«Olá a todos, muito obrigado por terem aceite o convite, o que me deixa orgulhoso e feliz. Significa muito para mim que tenham vindo. Para mim há quatro dias mais significantes ou importantes na vida de um piloto. O primeiro é quando se estreia no Mundial; depois quando ganha a sua primeira corrida; quando ganha o seu primeiro título mundial – nem todos conseguem ganhar o Mundial, mas eu e muitos outros conseguimos – e por fim quando anuncia a sua retirada. Como devem imaginar, esse dia chegou para mim, e estou aqui para anunciar que esta será a minha última corrida em MotoGP e que depois desta me retiro como piloto profissional».
Foi assim que, falando inicialmente em espanhol, Jorge Lorenzo abriu a conferência de imprensa que marcou em cima da hora para esta quinta-feira no Circuito Ricardo Tormo, em Valência.
Assim que a conferência foi anunciada durante a manhã o burburinho percorreu o paddock, e o motivo provável, tendo em conta o annus horribilis do piloto espanhol, deveria ser o anúncio da sua retirada.
Uma prolongada salva de palmas de uma sala cheia, incluíndo muitos dos pilotos de MotoGP, interrompeu momentaneamente as declarações de Lorenzo, que prosseguiu em inglês.
Quase 20 anos no Mundial
«Tudo começou quando eu tinha três anos de idade… quase 20 anos de dedicação completa ao meu desporto. As pessoas que trabalham comigo sabem como sou perfeccionista e quanta energia e intensidade sempre coloquei no desporto. Ser perfeccionista requer muita auto-motivação, e foi por isso que depois de 9 anos na Yamaha – tão maravilhosos, talvez os anos em que mais desfrutei na minha carreira – senti que precisava de uma mudança, se quisesse manter este compromisso total com o meu desporto. Foi por isso que mudei para a Ducati, e isso deu-me um grande impulso na motivação, e embora os resultados fossem muito maus, usei essa motivação para não desistir e continuar a lutar até conseguir aquela bela e fantástica vitória em Mugello, diante dos fãs da Ducati.
«Mais tarde, quando assinei pela Honda, isso deu-me um novo impulso, porque tinha conseguido aquilo com que todos os pilotos sonham, ser piloto HRC na Repsol Honda. Infelizmente, as lesões chegaram e desempenharam um papel importante nos meus resultados e prestações, e eu não estava em condições físicas para ser rápido e competitivo; isto, e uma moto que nunca senti natural para mim, criou muitos problemas para ser competitivo como queria.
«De qualquer modo, nunca perdi a paciência e continuei a trabalhar com a equipa, pensando que, provavelmente, era uma questão de tempo até tudo encaixar no sítio certo. Quando comecei a ver alguma luz no final deste túnel, como sabem, sofri uma queda violenta nos testes de Montmeló, muito feia, e depois, dias mais tarde, caí de novo violentamente em Assen. E todos conhecem as consequências».
O primeiro pensamento sobre a retirada
«Tenho que admitir que quando estava a rebolar pela gravilha e me levantei, pensei para mim próprio ‘ok, Jorge, isto vale mesmo a pena? Depois do que consegui? Continuar a sofrer? Acabou-se, não quero mais fazer isto!’. Mas depois, regressei a casa e decidi tentar de novo, sem tomar decisões prematuramente, e por isso continuei. Mas a verdade é que a partir desse momento a subida ficou tão alta e tão grande para mim que não fui capaz de encontrar a motivação e paciência para continuar a tentar escalar esta montanha.
«Todos sabem que adoro correr, a competição e este desporto, mas acima de tudo adoro vencer, amo vencer, e apercebi-me a dada altura que isto não era possível neste curto período com a Honda…» e numa pausa para lidar com as emoções que começavam a vir ao de cima, Lorenzo recebeu da sala palavras de incentivo e mais um forte aplauso.
«Neste ponto da minha carreira era-me impossível manter a motivação. O objectivo que tinha em mente no início da temporada não era realista em tão pouco tempo. Lamento pela Honda, especialmente pelo Alberto [Puig] que foi quem me deu estab oportunidade. Lembro-me bem no dia de testes em Montmeló quando tivemos a primeira reunião para começar a falar da minha mudança para a Honda, eu disse-lhe ‘Alberto, não cometas o erro de contratar o piloto errado; contrata-me e não te arrependerás’. Infelizmente tenho que dizer que o desapontei e que desapontei a Honda, e Takeo [Yokoyama, Technical Manager], [Tetsuhiro] Kuwata [HRC Director – General Manager, Administration Division] e Nomura-san [Yoshishige Nomura, Presidente do HRC]».
«Somos ambos vencedores»
«No entanto, penso que esta é a melhor decisão para mim e para a equipa, porque A Honda e Jorge Lorenzo não podem lutar apenas para conseguir alguns pontos, ou para terminar entre os cinco primeiros ou mesmo lutar pelo pódio, o que eu penso que fosse possível com o tempo; somos ambos vencedores que precisam de lutar pela vitória.
«Falando de coisas mais felizes, voltando à minha bela e bem sucedida carreira, sempre disse que sou um tipo com sorte, sinto-me um pouco como naquele filme ‘One in a Billion’ que conta a vida de um basquetebolista que foi o único indiano que foi jogar para a NBA, porque corri contra dezenas de pilotos da minha geração, e muitos deles não conseguiram o que eu consegui, nem foram tão bem sucedidos como eu, e alguns não chegaram sequer ao Mundial, e tiveram que voltar ao trabalho, em empregos normais. Por isso estou muito grato… é verdade que sempre trabalhei muito e passei por muitos sacrifícios, mas sem estar no sítio certo na hora certa, e especialmente sem a ajuda de muitos que me ajudaram a conseguir o que consegui, isto não seria possível».
Os agradecimentos de Jorge Lorenzo
«Por isso estou aqui também para agradecer toda a ajuda que me deram neste desporto. Gostaria de agradecer especialmente ao Carmelo e à Dorna, por todo o bom tratamento que sempre me deram e por terem tornado este desporto tão grande, como fizeram. Também a todas as fábricas que acreditaram em mim e me contrataram ao longo da minha carreira, Derbi, Aprilia, Yamaha, Ducati e Honda, especialmente ao Giampiero Sacchi [antigo director desportivo da Derbi e Aprilia], Gigi Dall’Igna [Director técnico da Ducati], Lin Jarvis [Managing Director da Yamaha Motor Racing] e Alberto Puig [Team Manager da Repsol Honda].
«Obviamente à minha mãe, por me ter trazido a este mundo, ao meu pai por me ter transmitido o amor pela motos e por todos os sacrifícios que fez; ao Juanito [Juan Llansá, mecânico] pela sua lealdade e por ter estado comigo ao longo de toda a minha carreira. Aos meus fãs, ao meu clube de fãs e aos fãs em geral de MotoGP por fazerem deste desporto o que é hoje.
«É isto. Obrigado a todos por toda a ajuda, foi um prazer ter trabalhado com todos vocês. Do fundo do coração, desejo-vos o melhor, a melhor sorte, profissionalmente e particularmente.»
Depois destas declarações Lorenzo recebeu uma ovação de pé, e Carmelo Ezpeleta, CEO da Dorna Sports, anunciou que Jorge Lorenzo se tornará numa Lenda de MotoGP numa cerimónia a realizar no próximo GP de Espanha.