Last Call
Quem anda de avião, de comboio ou mesmo de barco, sabe que na hora da partida existe uma última chamada, para aqueles mais atrasados, mais distraídos ou os mais outra coisa qualquer.
É ali, naquele momento, ou nunca.
Nem de propósito, andava eu em correria de quase meio dia, para entregar a crónica de terça-feira à MOTOJORNAL, quando o carregador do meu computador encomendou a alma ao criador e se recusou a fazer mais pontes entre a energia da rede eléctrica e este de onde teclo o que vos escrevo.
Tentei o telemóvel para a execução da coisa, sabia arriscada a tarefa, mas em nome da pontualidade assim me aventurei.
Ia dando em candidato a um ninho de cucos, acredito que semanas a fio neste confinamento intramuros rodeado de crianças, de adolescentes e dois rafeiros possam ter contribuído com o seu quinhão de menor lucidez.
Teclava as ideias, mas os dedos inábeis de um não adolescente acertavam em tudo menos nas letras certas, o corretor automático transformava qualquer inicio de ideia ou teoria num puzzle que quase me transformava num inimputável, não há Rossi, Quartararo ou Marquez que ele aceite à primeira, Morbidelli, Nakagami ou Jerez são desafios ainda piores, para teclar uma frase curta e direta dava voltas de cão na casota, cheguei ali perto das quatorze horas e de jeito tinha nada, sobrava-me a impotência e frustração de ver o comboio seguir e eu no apeadeiro a atar os sapatos para lhe correr atrás.
Tarde demais e pronto, confesso que desisti, prometendo para hoje o término da tarefa.
Que rezava assim, antes da interrupção.
Está na hora do … tudo ou nada, ou vai ou racha, é agora ou nunca, o tempo para que se organize um Mundial de MotoGP, mais a Moto2 e Moto3 começa a escassear, é como se que já tenham chamado por nós três vezes pelo altifalante, vai descolar o avião, partir o comboio, zarpar o barco.
No terreno, que é como quem diz nos países dos circuitos previstos para a competição, as coisas ora parecem desanuviar, ora se complicam em novas vagas de ameaças e preocupação, os Governos andam e recuam, permitem e proíbem, já nem se trata de ter ou não gente nas bancadas, isso parece já ser ficção científica nestes próximos tempos, mesmo a entrada das pessoas em cada País, com ou sem obrigatoriedade de quarentenas, vai sendo questionada, restringida, proibida.
Os pilotos, a sentirem a época perfeitamente atabalhoada naquilo que seria a evolução normal no período para a busca de forma e entendimento das próprias motos, as equipas com a obrigação de encontrar respostas num espaço de tempo comprimido e por fim a DORNA nessa enormíssima dor de cabeça de gerir patrocínios e transmissões televisivas, procurando minimizar este rombo gigante provocado por um iceberg do tamanho de um … vírus com espigões.
Leio algures, e hoje em dia o que não falta são mil e um lugares de debate, informação, de especulação e teóricas soluções, leio que uma hipótese será Jerez em dose dupla, com mais quatro ou cinco corridas em territórios espanhol.
De imediato saltaram a terreiro teorias da conspiração, alegando favorecimento aos pilotos locais em virtude de correrem em casa.
Pergunto-me, em casa? Mas apoiados por…quem?
Pergunto de novo, haverá algum dos presentes, nomeadamente nas classes 2 e MotoGP, que não tenha feito grande parte da sua aprendizagem pelo CNV espanhol, conhecendo assim bastante melhor estas pistas que a quase totalidade de todas as outras?
Mais, haverá essa permissão, neste tempo em que se exige uma resposta viável para o inicio do Campeonato, por parte de muitos países?
E, em caso afirmativo, não obrigará a logística imposta pela redução no tempo disponível e na quantidade de provas que se escolha um mapa que permita viabilizar este contra-relógio gigantesco?
Parece-me, e estou particularmente tranquilo em relação a pilotos espanhóis e italianos e a equipas asiáticas ou europeias, pois apenas torço por MO88 e nenhunzinho mais, parece-me que estar a franzir o cenho e sacar de acusações de conspiratória actividade por parte de quem organiza, quando a verdade verdadinha é que o cardápio das possibilidades é mais pobre que o de pastelaria à hora do fecho, parece-me pois que é típico de quem não almoça nem olha à saúde do pai, como diz a ciência popular.
Ai correr sete GPs em Espanha, de uns doze se tivermos sorte, é favorecer estes e aqueles em detrimento de aqueloutros?
Quase apetece pedir, meus senhores, indicai pois, com lucidez e matemática de fiar, mais as garantias das autoridades envolvidas e o aquiescer de quem movimentará uma logística de centenas de pessoas fora uns valentes contentores de mercadorias e de camiões TIR, indicai um mapa de opções mais justas que não faça parte de um conto de fadas que resista à tirania deste vírus.
E aí, estou certo, ganharão as boas graças e o respeito de um mundo que já desespera por ver uma grela de partida.
O nosso mundo.
Todos nós.
E agora, vamos lá que se faz tarde, e não é pouco.
Foto: MotoGP.com