Reportagem: Cross-Pro – Os ‘prós’ do alumínio

Longe vai o tempo, cerca de 26 anos, em que a aventura no meio das duas rodas começou para os irmãos David e Carlos Gouveia, dois incontornáveis amantes das duas rodas e, o segundo, um endurista da velha guarda. A Davimoto, a pequena oficina que decidiram montar para reparar as suas motos que muito “esganiçavam” nas serras ao redor de Águeda, capital do Enduro e Motocross Nacional, passou também a reparar as motos dos amigos e depois dos amigos dos amigos.

Esta reportagem encontra-se na edição Nº 1489 (Agosto de 2020) da Motojornal em https://fast-lane.pt/produto/motojornal-1489/

A atividade foi crescendo e o espaço era cada vez menor. Os “manos” foram evoluindo, a todos os níveis, até que em determinada altura decidem começar a produzir alguns componentes para as suas moto 4 desportivas, a nova paixão do mais novo David, e pouco tempo depois para as moos de enduro.

Juntaram a importação de algumas marcas de acessórios e até motos – foram importadores da GasGas – e daí a dar nas vistas com o que produziam foi uma questão de pouco tempo, e oportunidade, sendo que depressa se equiparam e decidiram avançar para uma empresa dedicada a produzir estes acessórios, sem grandes ambições que não fosse apenas a da qualidade e robustez do produto.

Surgiu a Crosspro, o nome já então sonante e que viria com o decorrer do tempo a instalar-se no meio nacional e paulatinamente internacional dos acessórios. Adquiriram um espaço próximo de Travassô – Águeda, e aí estiveram durante vários anos, consolidando a sua forma séria, honesta e humilde de estar neste mercado, e de novo perdendo espaço para tanta produção e pedidos vindos dos muitos mercados onde conseguiram entrar.

A nova estrutura

Até que há três anos, estávamos em 2017, decidiram dar novo passo, desta vez maior e ainda mais arrojado, mas como sempre refletido e ponderado no seio “familiar”. Avançaram para novas instalações na zona industrial de Paraimo, em Anadia, onde montaram uma moderna e muito mais funcional área de criação, desenvolvimento, produção e expedição, para os muitos acessórios que produzem de uma lista cada vez mais abrangente de segmentos, marcas e modelos. Agora são cerca de 5 mil m2 de área de produção, a que se juntam outros 5 mil descobertos mas que podem vir a ser utilizados muito em breve…

Na empresa onde já trabalham 30 pessoas, tudo evoluiu e todos estão concentrados numa estrutura que vive quase como uma família mas dedicada a fazer todos os dias mais e melhor. Os responsáveis pela Cross-Pro, os “manos” Gouveia, que abriram a direção da empresa a mais um sócio de seu nome Pedro Rachinhas, estão sempre lá, sempre envolvidos em todos os processos de criação e produção.

O mais velho, o Carlos, é o braço direito (e também esquerdo!) dos operários e especialistas das várias máquinas que têm vindo a tornar a empresa mais capaz de produzir em qualidade e quantidade.

O mais novo, David, é o homem dos mercados, das relações comerciais, da forma como a “máquina” Cross-Pro desbrava os mercados mundiais. Sempre que podem investem em novos equipamentos, em máquinas do melhor que há. Como uma quinadeira de oito eixos, o Ferrari deste género de maquinaria, capaz de trabalhar doutra forma as formas complexas das mais variadas peças de alumínio por eles desenhadas.

Investiram num robot de soldadura, mas não descuram os cinco soldadores especialistas na matéria que já os acompanham há muitos anos – mão de obra única e mais que profissional. Uns mestres na arte da soldadura em alumínio.

Esperam para breve uma nova máquina para corte de tubo por laser, depois de se terem reforçado com outra que também funciona por laser para corte de alumínio, permitindo-lhes assim serem completamente autónomos em termos de produção completa de acessórios. E são autónomos também nos acabamentos, incluindo lacagem a cores, conseguindo assim completar um ciclo de produção 100% nacional.

Mercado sempre a evoluir

Continuam a produzir peças para os moto 4, segmento que voltou a ganhar fôlego comercial, mas têm sobretudo vindo a ganhar terreno no mercado das Trail, através de inúmeras proteções de alumínio e também DTC que têm vindo a apresentar quase semanalmente. É nesta diferenciação que apostam, juntando design a robustez e também preço. As Trail, um segmento fora da competição onde sempre estiveram, trouxe mais valias à empresa, mas também é prova do investimento contínuo que nunca hesitam em fazer.

