O devastador terramoto que abalou Marrocos no passado mês de setembro causou inúmeras fatalidades, destruiu aldeias completas, danificou importantes infraestruturas, e deixou a população marroquina sob enormes dificuldades em muitas coisas que consideramos básicas no nosso dia-a-dia. Um país frequentemente visitado por motociclistas portugueses, à procura de aventuras no deserto e uma cultura vibrante, desta vez a viagem “Calçar quem anda descalço”, assim ficou conhecida, abandonou o espírito de diversão e abraçou por completo o tema da solidariedade.
Partindo da ideia de Rui Baltazar, uma figura incontornável do mundo das duas rodas e das viagens em Portugal e além-fronteiras, da ADV Riders Tours e proprietário da Balgarpir, seis motociclistas e outras tantas motos partiram de Portugal rumo a Marrocos.
O objetivo era claro: entregar sapatos às populações mais afetadas pelo terramoto, populações que vivem em condições precárias em aldeias remotas, muitas delas localizadas a quase 3000 metros de altitude (para comparar, o ponto mais alto de Portugal Continental, a Serra da Estrela, tem uma altura máxima de 2000 metros), e onde o frio e falta de condições básicas de vida são comuns e por isso sofrem dificuldades acrescidas devido aos efeitos devastadores do terramoto registado em Marrocos.
Foi com o intuito de ajudar a minimizar, dentro das possibilidades, os efeitos do terramoto, que seis motociclistas partiram então de Portugal rumo ao epicentro da catástrofe.
Para além de Rui Baltazar (Honda CRF1100L Africa Twin), participaram na viagem “Calçar quem anda descalço” outros cinco aventureiros solidários, todos com experiência neste tipo de viagens por Marrocos: Miguel Tiago de Oliveira (BMW R 1250 RT), Luis Nunes (BMW R 1250 GS HP), Paulo Carvalho (BMW R 1200 GS Adventure), Pedro Carrilho (Ducati Multistrada V4 Rally) e ainda Rui Carneiro (BMW R 1250 GS).
Cada um ficou “obrigado” a angariar 100 pares de sapatos, o que daria um total de 600 pares. Porém, a missão solidária acabou por superar as expectativas, e o total de sapatos e sapatilhas angariadas chegou aos quase 700 pares, nos tamanhos do 18 ao 45, o que permitiu à missão “Calçar quem anda descalço” entregar calçado apropriado tanto a crianças como a adultos.
Refira-se que noutros anos esta mesma viagem já se realizou, mas numa missão solidária menos urgente, sem o peso do terramoto, com estes motociclistas a entregarem habitualmente calçado a crianças nas aldeias mais remotas de Marrocos. Desta vez a solidariedade teve “fronteiras” alargadas fruto das circunstâncias.
A viagem de mais de 2600 km (ida e volta) partiu de Lisboa a 21 de outubro, de onde as motos carregadas com os sapatos tomaram a direção de Tarifa. Após uma retemperadora noite de descanso, a comitiva da missão “Calçar quem anda descalço” apanhou o primeiro ferry que os deixou em Tânger, e a partir daí o GPS teve como destino final Asni, bem no epicentro do terramoto, em pleno Atlas.
A 22 de outubro já passaram a noite em Asni, a 60 km do epicentro do terramoto. E, como nos conta Paulo Carvalho, ficou logo aí bem patente a destruição que viriam a encontrar na sua viagem pelo território marroquino.
Pese embora a comitiva portuguesa da missão “Calçar quem anda descalço” tenha recebido indicações que seria muito complicado avançar rumo às aldeias mais necessitadas de ajuda, os seis motociclistas e as suas motos, através de caminhos impróprios para percorrer noutro tipo de veículos, e sempre carregados da preciosa carga, lá conseguiram avançar, testemunhando a destruição da zona.
As casas que ainda resistiriam ao terramoto apresentam danos estruturais bem visíveis, tornando-se impossíveis de habitar. Falta de tudo nas aldeias, com milhares de marroquinos a sobreviverem em tendas que, refere Paulo Carvalho, deverão passar a ser as suas “casas” nos próximos tempos.
Pese embora as dificuldades acrescidas apresentadas pelos ventos intensos ou tempestade de areia, os seis motociclistas portugueses conseguiram entrar em quatro aldeias, duas delas com 20 a 30 habitantes, onde distribuíram então os quase 700 pares de sapatos e sapatilhas.
Aldeias em que nenhuma habitação ficou de pé, onde não há condições mínimas de sobrevivência, e onde a ajuda humanitária não chega. As crianças, ao ouvirem as motos da missão “Calçar quem anda descalço”, não resistiram a aparecer a correr para dar as boas-vindas aos solidários portugueses que preferiram entregar em mãos os sapatos e sapatilhas em vez de as entregar a uma ONG, pois quiseram garantir que esta ajuda chegava mesmo a quem mais precisava.
Na manhã de 24 de outubro as seis motos arrancaram de Casablanca rumo a Portugal. A missão solidária tinha sido cumprida com total sucesso!
Neste que foi o terceiro ano desta iniciativa totalmente privada, sem apoio ou ligação a qualquer ONG, há ainda a registar a ajuda de empresas como a ADV Riders Tours, Bedivar, Elsyr, Galp, Rilix ou ainda a Ski World, que forneceram ajuda em termos de logística, angariação do calçado ou até a oferta de um depósito de combustível como foi o caso da Galp.
Todas as restantes despesas saíram do “bolso” dos seis motociclistas da “Calçar quem anda descalço”, mas esta missão solidária garante não ficar por aqui, com a promessa de que no próximo ano poderão ter a ajuda de mais empresas e pessoas que querem juntar-se ao grupo.
No final da viagem os odómetros das motos marcaram 2632 km. Quilómetros solidários e de esperança.
Galeria de fotos da viagem Calçar quem anda descalço
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