Estamos a aproximarmo-nos do fim de 2024, e mais um ano passa com o tema da formação dos motociclistas a estar na ‘moda’. Aliás, no III Fórum Nacional Segurança, Sensibilização e Prevenção Rodoviária para Motociclistas realizado em Torres Vedras no passado mês de maio, sob organização da Associação Bênção dos Capacetes, ficaram bem patentes as deficiências que existem no atual sistema de ensino específico para motociclistas.
E foi precisamente nesse fórum que contactámos com o Major Ivo Cristal, responsável pelo Centro de Formação Condutores Auto (CFCA) da Guarda Nacional Republicana (GNR).
Sem perder tempo, e com o objetivo declarado de demonstrar ao público através da Revista Motojornal quais são as capacidades e mais-valias do ensino de motociclistas do CFCA, convidou-nos a entrar nas instalações da Escola da Guarda em Queluz.
Um local habitualmente vedado ao público, mas que por um dia foi a nossa ‘casa’.
Militares da GNR e motos não são novidade para muitos de nós. Aliás, para além dos militares que cumprem as suas missões e zelam pela nossa segurança na grande maioria das estradas portuguesas, quando se fala em GNR e motos rapidamente somos levados a pensar em António Maio.
Múltiplas vezes campeão nacional de TT, participante habitual no Rali Dakar, o piloto é, podemos dizer, a face mais reconhecida da GNR entre a comunidade das duas rodas, e foi precisamente o Major Maio que nos recebeu nesta visita à Escola da Guarda.
Revelando uma grande consciência do que se passa nas nossas estradas em termos de segurança rodoviária, António Maio fez questão de realçar a importância da formação que os militares da GNR obtêm no CFCA, destacando também a capacidade do Major Ivo Cristal em liderar os destinos da formação exemplar desta força militar.
O início desta formação pode ser encontrado nos registos da GNR. Um início que poucos têm consciência de quando se iniciou.
Foi a 18 de março de 1941 que foi estabelecido o Centro de Instrução de Automobilismo no Regimento de Cavalaria, em Cabeço de Bola. Ao longo da sua existência, a denominação oficial desta ‘entidade’ foi-se alterando: Grupo de Formação de Condutores Auto (1972), Companhia de Instrução de Condução Auto (1980) e depois Centro de Instrução e Condução Auto (2006).
Pese embora a denominação tenha sido alterada, a missão manteve-se igual.
O objetivo é habilitar os militares da GNR para o exercício da condução, neste caso de motociclos, procedendo à sua instrução e verificação da aptidão teórica, técnica e prática. Os cursos dividem-se em dois grupos: formação destinada a militares sem habilitação de condução, e adaptação, destinada a militares que tenham habilitação de condução civil.
FORMAÇÃO DE BASE E EXEMPLAR!
O nosso dia no Centro de Formação Condutores Auto arrancou, como acontece numa escola de condução para qualquer motociclista civil, com um grupo de militares que iniciavam neste dia a sua formação.
As instalações em Queluz incluem diversas salas, onde os instrutores do CFCA – uma equipa com mais de 15 elementos – transmitem aos formandos os conhecimentos do Código da Estrada, mas também de segurança específica de motociclos. E também da importância dos equipamentos de proteção, algo que muitas vezes é ‘esquecido’ pelas escolas de condução civis.
Os formandos são avaliados com a realização do exame de código. São 10 perguntas com a possibilidade de responder de forma errada a apenas uma delas.
O exame e respetivo procedimento é realizado numa sala multimédia específica, com ligação online ao Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT), entidade que, aliás, certifica todo o processo de formação dos militares de forma a que sejam cumpridos todos os requisitos legais.
O Major Ivo Cristal faz questão que os ‘seus’ 17 instrutores e todos os militares da GNR que passam pela formação em Queluz, cumpram todos os passos do processo de formação com o máximo rigor. Mas confessa-nos que o processo de formação não está ‘fechado’.
Existe constantemente uma avaliação da validade da formação, com os instrutores a trocarem experiências com forças de segurança estrangeiras como forma de evoluir os seus ensinamentos.
Tem a consciência das deficiências que existem nas escolas de condução, e por isso procura que a formação dos militares da GNR seja exemplar, quer para os militares, quer também como exemplo para as escolas de condução.
Escolas essas que em muito beneficiariam se tivessem acesso ao espaço fechado onde são realizados os primeiros exercícios práticos em moto. Com a formação a ter duas semanas de duração, cada militar tem 6 horas de condução por dia. Algo que numa escola de condução civil é impensável e fica a ‘anos luz’.
Aliás, é precisamente esta intensidade elevada que permite, conforme fomos testemunhas, que militares que nunca tinham conduzido um veículo de duas rodas a motor, comecem rapidamente a revelar uma confiança elevada no controlo da moto.
Têm de cumprir diversos exercícios, com cada grupo a ser acompanhado por dois instrutores altamente especializados e com largos anos de experiência no ensino.
Slalom, os habituais ‘oitos’ realizados num espaço contido, condução em círculo nos dois sentidos, travagem inesperada iniciada ao apito do instrutor, ou até passar por baixo de uma rede de vólei que permite testar a capacidade de controlo da moto numa posição pouco confortável.
A visão é um dos sentidos mais solicitados, com os instrutores a reforçarem a importância do ‘olhar para onde queremos ir’. Chegam mesmo a sair das suas motos para se tornarem em pontos de referência para os formandos.