Dentro de portas, o capital humano que possuem e que pretendem aumentar, trata de tudo, inclusive produzem a imagem que usam nos catálogos em papel que editam e todo o tipo de informação que surge nas plataformas da Internet, sendo que em breve irão apresentar um novo site, bem mais completo. Até um pequeno estúdio de fotografia possuem. Dizem com orgulho que têm os melhores funcionários, a todos os níveis e isso garante-lhes confiança para enfrentar os mercados e os pedidos dos clientes, quer ao nível dos componentes que produzem, quer das importações que também fazem de muito material específico para as duas rodas e utilizadores.

Criaram a marca Racepro e com ela estão num mercados sempre interessante dos acessórios, embora o volume de vendas signifique apenas 30% dos cerca de 2,5 milhões de euros que facturaram em 2019. O futuro abre-se sempre com bons olhos, mas sem grande ambições ou devaneios. Pode ser que ampliem ainda mais a área de produção, pode ser que surjam mais contactos de marcas mundiais para produzirem produtos com marca própria para o seu portfólio.

Certo é que se isso acontecer será sempre feito com base no que a eles próprios impuseram desde o primeiro momento: seriedade e humildade. Simples.

Esta reportagem encontra-se na edição Nº 1489 (Agosto de 2020) da Motojornal em https://fast-lane.pt/produto/motojornal-1489/

Conseguiram singrar nos mercados europeus através da presença em feiras. Mas não foi fácil… No início foi complicado sim. Mas agora alguns concorrentes nossos vêm ter connosco e abordam-nos de forma diferente, com respeito. Criámos amigos, que vão mais além da relação comercial que temos há vários anos. E são esses mesmos que nos dizem que não sabemos o potêncial da marca que temos. É a opinião deles. São coisas que nem sempre nós próprios conseguimos ver. Nesse campo sempre pensei de forma pequena. Nunca tive, nem tivémos uma ambição desmesurada, que fosse mais além da nossa dimensão e da nossa capacidade. Sempre gostámos de entrar nas coisas de forma calma, comedida. Claro que existe sempre um risco associado, mas esse é menor e mais calculado se for dessa forma. E mesmo com as crises que atravessámos sempre nos mantivémos de forma ativa e correta.

Cresceram muito quando o mercado dos Moto 4 subiu em flecha. Isso foi muito importante para o alavancar da empresa? Tivemos um primeiro ano de ligação aos moto 4 fantástico, sobretudo quando o mercado espanhol teve um boom. Estávamos em 2006/2007. Quando nos pediam material era aos 1000 nerf-bars ou aos 10 mil alargadores. Eram números brutais. Passávamos um mês inteiro a fabricar apenas uma referência. Depois tudo mudou mas conseguimos acompanhar o mercado e entretanto entrámos no Mundo do Motocross que foi igualmente importante. E agora estamos com as Trail.

Ou seja conseguiram sempre adaptar-se com rapidez às necessidades dos mercados? Sim, mas não é só o querer, é o ter de se adaptar ao mercado e ao momento. Temos sempre de ir buscar novos mercados, novas soluções. Como temos maquinaria e capital humano com capacidade para tal, estamos sempre disponíveis para entrar noutras áreas, mesmo que não seja no mundo das motos.

Fora das motos? Sim. Claramente. Já fizemos coisas para o setor automóvel, mas tudo em quantidades pequenas, pois não estamos capacitados para essa industria. Mas queremos estar ligados a outras áreas de negócio, não apenas às duas rodas, que continuará a ser a principal.

Mas isso não poderá ser um risco acrescido para a empresa? Penso que não, se for controlado. Temos que continuar com prazos de entrega reduzidos, com inovação em produtos novos, com qualidade de produção. Mas é uma solução se o mercado das duas rodas vier a caír.

Quanto representou o investimento em toda a nova estrutura? Três milhões e meio com tudo o que temos cá dentro. Os investimentos em máquinas são feitos sem recurso a leasing. Se há dinheiro compra-se, se não há esperamos por uma oportunidade.

Nunca foram assediados por nenhuma outra empresa para produzirem para eles? Sim. Já tivémos conversações com a Touratech mas não se adiantou nada. Mantemos algumas produções para marcas mais pequenas e com especificações próprias. E temos outros contactos com mais uma marca grande do mercado das motos trail e de estrada, mas quando estávamos a ultimar o negócio surgiu a pandemia.

Têm tudo para continuar a crescer? Sim, mas também sabemos que não queremos crescer muito e de forma desmesurada.

E serem adquiridos por uma empresa internacional forte? Nunca se sabe. Tudo é possível…

O que reconhecem em vocês como marca e empresa? Penso que a qualidade do produto mas também o design que tem se ser atrativo mas robusto. Quando lançamos um produto temos de ter a certeza que fizémos tudo para ter a melhor solução possível, com desenho apelativo.

