Marrocos é já ali… e o Sahara também

O reino de Marrocos com a sua história e cultura aliadas a uma geografia variada e de paisagens diferentes, tem aqui tão perto tudo o que precisamos para darmos algum condimento à vida de motociclistas.

Texto e Fotos Tó Manel

Tenho mantido ao longo da minha vida de motociclista uma relação muito próxima com Marrocos. Viajei pelo país a primeira vez, ainda na década de 70 do século passado, com uma Triumph Tiger T100 de 500cc do ano de 1970. Depois, na década de 80 andei por Marrocos de Ducati 750GT. Na década de 90 foi de Honda Pan European e na 1ª década deste século de BMW GS1200A.

Agora foi a vez de lá voltar com a melhor moto com que hoje o poderia fazer… A nova Honda Africa Twin 1100. E ao longo de mais de 40 anos de visitas a Marrocos, constato que para além de mais alcatrão e algumas infraestruturas concentradas a norte do Atlas nada mudou… mantêm-se a característica confusão e cheiros a ervas e essências nas medinas, mantêm-se a confusão no tráfego citadino, mantêm-se um povo aberto à confraternização (por norma com o intuito de sacar uns dirhams ou não fosse o turismo uma das maiores fontes de receita do país) e mantém-se sobretudo umas paisagens de “cortar a respiração”.

Algumas das viagens foram feitas acompanhado e outras tantas, como esta, a solo. Obviamente, viajar sozinho de moto para um país como Marrocos pode parecer para alguns como algo menos aconselhável e isso deve-se muito a todo o grande “elan” que se criou à volta das viagens a Marrocos, como algo só recomendado para motociclistas dos mais experientes e aventureiros…

Bom, viajar de moto seja em Portugal, em Marrocos ou em qualquer lado do Mundo, envolve sempre alguns riscos e por razões de segurança deve ser feito com companhia mas, acompanhados ou sozinhos temos de, conscientes das fragilidades, nos saber defender não entrando em situações das quais é de todo uma incógnita como sair delas. Basicamente, nunca podemos perder o controle sobre tudo aquilo que nos rodeia e que fazemos, seja na circulação na estrada, nos percursos que escolhemos, ou no convívio com as populações.

Exercer na prática esse controle passa, por exemplo, por estarmos numa pista de terra a perder de vista e resistirmos à enorme tentação de ir por ali fora “de gás” e bem ao estilo “dakariano”… e são tantas já as histórias de final desastroso que existem por aí para contar, de quem de repente nas pistas de Marrocos pensou que estava a passar ao lado de uma gloriosa carreira “dakariana”… E acredite-se, Marrocos é daqueles países onde “não se pode mesmo” ter um acidente e precisar de ir parar a um hospital… primeiro, porque nas regiões mais inóspitas simplesmente não existem, segundo, porque facilmente se circula a centenas de kms de um hospital digno desse nome e que só existem nas grandes cidades.

Portanto, a preparação de uma viagem a Marrocos envolve sempre alguma preparação também em termos daquilo que levar no “estojo de primeiros socorros”: produto desinfectante de feridas, pensos, ligaduras e remédio para diarreias; basicamente, é isto o essencial. Acontece que para qualquer viagem, mesmo que de fim de semana, este estojo anda comigo sempre na moto. Quando em viagem neste tipo de países o mais importante de tudo é capacitar-nos de que estamos por nossa conta e risco… E que depende sobretudo da nossa atitude o factor de sucesso final da viagem.

A primeira constatação é que nos centros urbanos essa coisa do trânsito não funciona de modo algum como estamos habituados a que funcione… ou seja, por exemplo, parar numa passadeira para deixar passar uns peões implica o grande risco de se ser “abalroado” por trás por um qualquer veículo… dar prioridade na entrada de uma rotunda a um veículo que já lá circule pode significar também uma “traseirada”… e por aí fora; e depois nem vale a pena perder tempo em discussões de culpa, porque basicamente no “alcorão” não constam leis de trânsito…

Já na estrada, em Marrocos o policiamento e controle de tráfego é feito de forma exaustiva. Há barreiras policiais à entrada de vilas e cidades e fortes controles de velocidade com radares nas principais vias de acesso aos centros urbanos. Se existe um sinal de 60 é bom que não se vá a mais de 70…

Onde ir a Marrocos?

Bom… para o turista convencional ou “excursionista de pacote” há um circuito turístico quase obrigatório que leva a visitar as cinco cidades imperiais, Fez, Méknes Marrakech, Casablanca e Rabat. Marrakech é a cidade mais típica e onde se vive o ambiente mais turístico na sua famosa Praça Jemaa El-Fna, onde se encontra de tudo, desde encantadores de serpentes a acrobatas. Parecida com esta praça, mas muito mais genuína (por ser frequentada essencialmente por marroquinos) existe uma igual em Méknes.

Mas, literalmente, existem dois Marrocos: um essencialmente agrícola a norte das montanhas do Atlas outro desértico a sul desta majestosa cadeia montanhosa… e quem procura aventura, de facto só a começa a encontrar e a sentir na própria travessia do Atlas e depois pelo deserto que se estende a sul e a perder de vista passadas as montanhas. E aqui há um local de visita obrigatória, Merzouga, ali bem ao lado do Erg Chebi (erg significa deserto de areia) onde se encontram das maiores dunas no Sahara.

