Confesso que sempre tive muita curiosidade em conhecer bem de perto uma chinesa. Das novas, das grandes. Como muitos outros, sou do tempo (não se riam…) em que o símbolo “Made in China” era sinónimo de qualidade, no mínimo, duvidosa. E estou a ser simpático! Mas o poderio industrial da maior nação do Mundo não pode deixar ninguém indiferente e quando decidem meter mãos à obra…
Texto: Paulo Ribeiro
Fotos: Delfina Brochado
Esta é a história da minha primeira vez! E dela também. É que se, em mais de duas décadas de presença contínua, nunca tinha participado numa edição do Portugal de Lés-a-Lés aos comandos de uma moto chinesa, a verdade é que esta foi também a estreia de uma CFMOTO no evento organizado pela Federação de Motociclismo de Portugal. A curiosidade era imensa, e nada como a ligação entre Lagos e Chaves, via Évora e Guarda, mais as viagens de ida até ao Algarve e de regresso de Trás-os-Montes, para aferir das qualidades da 650 MT. Uma turística de pernas altas ou uma trail de vocação estradista, vocês escolhem, que se mostrou ao mundo sem modéstias ou falsos pruridos, fazendo alarde de componentes de boa qualidade e um nível de acabamentos que faz esquecer o tempo em que as propostas orientais (que não japonesas) não só eram olhadas de lado como, com ainda maior frequência, eliminadas de qualquer hipótese de relação a longo prazo. Safavam-se algumas das mais pequenas scooters, de uma capacidade de atração exclusivamente assente no preço.
Surpresas até à despedida
Princípio semelhante com a opção entre os dois modos de motor, com o Touring mais adequado para quem busca suavidade, com acelerações mais suaves e um regime a rondar as 5000 rpm para uma velocidade na casa dos 100/120 km/h. Números ‘oficiais’ do velocímetro, com uma margem de erro na casa dos 6%, bem dentro dos parâmetros de rigor das japonesas e europeias. Já com o modo Sport ativado, a maior rapidez na aceleração pede também recurso mais constante à caixa de velocidades que, à medida que os quilómetros foram passando, revelou-se mais amigável, pedindo somente maior atenção à embraiagem para fazer desaparecer o tato metálico inicial.
E assim, com um nível de entrosamento cada vez maior, lá fomos subindo no mapa nacional em direção à cidade mais alta de Portugal. Claro que, para chegar à Guarda, era ‘obrigatório’ atravessar a Serra da Estrela onde o conforto proporcionado pelo ajuste ‘macio’ do amortecimento ajudou a apreciar melhor as vistas do Vale Glaciar da Ribeira da Alforfa através de um caminho de terra. E sem perder em maneabilidade nas estradas curvilíneas que se seguiram até Manteigas, com passagem pelo Covão do Ferro e Covão da Ametade, rotas dignas de ombrear com as míticas Transfagarasan, na Roménia, ou GrossGlockner, na Áustria.
Sempre em direção a Norte – para o ano, inverte-se o sentido do Lés-a-Lés – e com as estradas a perderem asfalto em reta para o devolver em enormes sequências de curvas, pouco tempo restava para analisar mais alguns pontos. Ainda assim, nota positiva para a prática ficha USB, logo por baixo do painel de instrumentos e numa posição que permite manter o GPS ligado ou garantir que o telemóvel não ficava sem bateria para fotografar a pintura rupestre do Cavalo de Mazouco.
No capítulo ‘+’, espaço para os retrovisores, de boa visibilidade e isentos de vibrações, e para as malas, de série nesta versão (7490€), com boa capacidade de carga e aerodinâmica cuidada. Menos positivo, o painel que, por uma opção económica, não é ainda o TFT que equipa a naked NK ou a turística GT, e que possui apenas um trip acionado por um botão junto aos manómetros. O que é uma desvantagem para seguir o ‘road-book’, com a necessidade de ‘zerar’ os quilómetros com alguma frequência. Mas também, verdade seja dita, o Lés-a-Lés é apenas uma vez por ano… e o de 2020, marcado por uma situação sanitária que alterou por completo as nossas vidas, já lá vai.
Restava o regresso a casa, pelo caminho mais rápido, para verificar os atributos em autoestrada, comprovando que, naquele limbo entre a legalidade e a complacência das autoridades no que à velocidade diz respeito, o comportamento da 650 MT merece nota bem positiva. As vibrações normais de um motor com ordem de ignição a 180º (quando um cilindro ‘explode’, o outro está em baixo) não são incomodativas, a proteção aerodinâmica é boa e a ergonomia, ‘simpatia’ do designer Gerald Kiska – o mesmo da KTM p.e. – ajuda a aguentar facilmente os mais 250 km que a autonomia do depósito autoriza. Posição de condução que permitiu superar as muitas horas entre a partida para a última etapa e a chegada a casa, sem dores ao nível de costas, braços ou joelhos. Quanto ao consumo, sem preocupações economicistas, as contas deste maxi-teste cifraram-se em interessante média final de 5,54 L/100 km, gastando vários depósitos abaixo dos 4,5 L e fazendo 5,75 L em andamentos bastante despachados.
Na autoestrada, a fazer um resumo da relação vivida com esta chinesa ao longo de cinco dias, quase esquecia os limites de velocidade de uma moto que permite chegar, sem grande dificuldade, aos 180 km/h, sempre de forma confortável e com grande estabilidade. E enquanto pensava que, apesar de a achar bonita, de linhas sensuais e dimensões compactas, este não foi um amor à primeira vista, recordava que deveria haver ali algo por descobrir. Algum segredo sórdido bem escondido. O ‘invólucro’ parecia bom demais face a preço tão competitivo, mas a verdade é que, ao fim de quase 2000 quilómetros, a CFMOTO 650 MT conseguiu surpreender, sendo talvez, após mais de duas décadas a fazer o Portugal de Lés-a-Lés em motos diferentes, aquela que mais espantou. Simplesmente porque não colocava grandes expectativas no relacionamento com uma chinesa. Enganei-me.