Editorial Revista Motojornal nº1502
Há temas que, mais vale não pensarmos neles. Mas por nos fingirmos de “desapercebidos”, não quer dizer que eles desapareçam como que por magia. É quase como que virar a cara a um mendigo, para não esbarrarmos de frente com a incomoda realidade. “Olhos que não vêem, coração que não sente…” dizem! Um desses temas sensíveis para a sociedade, é a igualdade de género.
Com cada vez mais “meninas” a surgirem nas classes de iniciação e muitas delas até, já presentes em muitas das grelhas do nacional de velocidade (também as há em outras disciplinas como o MX ou o Enduro, embora em muito menor número), o problema ganha nova dimensão, que até aqui não se punha. Ou punha-se, embora numa dimensão muito mais reduzida… Pessoalmente nunca assisti a um caso de discriminação em qualquer prova, mas quem anda lá dentro, sente-as e muitas das vezes, guarda esses momentos para si própria. Desvalorizando… Mas este tema fez-me refletir agora, mais que nunca, quando tive conhecimento do caso da piloto australiana, Sharni Pinfold, que deixou o país natal e rumou à Europa na perseguição do sonho de se tornar piloto profissional de velocidade e, naturalmente, chegar ao mundial.
Com os olhos postos em Ana Carrasco, que foi campeã do mundo de Supersport 300 em 2018, Pinfold começou por correr no Reino Unido em 2018 e 2019 (na classe Moto3 do campeonato britânico) e em 2020 cumpriu o sonho de chegar ao mundial, onde disputou apenas uma prova, no campeonato SSP300, integrada na estrutura da Kawasaki SMRZ Racing, na ronda francesa, a penúltima do campeonato.
Mas para este ano, a piloto australiana decidiu colocar um ponto final na carreira devido a episódios de discriminação de género, dos quais foi vítima ao longo da sua, curta, experiência desportiva. Este episódio levou-me a pensar numa curta entrevista que fizemos a uma piloto do nacional de velocidade, durante 2020, que, na altura, e muito “ao de leve” nos referia um pouco disso mesmo: que muitas vezes sente os olhares mais “cruéis” dos rapazes, seja no paddock como na grelha, assim como alguns comportamentos menos “cavalheirescos”. Daí este alerta! É agora, na geração mais jovem de pilotos que temos que incutir, ainda mais, a igualdade de género.
Não se trata de um conceito utópico, é a vida real. No século XXI é impensável estarmos a falar de sexo forte ou fraco, isso não existe, ou melhor, isso tem que deixar de existir. Precisamos ter bem presente de que preparar pilotos para uma carreira desportiva, vai muito mais além de desenvolver estratégias para captar “gostos” na página de Facebook e com isso obter patrocínios… há que estimular o fairplay e a competição saudável. É urgente irradiar o Bullying do quotidiano e, neste caso em concreto, do desporto motorizado. Já não basta os esforços para conseguir cumprir um plano desportivo, senão ainda ter que sofrer, muitas vezes em silêncio com este flagelo. Há que estar atentos, e muito! Mas o trabalho não se fica por aqui, já que dentro das próprias estruturas das equipas fazem falta mais mulheres…