Apesar de a sociedade em geral assumir atualmente uma postura de maior igualdade de oportunidades e condições entre homens e mulheres, existem ainda diferenças notórias entre os dois sexos ao nível do motociclismo de competição. Pelo menos essa é a opinião da piloto Rita Vieira sobre o que sentiu ao competir no Campeonato do Mundo de Enduro ou Enduro GP.
Habituada aos grandes palcos, a piloto portuguesa abordou o tema da igualdade, ou melhor, a falta dela, entre homens e mulheres que competem no Enduro GP, um campeonato que disputou a tempo inteiro na temporada 2022.
Rita Vieira, uma das pilotos mais conhecidas do panorama nacional, e que recentemente conquistou mais um título nacional na disciplina de Enduro Sprint tendo estado ainda presente na Gala do Campeões da FMP, mas que conta com muitas conquistas e experiência acumulada noutras modalidades do motociclismo de competição, fez questão de destacar com uma publicação na sua página oficial de Facebook , em jeito de desabafo, uma situação na qual ficam bem patentes as diferenças que existem entre homens e mulheres.
Para além de realçar o orgulho que teve em competir a tempo inteiro no Enduro GP, uma temporada que finalizou com três pódios e um quarto lugar na classificação, Rita Vieira destaca que, por melhores resultados que as mulheres obtenham, as suas condições não mudam.
A piloto portuguesa refere mesmo que abordou a questão com outras pilotos e “Decidi questionar a realidade das três melhores do mundo, inclusive da campeã do mundo pela terceira vez consecutiva. Ora então: elas trabalham e gastam do seu dinheiro pessoal para competir, têm muito poucas ajudas e tal como eu dedicam a sua vida a este desporto”, sendo que Rita Vieira coloca mesmo o foco do problema no facto de todas as mulheres que competem terem de pagar para competir.
Deixamos de seguida o texto completo da publicação de Rita Vieira
“Sempre fui a favor da igualdade de oportunidades e sempre lutei para não haver discriminação entre homens e mulheres.
Numa altura em que tanto se fala de igualdade de oportunidades, gostaria de vos dar a conhecer o panorama mundial do nosso desporto.
Este ano tive o privilégio de conseguir realizar o Campeonato do Mundo de Enduro na integra e consegui três pódios e um quarto lugar no final da época.
Claro que fiquei radiante, mas a verdade é que o dia passa e depois tudo fica igual, exatamente igual. Não há nenhuma recompensa nem qualquer reconhecimento, zero.
Decidi questionar a realidade das três melhores do mundo, inclusive da campeã do mundo pela terceira vez consecutiva. Ora então: elas trabalham e gastam do seu dinheiro pessoal para competir, têm muito poucas ajudas e tal como eu dedicam a sua vida a este desporto.
Há dezenas de equipas e muitas delas de fábrica, desde a KTM, GasGas, Beta, Husqvarna, Fantic, TM, etc. e porque é que nós – mulheres – não temos oportunidade de integrar uma? Há quem receba para competir e há quem pague para competir que é caso de todas as mulheres.
Na verdade, querem que sejamos profissionais, mas não nos dão condições para isso.
Esta é a realidade do Enduro GP feminino e acho que temos urgentemente de fazer alguma coisa para mudar isto.
Nós temos valor, trabalhamos diariamente e arduamente para sermos melhor e para mostrar e prestigiar as marcas que nos apoiam.
Claro que é gratificante subir a um pódio do Enduro GP e fazer parte das melhores do mundo, mas se formos analisar a questão a fundo: para quê? Quer façamos primeiro ou último lugar, a nossa vida continuará exatamente igual.
É isto que representa ser mulher num mundo maioritariamente masculino?
Se é, eu não aceito!
E não, não sou ingrata, sempre valorizei muito quem me ajuda, mas sou ambiciosa e acho que tanto eu como todas as mulheres que se esforçam para estar ao mais alto nível merecem mais respeito e sobretudo melhores condições!
Até há uns tempos atrás o futebol feminino era completamente desvalorizado, agora pouco a pouco, vão conquistando o seu território.
A união faz a força e eu acredito que juntas somos mais fortes!
Sim, sou mulher e sou piloto”.
É difícil perceber se esta tomada de posição pública sobre a falta de igualdade de condições entre homens e mulheres vai levar a alguma mudança imediata no Enduro GP.
Porém, é impossível não destacar o facto da portuguesa Rita Vieira estar a assumir essa vontade de lutar pela mudança de mentalidades, o que no futuro poderá beneficiar outras mulheres que queiram competir ao mais alto nível no Enduro.