Nas primeiras vezes que ali estive, depois de Erfoud só se chegava a Merzouga depois de pouco mais de 50 km de pistas; não havia GPS e no meio de um emaranhado de pistas, havia que seguir os postos telefónicos até Merzouga… numa ocasião tive de dormir a meio desses 50 km ao lado da pista, dentro de um saco cama junto da moto devido a uma enorme tempestade de areia que apareceu ao final da tarde e não deixava ver nem um palmo à frente do nariz.

Em Merzouga não havia hotéis mas sim, no mesmo local onde hoje existe o maior hotel da região (Auberge Kasbah Merzouga) uma simples casita com umas esteiras lá dentro e que eram alugadas para dormir; pelo que soube, a família que hoje explora este espaço é a mesma. E impressionante mesmo é agora quantidade de oferta em termos de hotelaria e para todas as bolsas; desde 10 euros por pessoa (100 dirhams) por noite a 400 euros (4000 dirhams).

Pessoalmente, não sirvo de exemplo para ninguém em termos de dormidas porque, literalmente, durmo em qualquer lado… mas não durmo em quaisquer lençóis… porque anda sempre comigo um bom saco de cama e um colchão de ar (que se furou e desta vez foi de espuma); portanto, escusado será dizer que dormi por 10 euros por noite em Merzouga com direito a wi-fi e até pequeno almoço… e num “hotel” que recomendo a todos os motociclistas que sejam capazes de dispensar mordomias, como casa de banho privada e uns “indígenas da batucada” à noite durante e após o jantar.

 

Mas, o “Maison Adrar”, mesmo à beira das dunas, tem tudo aquilo que me atrai e costumo procurar em Marrocos, sobretudo num local daqueles; o sossego e silêncio do deserto… puro e duro, mas, sossego e silêncio a sério. Por isso, evitei também parar em qualquer grande cidade e poucas tive sequer de atravessar.

Enfim… Não vou fazer um relato exaustivo de mais uma das tantas viagens que já fiz a Marrocos, mas só queria transmitir àqueles que gostam de viajar de moto à descoberta de novas paisagens, cheiros, culturas, emoções e essencialmente de si próprios, que podem, sem qualquer problema, avançar para essa aventura marroquina sozinhos com a sua moto… e acreditem, fazê-lo a solo é a forma mais compensadora em termos de espírito de aventura e descoberta até de nós próprios, enquanto motociclistas e não só… também enquanto seres com cada vez mais necessidade de “fugas de escape”.

A terapia do deserto

Ver o nascer do sol no deserto é algo muito especial, como o é também vê-lo a pôr-se na nossa costa, onde os turistas vão para o Cabo da Roca, Cabo de S. Vicente, Cabo Espichel e outros locais viver esses momentos. Apesar de se perder a vista no horizonte, na realidade o que se procura nesses momentos é olhar bem para dentro… Precisamente por isso, por serem situações que nos levam à interiorização, são para ser vividas de preferência (ou pelo menos de vez em quando…) apenas com a melhor companhia que todos nós temos e de que tanto nos esquecemos… nós próprios.

A solidão pode assustar porque é quando nos atacam todos os fantasmas que vamos construindo ao longo da vida… mas também é, se devidamente assumida e vivida, a melhor forma de os combater. Porque, no fundo, todos temos os nossos fantasmas e cada um lida com eles à sua maneira; uns ficam viciados no trabalho (com medo de tudo), uns tomam comprimidos para dormir e para acordar, outros entram em infindáveis terapias e sessões de sofá e outros pegam na moto e vão ver o sol nascer no deserto…  Aconselho vivamente esta última terapia; comigo resulta desde há mais de 40 anos…

Custos de viagem

Já cheguei a ir a Merzouga e voltar em 5 dias, mas desta vez tive mais tempo €… 8 dias.

E foi assim:

1º DIA até Tanger Med

2º DIA até Azrou

3º DIA até Merzouga

4º E 5º DIA em Merzouga

6º DIA até Beni-Mellal

7º DIA até Algeciras e 8º dia até casa.

TOTAL DE KMS PERCORRIDOS: 3550

GASTOS: Combustível 212 €

Refeições: 80 €

Dormidas: 196 €

Barco: 112 €

TOTAL: 600 €

1 EURO vale um pouco mais de 10 DIRHAMS (moeda marroquina)

CURIOSIDADES: o litro de gasolina em Marrocos é de 1€/l. As refeições ficam a 5€ nas “tascas” à beira da estrada e há muitas em todas as povoações; como não sou muito dado a aventuras gastronómicas fico bem com as suas típicas espetadas. Dorme-se bem em todo o lado por 35€ mas, também por 10€ em Merzouga.

PNEUS: É sempre um dilema para alguns saber decidir com que tipo de pneus ir para uma viagem onde se vão fazer alguns kms em pistas de terra. Pois bem, o primeiro factor a ter em conta é saber em que tipo de piso se vai andar e as condições atmosféricas. Fui com uns normalíssimos pneus de alcatrão (Dunlop Trail Smart) que, nas calmas (porque ter algum acidente por ali sozinho e longe de tudo esteve sempre fora de questão), se fizeram às pistas perfeitamente, tendo evitado, contudo, as areias mais profundas. O tempo seco (30 graus em Merzouga) ajudou imenso.

O capacete desta viagem

Levei o novo capacete modular da Nexx, o Vilijord, e posso mesmo afirmar que a Nexx reinventou o conceito modular dos capacetes com este modelo de inspiração TT; proporciona a segurança e conforto na estrada e fora-de-estrada mas quando entramos numa cidade proporciona as características “arejadas” de um capacete aberto. Grande
conforto e insonorização acabam por proporcionar viagens de dias inteiros sem qualquer incómodo. Recomenda-se e é produto nacional.