Esta fase de pandemia que estamos ainda a atravessar, assustou-vos muito? Assustou-me mais a nível de saúde, pelos colaboradores que temos e pelas suas familias. Mas já passou algum tempo e agora todos temos mais conhecimento e mais cuidados. Já todos sabemos lidar melhor com isto. Pessoalmente não tenho medo do Covid. Tenho respeito à Covid. E isto porque não podemos parar. A economia não pode parar, como parou. Não há ninguém que aguente parar tanto tempo.

E entretanto voltaram com a atividade em força… Fiquei surpreendido com a reação do mercado nacional. Após a abertura, subimos de quase zero para 150% de vendas e procura. Foi uma grande surpresa a forma como se está a recuperar.

No mercado caminhamos para onde? No mercado das trail ainda estamos no começo do que podemos fazer. Na Cross-Pro estamos num caminho diferente dos outros. Eles optaram por proteções de aço ou aço- -inox. Nós queremos seguir o caminho das proteções de alumínio sobretudo que têm a mais valia ambiental, pelo menor peso, logo menor consumo. Já conseguimos provar essa superior capacidade do alumínio, e as vendas aumentaram. Temos de inovar, fazer diferente. Há o risco de acertarmos ou não, mas temos de o fazer, de arriscar. E pelos vistos nas proteções de alumínio parece que acertámos, pois já há muitos concorrentes que querem seguir esse mesmo caminho.

Nessa linha de pensamento, o que achas de termos perdido a capacidade portuguesa para produzirmos tanta coisa nesse campo? Muitos foram procurar ganhar dinheiro fácil através dos mercados asiáticos. Mas foram também transmitir o seu know-how. O problema é que quando quiseram regressar, por cá já se progrediu tanto que perderam o comboio. Quando se está quatro ou cinco anos sem investir, as empresas perdem o ritmo e não conseguem acompanhar o mercado. Tem de se reinvestir constantemente. Tem de se estar atualizado.

A indústria portuguesa andou estes anos perdida? Sim. Pensaram que apostar na Ásia era a forma mais fácil de ganhar dinheiro. Mas estavam errados.

E ainda é possivel recuperar muita coisa em Portugal? A forte capacidade produtiva que tinhamos? Penso que ainda iremos recuperar alguma dessa capacidade, com novas gerações, mas têm de ser pessoas com humildade para começar de baixo e caminhar com sustentação. O problema é que há muitos que não têm essa necessária humildade e por isso não progridem. Tem de se saber dar uns passos atrás para voltarmos a crescer.

Vocês, os manos continuam a dar-se bem? Sim, felizmente até agora sim. Entendemo- -nos bem, mesmo tendo ideias diferentes e modos de pensar diferentes. Quando um quer acelerar num negócio, o outro trava, e vice-versa.

E até onde podem ir? Sinceramente não sei. Temos ideias, vontade de trabalhar conforme o comportamento dos mercados e dentro das linhas mestras definidas por nós. Não estamos focados num só mercado, num só segmento. Ouvimos muito os nossos clientes, que são parte fundamental do nosso crescimento. E todos os clientes europeus são diferentes, pensam e trabalham de forma diferente consoante o país.

E há países mais complicados que outros… O país em que mais nos custou entrar foi na Alemanha. Começámos com um distribuidor relativamente pequeno, mas este ano já nos comprou mais do que nos últimos dez. É preferível começar com um pequeno distribuidor e trabalhar com empenho, do que com um grande, em que somos apenas mais uma marca na lista disponível.

Qual o vosso maior mercado internacional? Até agora os Estados Unidos. Mas o mercado espanhol poderá vir a ganhar um forte volume porque mudámos de distribuidor recentemente. Agora temos um jovem de 22 anos, que está envolvido na competição de moto 4 e que acima de tudo eu pessoalmente revejo-me nele, pois tem vindo a desenvolver uma pequena empresa criada do nada, mas que tem estado a crescer a olhos vistos e sempre bem consolidada. Acredito que dentro de dois anos seja o melhor mercado.

Entretanto ganharam uma nova pessoa na estrutura diretiva da empresa? Sim, o Pedro Rachinhas entrou primeiro como colaborador. Precisávamos de uma pessoa que tomasse conta da parte organizativa, de toda a estrutura legal e contabilidade e que fosse mais do que apenas ser um elemento da equipa. E o Pedro é a pessoa certa.

Conheça mais sobre a empresa e a oferta da CrossPro em www.crosspro.pt

TEXTO: RUI MARCELO • FOTOS: ROGÉRIO SARZEDO