A vida, por vezes, apresenta-se como uma série de momentos decisivos que nos moldam e nos definem. Uns são grandes e evidentes, como o dia em que começamos o nosso primeiro emprego. Outros, mais discretos, acontecem sem grandes alardes, mas têm um impacto profundo na nossa essência. O dia em que comprei a minha primeira moto foi, sem dúvida, um desses momentos silenciosos, mas que ficaram gravados na minha memória como uma tatuagem indelével.
Naquele dia, o céu estava claro, sem uma única nuvem a interromper a imensidão azul que parecia convidar-me a fazer algo diferente. Era um sábado de manhã, como qualquer outro, mas com algo no ar que tornava aquele dia único.
Acordei cedo, mais excitado do que o normal, com a sensação de que algo importante ia acontecer. Tinha passado semanas a pesquisar sobre motos, a ler sobre modelos, a comparar preços, a tentar perceber o que fazia mais sentido para mim. Era uma sensação estranha, como se estivesse prestes a entrar numa nova fase da minha vida, a fazer algo que nunca antes tinha feito, e, no fundo, que nunca tinha sequer imaginado.
A ideia da moto já vinha há algum tempo. Desde pequeno, sempre fui fascinado pela liberdade que ela representava. Via os motards nas estradas, os cabelos ao vento, os olhares concentrados no horizonte, e imaginava-me a fazer o mesmo. O som do motor, a sensação de estar em movimento constante, a possibilidade de descobrir novos caminhos, tudo isso falava diretamente ao meu coração. Mas, até aquele momento, nunca tinha dado o passo para concretizar esse sonho.
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Lembrei-me de quando era mais novo, ainda um adolescente, e via os amigos mais velhos a andar de moto. Eu ficava ali, observando-os, sentindo aquele misto de inveja e admiração. “Um dia, eu também vou ter uma”, dizia para mim mesmo, sem realmente acreditar que esse dia chegaria. Mas, aos poucos, aquele desejo foi amadurecendo. Quando percebi que tinha condições para fazer acontecer, decidi que não podia adiar mais. Era agora ou nunca.
A primeira vez que andei numa motorizada foi aos 12 anos. Foi um passo que dei sem pensar muito, algo natural para quem, como eu, sempre viu as motos como uma extensão da liberdade.
Na altura, não tinha carta de condução, mas isso não me impediu de pegar na motorizada e fazer os meus primeiros quilómetros pelas estradas. Lembro-me bem do nervosismo de estar a conduzir algo tão pequeno, mas com um significado tão grande. O motor vibrava nas minhas mãos, e eu sentia-me mais livre do que nunca.
Nos anos seguintes, fui aprimorando a minha destreza. A cada quilómetro percorrido, a sensação de estar no controlo da situação, de explorar o mundo à minha maneira, só aumentava.
Mais tarde, já com a carta de velocípedes com motor auxiliar em mãos, foi a vez de adquirir outra motorizada, mas sempre com aquela sensação de que algo faltava. Eu sabia que, até ali, tinha vivido uma vida de aprendizagem e, claro, de algumas transgressões, porque confesso que fiz valentes quilómetros sem carta, num impulso juvenil de querer viver a liberdade sem esperar pela formalidade. Contudo, o momento de maior realização seria quando finalmente conseguisse a minha primeira moto de verdade.

A loja onde comprei a moto ficava a poucos quilómetros de casa. Tinha sido recomendada por um amigo que, como eu, havia dado esse passo há alguns anos e ainda se orgulhava de ter tomado aquela decisão.
Não sei bem o que esperava encontrar naquele lugar, mas assim que entrei, senti uma sensação de acolhimento. A loja era pequena, mas cheia de energia. As motas estavam dispostas ao longo da loja, como se estivessem ali, prontas para sair em busca de novas aventuras. Cada uma com a sua história, cada uma com a sua promessa de liberdade.
Fui recebido por um vendedor simpático, que parecia perceber imediatamente que estava ali para algo importante. Não perguntei muito sobre os modelos nem sobre os detalhes técnicos. Tudo o que eu queria naquele momento era encontrar a moto que me fizesse sentir bem, que fosse a extensão dos meus sonhos, a companheira das minhas jornadas.
“Então, é para a primeira, não é?” perguntou ele com um sorriso, como quem já sabia o que estava a acontecer.
Eu acenei com a cabeça, nervoso, mas com a certeza de que não havia volta a dar. “Sim, é para a primeira”, respondi. “Preciso de algo que me dê confiança, mas que também seja confortável”.
