feira tirara as medidas ao molhado e pouco mais, no sábado repetiria uma receita cujo sabor e ingredientes estará a apurar, assim o desejamos, apresentando sua volta rápida perto do finalzinho do fecho da loja na FP3, sacando uma interessantíssima P2 e um acesso directo à Q2, coisa que se vai tornando agora expectável pois o povo não se coíbe de pedir repetições do que lhe agrada ao palato sensorial e emocional.

E nesta fase do tudo ou nada, onde no mínimo se almeja um lugarzinho nas duas primeiras linhas, nesta fase torce ainda a porca o rabo, falta um ‘je ne sais quoi’ que, estou certo, em breve terá a devida resposta.
De todo o modo não terá sido alheia a uma qualificação mais acinzentada o facto de na FP4 o motor da KTM do nosso homem ter dado às de Vila Diogo e ala que se fazia tarde, calou-se em rugido mudo e quedo, seguido tão funesto momento pelo episódio de uma queda que veio abanar uma moral que estava em ascensão, não sendo grave, nesta altura da concepção do fenómeno ainda faz mossa, fora o pormaior daquela mota que chegou não estar vestida a rigor para a cerimónia, com um setting diferente da que antes se havia escusado a prosseguir sua tarefa.

E chegou o domingo, esse que começa ali pelas oito da manhã e que acaba já depois de almoço, com correrias de criar bicho, e o imperdível e delicioso acepipe que são as corridas de Moto3, de onde, só de olhar, nos arriscamos a sair cansados.

Chegaram pois as 12h00 de domingo, hora nossa que é a que interessa para o caso, e com elas chegou uma carga de água que mandou tudo trocar de pneus e de estratégia, com a agravante da incerteza na escolha de médios ou macios, uns e outros com suas virtudes e
defeitos, o macio agarrava mas desgastava-se nas partes mais secas, o médio era menino para sair mais tarde do escritório mas… Para aquecer era o diabo, e assim foi indo tudo até
aos últimos pedaços da corrida do nosso Oliveira, corrida essa que havia começado com uma ida fulminante de P12 para P18, não por tabela do infortúnio d’ Il Dottore, mas sim como consequência de um toque traseiro que lhe foi dado por Alex Marquez, coisas que acontecem, neste caso e felizmente sem terminar com aquela que viria a ser uma demonstração de maturidade e confiança no molhado, levando a uma recuperação que haveria de chegar à quarta, quinta e por fim sexta posição.

E se Miguel, e bem, escapou ao infortúnio que chega numa queda inesperada, quando algo se faz de um modo milimetricamente diferente, ou se faz um milésimo de segundo mais cedo ou mais tarde, assim é este mundo com a mais veloz geometria 3D do mundo e arredores, em corrida haveria de deixar o homem do momento, Quartararo, a cerca de uma dúzia de segundos, batendo ainda sem apelo nem agravo nomes como o de Viñales, Mir, Binder, Bagnaia e Rins, isto para mencionar quem por ali costuma brandir argumentação para estar no topo.

Focar-se-ão alguns no lugar perdido na última curva, insistirão outros na última posição conseguida na Q2, não deixando de haver os que, ufanos, clamarão o mau arranque de Miguel. Nos tempos que correm, de tão grandes dificuldades empresariais, imagino que a junção das valência e das vertentes destes visionários da ‘coisa correcta’ pudesse dar origem a um modelo de empresa que, não tenho a mais pequena dúvida, frutificaria ao ponto de criar negócio de volume, atrevo-me até, se a mal não me levarem, sugerir-lhes desde já nome e mote: O Sofá Sabichão, a vitória sempre à mão!
E por aqui me avio e despeço, hoje é terça-feira e daqui a três dias lá estarei a olhar tabelas de cronos e a fazer cafés, pendurando a roupa e arrumando a loiça caso as coisas corram pelo melhor e os nervos me atraiçoem a coragem de estar ali sentado, confiando e empurrando, desejando e sofrendo pela causa Miguelista, fico-me por aqui com os meus botões e junto de alguns amigos que me acolhem em seus uótezapes, que me vão dando dicas, permitindo-me ainda assim sentir-me feliz e tranquilo, prosseguindo na senda dos salteadores da sabedoria perdida.

Venha Aragão.