Texto: Paulo Ribeiro, Jornalista
O livro, francês e com mais de 500 páginas, foi publicado em 1960, ou seja, seis décadas antes da tareia epidemiológica que atirou a Humanidade contra as cordas. Mas é, ainda e sempre, de uma atualidade desconcertante. A verdade é que, ainda recentemente, a curiosidade levou-me a subir ao sótão e reavivar as memórias sobre algumas passagens, de tamanha similitude com os dias que correm que só uma genial intemporalidade literária conseguiria criar.
Dos mais insondáveis mistérios às alucinantes teorias da conspiração. Das profundas razões que sustentam cada religião às sociedades secretas onde cirandam os verdadeiros donos do Mundo. Das civilizações desaparecidas aos extraterrestres que nunca se deram a conhecer. Tudo numa bizarra narrativa onde factos e lendas se imiscuem, onde jornalismo e ficção científica são sílabas do mesmo caminho literário.
Deixemos de lado o calhamaço escrito a quatro mãos entre Louis Pauwels e Jacques Bergier e olhemos pela janela. As ruas continuam a acolher apenas tímidos automobilistas. Uns quantos autocarros, e motos… nem vê-las. Ou melhor, mantém-se ativo o cada vez maior enxame dos ‘pizza-men’ agora travestidos sob todo tipo de aromas e paladares gastronómicos. Uber-Eats ou Glovo mais os restaurantes forçados a adotar o ‘take-away’ como forma de indispensável sustento representaram, durante a crise pandémica, quase exclusiva fonte de negócio para o universo motociclístico. Nas vendas como nos serviços oficinais. As outras, as motos grandes, apenas pontualmente têm saído à rua o que, na pior das hipóteses, deixa antever um acréscimo da venda de baterias e carregadores, além do champô para ajudar a tirar as teias de aranha assim que o confinamento social seja atirado para um canto das memórias. E basta atentar nos números para confirmar opinião gerada e consolidada nas mais inócuas deslocações para o trabalho.
Em abril, o mercado nacional continuou a ser liderado, como há incontáveis meses/anos, pela Honda PCX 125 que passou de um terço no total de vendas da marca para metade dos modelos matriculados em tão atípico mês. E o mesmo se passou com a NMax dentro das folhas de cálculo da Yamaha e com muitas outras 125 cc das mais variadas marcas.
Mas, por outro lado, a reabertura das linhas de produção um pouco por todo o Mundo é o sinal de esperança ansiado pelo universo (motociclístico!). Um regresso à normalidade ´possível’, com limitações, é certo, e muitas dificuldades, já se sabe. Mas haverá, também, a possibilidade de voltar a andar de moto, de passear, de conviver. Motivo, só por si, para conseguir arrancar um sorriso como aquele que, agora mesmo, lhe surgiu no rosto.
Serão, pois, novos tempos para todos. Dos que vivem o motociclismo de forma exacerbadamente apaixonada aos que sobriamente usufruem na plenitude das duas rodas. Dos que nele ganham o sustento aos que nele encontram um modo de vida. Tempos de limitações e novas regras que deverão reforçar estatuto de rainhas da mobilidade, com previsível aumento de vendas graças aos que, de uma vez por todas, se verão rendidos às inegáveis vantagens das motos e scooters no quotidiano citadino. Capazes de ganhar tempo, poupar dinheiro e fugir aos constrangimentos dos transportes públicos.
Tempo de tirar proveito de… novos tempos, ajuda importante para mitigar os (enormes!) danos provocados no comércio, com muitos concessionários encerrados ou a laborar a meio gás durante demasiadas semanas. Descida brutal nas vendas, de motos e acessórios, que criou apocalípticas dificuldades a muitos stands, mas, por outro lado, geradora de novos modelos de negócio como a cortesia de levantar e entregar a moto em casa do cliente, sejam novas ou regressadas de uma revisão. Simpatia que é de aproveitar porque, é certo, vai voltar o tempo de andar de moto em toda a liberdade. E com a vantagem de, pelo menos numa primeira fase, poder usufruir de estradas quase desertas e um ar muito mais respirável. Até lá, enquanto aguardamos por melhores dias, em teletrabalho ou à espera do arranque em pleno das empresas, resta manter a moto nas melhores condições, controlando a carga da bateria, a pressão dos pneus (não vão eles deformar-se com a longa e inusitada paragem, à imagem dos ‘pneus’ do dono…) ou os níveis dos fluídos.
Para um dia, cada vez mais próximo, voltaremos a sentir o vento no rosto, a inebriante sensação da velocidade, o prazer enorme de integrar uma paisagem que sente já a nossa falta. E voltar a ver corridas reais, ouvindo de novo os motores cantarem a plenos pulmões nos circuitos de todo o Mundo. Até lá – oh, enorme semelhança com O Despertar dos Mágicos, obra plena de abordagens e discussões sobre os mais inesperados e ocultos mistérios da vida – vamos entreter-nos com muitas corridas de sofá, viagens virtuais e acreditar que a esperança sempre vence. E acreditar, por fim, que vamos dar a volta a esta triste sina, ainda a tempo de aproveitar a gasolina mais barata dos últimos anos. Para andar de moto!
NDR.: Pode encontrar este artigo originalmente publicado na edição da Motojornal Nº 1483, de 22 de Maio de 2020