Crónica João Pais #34

João Pais, cronista

Eis a questão

Ser ou não ser, lançou Shakespeare.
E nós, ficamos a matutar nisso…
Miguel ataca a FP3 com estratégia de minúcia, cirúrgica, na última curva da penúltima volta tem à mão de semear um provável P5 ou P6 que lhe dará, quase quase de certeza uma inédita Q2 directa.
Desculpem-me os leitores tanta expressão abreviada, mas nesta altura do campeonato isto já vai traduzido por miúdos, para quem de imediato tira o sentido da coisa.
Uma queda e… a obrigatoriedade, a injustiça de ter de passar pela Q1.

Aí chegado, seriam três centésimos de segundo a roubar-lhe de novo a presença na discussão da pole por entre os doze melhores.

Ingrato, inglório, injusto.

Mas as corridas são isto, desta vez o nosso Falcão foi de faca bem afiada nos dentes, para acabar por encontrar uns deuses que nada quiseram com ele.
No domingo, onde verdadeiramente e de barato apenas foi dado a quase todos um lugar acima na classificação, fruto da ausência desse extra-terrestre chamado Marc Marquez, no domingo MO88 viria a arrancar sem grande explosão, quem sabe se fruto de trauma recente que lhe transformou a 1ª curva no fim de uma corrida que tanto prometia, e paulatinamente iria subir por ali acima, transformando a P13 inicial numa P6 final, coisa inimaginável para uma Tech 3 aquando do começo do Campeonato, quase poderemos apostar.

Aliás, por falar nisso, recuemos à época passada e lembremos que não só Miguel era estreante como a sua equipa estava a zeros no que respeita a dados de corrida em todos os circuitos, isto porque ela própria era virgem, falando em relação ao chassis e motor KTM.

O 6º lugar deste fim-de-semana, a menos de meio segundo de Valentino Rossi e a cerca de dois segundos e meio do… 2º lugar, tudo isto começou a ser preparado o ano passado, com valiosíssima informação de Oliveira para a equipa satélite e, podem escrever, para a própria equipa de fábrica.

O que talvez nos fique atravessado, quer dizer a mim ficou de certeza, é que tenha sido o mesmo Brad que na semana passado foi, digamos assim, incauto em demasia, tenha sido ele a chegar a esta corrida, onde o jantar para as KTM estava servido, e desde logo se tenha atirado à mais saborosa sobremesa.

Miguel Oliveira diria em entrevista, e bem, não sentir qualquer inveja nessa questão, antes saudando um Binder que no momento certo foi imparável.
Não fora aquela última curva da FP3 e quem sabe se não teríamos visto uma antes impensável repetição da presença de ambos em luta pela vitória num GP.
Fica no entanto e desde já o aviso, o Falcão começou a mostrar as garras.

Curioso que quem ataca Miguel por qualificar menos bem não tenha reparado que nestas duas últimas corridas ele tenha, e de que maneira, alterado esse paradigma… mesmo sabendo que este fim-de-semana o tiro certeiro falhou por uma curva.
Ao fim de um ano e três corridas, eis-nos perante a expectativa de que MO88 qualifique directo e em corrida ande lá por cima, eis-nos sonhando que na KTM oficial o possamos ver subir um daqueles três degrauzinhos, e perante isto tudo só me apetece bendizer a hora em que ele percebeu que o caminho que o esperava era o de… vencedor.

E no mesmo domingo em que quase desvalorizávamos um inédito Top 6 a este nível de exigência mundial, eis que outro nome bem português, António, também conhecido por Félix da Costa ou por Formiga, conseguia alcançar o título de Campeão do Mundo numa modalidade em franca expansão, onde as grandes marcas estão a apostar forte e feio.
Isso mesmo que leu, Campeão do Mundo.
Recuemos.
Recordemos.
Quando há uns anos AFC estava com as portas da F1 escancaradas, com lugar quase certo na estrutura Toro Rosso, eis que outros valores mandaram mais e o lugar foi para um russo.

Podemos chorar, ou podemos pensar em modificar a nossa postura na hora da verdade, sejamos claros, quantos de nós dão retorno a quem apoia os nossos?… quantos de nós não vamos antes a correr comprar o mais barato, ou os que apoiam os mesmos de sempre, quantos de nós nos dispomos a fazer parte do esforço?
Nenhuns, eu diria.
Por isso não houve F1 para Félix da Costa, a quem apenas o facto de ter um dom muito acima da média para conduzir muito rápido permitiu manter-se ao mais alto nível, sendo desde sempre piloto pago, e bem pago, para correr.
Haveria de andar pelo ultracompetitivo DTM, onde chegaria a vencer uma corrida também, sendo um dos pilotos em quem as equipas apostaram aquando da criação desta disciplina, Formula E.

Quis o destino, quiseram os deuses da coincidência também, que no mesmo fim-de-semana ambos registassem prestações a um nível que apenas os melhores dos melhores conseguem.
Acaso fossem espanhóis teriam já garantido imortalidade junto dos seus, mas quer-me parecer que por cá, no mesmíssimo País em que as pessoas se queixam de que quase tudo está errado mas em que quase nada fazem para alterar as coisas, pois quer-me parecer que ou ganham até não haver amanhã, ou às primeiras terão à perna uma mão cheia de opinadores cuja maior mais valia é a de… mais valia estarem calados.

E agora, vamos lá até mais dois GP’s na Áustria e venham outros dois de Formula E, e que se consagrem de vez aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando…

Camões, Oliveira e da Costa, go and get them!