País das duas rodas uniu-se hoje contra as inspeções às motos

Sem surpresa, o país das duas rodas mobilizou-se e uniu-se para protestar contra aquilo que é a intenção do actual governo em tornar obrigatório a ida das motos às inspeções a partir de janeiro de 2022.

A mobilização de milhares de motociclistas portugueses ocorreu durante esta tarde de sábado, 16 de outubro, um pouco por todo o país, num protesto que se pautou por civilizado e ordeiro, onde os motores e as buzinas de milhares de motos se fizeram ouvir por diversas ruas e avendidas do Porto, Lisboa, Coimbra, Faro, Funchal e Porto Santo.

O GAM – Grupo de Ação Motociclista promete para breve um balanço mais aprofundado desta iniciativa nacional, mas para já considera que este protesto está “feito. Muitos milhares de motociclistas viveram mais uma inesquecível jornada de defesa dos seus direitos e interesses.”

Ainda que as autoridades no território nacional tenham naturalmente autorizado e executado de forma exemplar o seu papel de garantir a ordem no trânsito e zelar pelo bom decorrer do protesto, esta iniciativa fica marcada pelo excesso de zelo do comando regional da PSP da Madeira que, naquela Região Autónoma, apenas permitiu aos motociclistas insulares manifestarem-se a pé.

Sobre esta posição da PSP madeirense, o GAM – Grupo de Ação Motociclista referiu poucas horas antes do protesto na sua página oficial de Facebook que “ABSTEMO-NOS neste momento de comentar o regime em que vivem particularmente os motociclistas madeirenses… isto, para não “atiçar” ninguém e muito menos o actual Comando da PSP local. Apenas queremos que tudo decorra dentro daquilo que é espectável num regime minimamente democrático e que haja respeito por parte das autoridades pelo mais básico direito conquistado com o 25 de Abril… O DIREITO À LIBERDADE DE REUNIÃO E MANIFESTAÇÃO. Por parte dos motociciclistas sabemos que irá haver respeito e responsabilidade no uso dessa liberdade porque já deram sobejas provas disso no passado.”

A desconstrução dos números

Também horas antes desta iniciativa que levou milhares de motos à rua, o GAM – Grupo de Ação Motociclista descontruía alguns números com base na MAIDS Report, especialista em estudos sobre sinistralidade rodoviária em duas rodas: “Em 2020 a ANSR registou 8.024 vítimas em motociclos e ciclomotores das quais resultaram 138 mortes (1,72%). Segundo o MAIDS REPORT, considerado pelos especialistas a referência no estudo da sinistralidade em motos, a falha mecânica não representa mais de 0,3% da causa dos sinistros.

Assumindo que a falha mecânica da moto possa ter provocado 24 vítimas (0,3%) em Portugal, 1,72% dessas vítimas não representam uma única vítima mortal (0,4 mortes). Em Portugal é estatisticamente impossível que alguém morra por falha mecânica da moto. Para que tal acontecesse e pudessem as inspeções às motos salvar UMA vida humana, teriam que existir pelo menos 19.380 vítimas em motociclos e ciclomotores, que corresponderiam a um parque de 1.033.602 motociclos e ciclomotores, ou seja, um nº bastante superior ao que existe em Portugal (691.340 – dados ASF de 2020).

Para percebermos aquilo que está em causa temos que ser pragmáticos. Considerando os 23€ que os açorianos estão obrigados a pagar aos privados por uma inspeção ao motociclo, quanto é que estes privados nos vão cobrar por cada morte evitada? A conta é simples (23×1.033.602) e o resultado também: 23,8 MILHÕES DE EUROS anuais para potencialmente prevenir UMA MORTE causada por falha mecânica da moto.
Não questionamos o valor de uma vida humana, questionamos as medidas que não procuram salvar vidas humanas. 23,8 milhões de euros anuais salvam bem mais do que uma vida humana, quando aplicados em melhoramentos nas infraestruturas rodoviárias que não só beneficiam motociclistas como todos os utilizadores das estradas. 23,8 milhões de euros anuais salvam bem mais do que uma vida humana se aplicados em outros setores da sociedade, em particular na saúde.

Se o argumento usado para a implementação das inspeções periódicas obrigatórias (IPO) é o da redução da sinistralidade, os dados mostram que há outras maneiras vastamente mais eficazes de o fazer. Se o argumento para as IPO às motos é reduzir o ruído e a poluição, o excesso destes já faz parte daquilo que, numa operação STOP, obriga a moto a ir a uma inspeção B. Será que querem transformar um dever das autoridades num negócio de privados? Por esclarecer está ainda o recente protocolo assinado entre a PSP e a associação representante do sector das inspeções automóveis, a ANCIA…

A obrigatoriedade das IPO às motos não vai sequer resolver o problema das que circulam ilegais… basta olhar para o parque automóvel inspecionado que continua a circular com uma nuvem preta atrás de si. Este problema só é resolvido NA ESTRADA, quando as autoridades que fiscalizam o trânsito assumirem de facto esse papel, atuando com o bom senso de distinguir quem realmente perturba o sossego alheio e coloca em risco a segurança dos outros utentes. Reduzir a atividade das polícias de trânsito à obsessiva “caça à multa”, ao excesso de zelo nas ações de fiscalização do trânsito e ao abuso de autoridade na aplicação de coimas que em nada se relacionam com prevenção da sinistralidade, só irão criar ainda mais descrédito nas autoridades que fiscalizam o trânsito.,” referiu o GAM – Grupo de Acção Motociclista na sua página oficial.

Fotos: GAM

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