Crónica João Pais #45

João Pais, cronista

Aragão que lindo és afinal

Sexta-feira, 23 de Outubro e tudo começou outra vez.
Aragão ali estava de novo.
Miguel parece ter dado ouvidos aos cientistas de laboratório que lhe apontavam fraquezas na qualificação, vai daí e no sábado fala com o génio da lâmpada que vive dentro da sua Tech 3 e toma lá bolachas, faz P8 e entra directo na Q2.

Na hora do ‘quem está, está, quem não está, estivesse’ volta à cartola e novo coelho, nova voltinha mágica com a ajuda do anão invisível que habita motores imaginários e faz a vontade aos sábios da poltrona.

Chegado domingo, dia de corrida, faltava apenas ir de baraço ao pescoço e aceitar a culpa em suas falhas clamorosas nos arranques, pois bem, que assim seja, sai bem disparado e tudo, nada a apontar, agora eram só mais vinte e três voltinhas e não esquecer os ensinamentos que diariamente lhe chegam via Facebook, Instagram e outros que tais, gente amiga e desinteressada, conselheiros de coração cheio, havia que não ter medo, ser homem, rijo de barbas, ir lá com peito feito que eu sou do bairro, saiam da frente, e ele com tudo tão percebidinho a fazer tudo isso sem pio nem tosse, foi indo e era quem vinha era quem ia, Quartararo deu luta mas tombou, de seguida Viñales, Zarco já sobreviveu e aí sim, de novo se abriram as comportas de um rio em fúria e se ouviu gritar… mas porque é que não ultrapassaste o francês, esse desgraçado ex- bi-campeão mundial de Moto 2? Porque não foste como gato ao bofe atrás de Pol que já anda aqui há muito mais tempo e logo na fábrica mãezinha?

É aqui que falham eles, Miguel e a Tech 3, não compreendem estas coisas tão fáceis, que aquilo é só acelerar a fundo, travar mais tarde, curvar mais cedo, endireitar mais perto da hora do jantar e pronto, quem aparecer pela frente a gente passa-os e fica feito, se for pela direita não há problema, ninguém irá embirrar, que a gente é destemida e nada receamos. Já por tudo isto, dei por mim a pensar que Miguel pouco ou nada aproveitava as minhas mezinhas, todo aquele ritual que eu fazia e lhe dava sorte e o fazia pontuar, e assim foi logo na sexta-feira que me deixei de coisas e preces, pouco quis saber de passear os cães ou beber café a meio das qualificações, no sábado dei-me ao desvario de, a cinco minutos do fim da FP3 e quando MO era P10, dei-me ao luxo asiático de entrar num court de Padel e jogar uma partidinha, saltitando por entre amorties e smashs na rede sem cuidar se o Falcão teria conseguido a proeza de não aborrecer em demasia alguns dos mais cotados e ilustres sabedores da coisa estratégica, que mandam dizer que é para ir directo à Q2 e buscar logo cadeirinha nas duas primeiras filas, como se por ali batalhassem Abbot e Costello em danças a preto e branco.
Mas não, não dançam esses.

Mir, Fabio, Franco, Rins, Viñales, Naka, Pol, Jack, Danilo, Andrea e até Alex, aquilo é um fartar vilanagem de gente do mais alto gabarito, com motões de fábricas lindas e poderosas, logo por azar, todos eles por ali e adivinhem a fazer o quê?
Pois é, já é preciso azar.
Todos em busca da glória suprema de chegar ao GP e ganhá-lo, passando pela casa da partida e sacando os dois contos, que e como quem diz… a pole position, se isto não é gente que é só para embirrar connosco então não sei… havia mas era a malta que tão bem sopra as orelhas ao Miguel de chegar aqui e pregar meia bolachada em cada um… era que
nem ginjas e deus não castigava.

Bom, mas vamos lá ao que interessa e ao que nos traz por aqui, a corrida de Oliveira em seu bis por terras aragonesas, se na semana passada havia trincado o amargo sabor de uma P16 a primeira sem pontos, pois desta vez ficou a trinta e oito milésimas de um TOP 5 que no início da temporada seria pouco menos que um palpite corrido a pau e sorrisos de complacência pelo maluquinho que o apresentasse.
Um corridão, foi o que foi.

Perguntem a quem viu e não se espantem se a toada andar pelo unânime, um corridão foi o que foi, e sabem porquê? Porque foi mesmo, porque o #88 escutou quem sabe da poda, gente que caiu no caldeirão da velocidade ao nascer, autênticos Obelixes da era moderna, sabedores dos segredos mais recônditos e inacessíveis, a tal questão das Q’s, dos arranques moles e da parcimónia no MadMax das vinte e tal voltas ao bilhar grande.

Mas, verdade seja dita, aquele menino de Almada mais aquele druida chamado Guy, um moço de pera e bigode mais a ciência exacta daqueles cabelos brancos e ar lunático, essa dupla mais mortífera que Frank & Jesse James fizeram de uma imberbe Tech 3 uma equipa que classifica as duas motos para a Q2 e ajuda o Laranja Power a cravar três gomos na salada de frutas que é um TOP 10 de um GP.

Imaginem agora, bem sei que o que vos peço é hercúleo, mas imaginem só se de facto Miguel fosse um génio dotado naquelas “manitas de oro”, se percebesse da poda complexa que é este mundo e efectivamente andasse a escavar caminho para um dia se sagrar, deixa cá ver, se sagrar… ai que até me custa dizer… se um dia o virmos num GP e estivermos a suster a respiração porque ele possa terminar como… Campeão do Mundo.
Não acreditam?
Não perguntem a um sabão.
Tampouco a um sabichão, podendo parecer que não, são bem mais lentos em suas sentenças que Miguel na Q1.

E agora… “ven de ahi Valência..!”