Ele mostrou-me alguns modelos, explicou-me os detalhes técnicos, falou de cilindradas, potências, consumos. Mas, para mim, tudo isso parecia um emaranhado de palavras vazias. O que eu queria era sentir o vento no rosto, sentir a estrada a chamar-me, a sentir-me parte do mundo de uma forma nova.
E então, lá estava ela. Uma moto simples, mas com algo de especial. Não era a mais cara, nem a mais potente, mas tinha o que eu procurava: uma sensação de ser a minha companheira. A cor era discreta, mas elegante, o design moderno, mas sem ser exagerado. Quando me sentei nela, algo dentro de mim se acendeu. Era como se finalmente tivesse encontrado o meu lugar no Mundo.
A compra não foi rápida. Durante alguns minutos, permaneci ali, com a moto diante de mim, a tentar absorver tudo o que estava a acontecer. O vendedor, percebendo a minha hesitação, fez-me perguntas simples, como se soubesse que eu precisava de mais tempo para tomar uma decisão que, na verdade, já estava tomada. Depois de algum tempo, decidi: “Quero levar esta”.
O processo burocrático foi simples, mas, à medida que preenchia os papéis, o nervosismo começava a crescer. Estava prestes a fazer algo grande, algo que mudaria a minha forma de ver a vida.
Não era só a compra de uma moto. Era a concretização de um sonho, a realização de algo que sempre esteve lá, na minha mente, como uma vontade intocada. O valor da moto era alto, muito mais do que eu imaginara gastar, mas naquele momento, nada parecia importar. Eu sentia que estava a investir em algo que valeria muito mais do que dinheiro: estava a investir na minha liberdade.
Finalmente, com tudo resolvido, o vendedor entregou-me as chaves. A sensação de segurar as chaves da minha própria moto foi indescritível. Era uma sensação de poder, mas também de responsabilidade. Agora, era eu quem comandava a máquina, quem decidia o rumo das viagens. Antes de sair, o vendedor deu-me algumas dicas rápidas, mas nada que eu já não tivesse lido ou ouvido. O importante era que eu estava pronto para viver a experiência.
Quando liguei o motor pela primeira vez, o som ecoou pela rua, profundo e marcante. O ronco do motor parecia uma melodia, uma música feita para ser ouvida na estrada. Fui para o lado de fora, coloquei o capacete e, com a respiração acelerada, dei os primeiros metros.
O vento batia na minha cara, as mãos firmes no guiador, o coração a bater mais rápido do que o normal. A cada quilómetro, a cada curva, a sensação de liberdade aumentava. Eu não estava apenas a andar de moto. Estava a explorar o mundo, a descobrir um novo sentido para a minha vida.
A estrada, até então uma mera linha no mapa, transformou-se num convite constante. O que antes parecia distante agora estava ao alcance das minhas mãos. E, naquele momento, eu sabia que a minha vida nunca mais seria a mesma. A moto não era apenas um meio de transporte. Era um bilhete para uma nova forma de viver, mais leve, mais aventureira, mais aberta.

Nos dias que se seguiram, percorri as estradas da cidade, depois as de fora. O cheiro do asfalto, o som do motor, a paisagem a mudar à medida que passava por diferentes lugares… Cada viagem era uma nova história, uma nova experiência. E tudo o que eu sentia era gratidão. Gratidão por ter dado aquele passo, por ter tomado a decisão que parecia simples, mas que foi tão decisiva.
Desde então, já tive várias motos. Cada uma delas trouxe algo novo: novas aventuras, novas emoções, novos aprendizados. Cada moto foi como um capítulo diferente na minha história. Algumas mais potentes, outras mais simples, mas todas com o mesmo significado profundo: a liberdade de ir além, de me desafiar, de viver as minhas viagens e histórias. E a estrada, essa, nunca deixou de me chamar. A cada quilómetro, a cada viagem, sei que o melhor ainda está por vir.
Já apanhei chuva, neve, calor extremo e, claro, alguns acidentes ao longo dos anos. Mas nada disso me desmotiva. De cada desafio, aprendi a respeitar mais a estrada, a minha moto e, acima de tudo, a mim mesmo. Cada quilómetro percorrido foi uma oportunidade de crescer, de me reinventar e de enfrentar os obstáculos que surgiram.
A verdade é que, com o tempo, percebi que a estrada não é só feita de momentos tranquilos e viagens perfeitas. Ela também nos desafia, nos ensina a ser resilientes e a continuar, mesmo quando as condições não são ideais. Não é o que acontece ao longo do caminho que define a experiência, mas a maneira como escolhemos continuar a andar. E, enquanto tiver a minha moto e a minha carta, vou continuar a viver essa liberdade todos os dias.
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