Os formandos têm à disposição motos que, sendo antigas, afinal estamos a falar de BMW R 80, acabam por, conforme nos confessa um dos instrutores, dar aos militares uma capacidade fora do comum em termos de controlo de uma moto que está longe de ser fácil de manusear.
Alguns, com mais sorte, acabam por aprender aos comandos de uma Yamaha FZ6 ou Diversion, opções mais modernas. Motos essas que vão deixando de poder ser usadas nas habituais funções da GNR nas nossas estradas, e são entregues depois de ‘reformadas’ à formação em Queluz.
As motos à disposição de instrutores e alunos são, conforme nos confessaram, o ponto que mais urgentemente necessitará de ser revisto em todo o processo. Quer em quantidade, quer em qualidade.
Isso permitiria fazer outras coisas. Basta pensar que aqui ao lado, em Espanha, o parque de motos disponível para a Guardia Civil formar os seus militares é na ordem das centenas. Em Portugal ficamo-nos pelas (poucas) dezenas.
Mas nem isso parece incomodar os briosos instrutores e formandos, sendo que em menos de 24 horas já conseguem conduzir a moto com total habilidade, equilíbrio e controlo dos seus movimentos, mesmo conduzindo apenas com uma mão no guiador ou os joelhos no assento como forma de testar a sua destreza.
Algo que seria impossível acontecer numa escola de condução civil. Quer devido às regras do Código da Estrada aplicáveis às vias públicas, quer também pelo pouco tempo de cada aula de condução.
Os formandos são acompanhados de perto pelos instrutores, que num espaço seguro e fechado ao trânsito, sem distrações, maximizam a capacidade de transmitir conhecimentos, e a evolução acontece de forma mais seguro e rápida.
Os que apresentam maiores dificuldades são acompanhados de forma personalizada. Aliás, chegou mesmo a acontecer ser necessário ensinar um militar a aprender a andar de bicicleta – primeiro estática e depois dinâmica – antes de poder conduzir uma moto. A equipa de instrutores da GNR vai conseguindo adaptar-se e ultrapassando este tipo de ‘surpresas’, e essa é a forma encontrada para cumprirem a sua missão na formação.
Ultrapassada esta primeira fase do processo de formação, o grupo de formandos terá a oportunidade de realizar os percursos de estrada.
Percursos pré-definidos pela equipa de instrutores do CFCA da GNR, em que os formandos percorrem estradas públicas, no que será equiparável às habituais aulas de condução. São percursos adaptados a diversos níveis de condução e necessidades, com situações específicas que levam os militares ao seu limite.
Mas na Escola da Guarda, e para além da formação base, o Centro de Formação Condução Auto proporciona aos militares formação em condução todo-o-terreno, e formações específicas.
Em Queluz existe um circuito off road com diferentes obstáculos que testa ao limite as capacidades de condução dos militares em condições mais exigentes ao nível da aderência.
E no Fogueteiro, às portas de Lisboa, existe ainda um campo de treino mais ‘durinho’, com uma área significativamente mais vasta e onde os mosquitos são talvez a maior dificuldade (falamos por experiência própria!). Neste local está preparado um percurso em areia macia, ou zonas de subidas e descidas íngremes.
Esta é a parte mais complicada de toda a formação, mas que acaba por permitir aos formandos obter conhecimentos adicionais em situações muito específicas.
É também um momento de maior confraternização, quase como a celebração de terem ultrapassado as dificuldades de aprenderem a conduzir moto, em equipa.
E para militares aos quais são atribuídas funções específicas, como os que integram a Unidade Nacional de Trânsito, Unidade de Emergência de Proteção e Socorro (UEPS) ou Unidade de Segurança e Honras de Estado, existem ainda ações de formação específicas que elevam ainda mais o patamar de excelência da Guarda Nacional Republicana.
Até mesmo os motociclistas civis já puderam aproveitar esta formação militar exemplar para o seu dia-a-dia. O CFCA já realizou cursos abertos ao público, e tem uma longa lista de inscritos para futuros eventos. O Major Ivo Cristal não se compromete a definir datas para realizar esses novos cursos, mas acredita que irão mesmo acontecer.
A formação termina quando é realizado o exame de condução.
Examinadores sorteados, exame cumprido com sucesso, e habilitação conseguida! Todos os militares da Guarda Nacional Republicana, sem exceção, são chamados a cumprir esta formação de motociclos. E isso traduz-se num número muito elevado de militares formados no Centro de Formação Condução Auto.
Inclusivamente é habitual que militares de forças estrangeiras também passem por esta formação exemplar.
Tendo em conta que as motos são utilizadas pela GNR no âmbito de nada menos do que duas dezenas de funções, a missão do Centro de Formação Condutores Auto acaba por ser de vital importância, quer para as funções dos militares, quer também para a segurança de todos nós.
MAJOR-GENERAL MAXIMIANO VAZ ALVES – UM COMANDANTE ORGULHOSO
O Major-general Maximiano Vaz Alves é o Comandante da Escola da Guarda, em Queluz. Feliz pela forma como o Centro de Formação Condutores Auto cumpre com a sua missão, em conversa com a Revista Motojornal revela ter plena consciência de que esta área da formação é vital, para a GNR, e não só.
Elogiando o trabalho realizado pelo Major Ivo Cristal e por toda a equipa de instrutores do CFCA, este comandante confidenciou-nos que em breve deixará este posto em Queluz assumindo outras funções, mas não nos quis deixar ir embora sem antes nos receber no seu gabinete para confessar o orgulho que sente pelo tipo de formação que é dada na Escola da Guarda.
Galeria de fotos do Centro de Formação Condutores Auto da GNR na Escola da Guarda
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