O mundo está em constante evolução. E o mundo das duas rodas tem assistido a mudanças particularmente interessantes, quer ao nível dos gostos dos motociclistas, quer também na forma como os maiores fabricantes reagem aquilo que os seus clientes procuram. Não há muito tempo, as motos de cariz mais desportivo, as denominadas “R” ou “RR”, eram uma visão habitual nas nossas estradas, e marcas como Aprilia ou Yamaha lutavam pelo título da melhor desportiva.
Mas um conjunto de razões – podemos falar da crise económica / crédito de 2007 e 2008, o amadurecimento dos motociclistas e os preços das motos – levaram o mercado mundial a evoluir rumo a outros destinos. As desportivas, sejam elas 1000 cc ou as mais pequenas 600 cc, têm os dias contados e em breve serão motos especializadas apenas para andar em pista e fabricadas como edições especiais.
Mas as motos desportivas mantêm um apelo inegável. Permitem ao comum motociclista sonhar com a adrenalina de andar em pista. No caso das supersport “seiscentos” como as conhecemos, praticamente deixaram de fazer sentido hoje em dia. Demasiado agressivas quer do ponto de vista técnico, quer mesmo do ponto de vista de condução. Era necessário mudar alguma coisa para impedir o total desaparecimento das motos desportivas de média cilindrada.
E a resposta foi dada recentemente pela fábrica de Noale, a Aprilia. A marca italiana mostrou o caminho com a RS 660, uma desportiva que não é uma mini RSV4 como muitos pensavam que ia ser, mas sim uma proposta de cariz desportivo, mas polivalente. A reação dos motociclistas foi imediata e positiva. E isso levou outros fabricantes a abraçarem este conceito “amigável” das desportivas de média cilindrada. E aqui entra em cena a nova Yamaha R7.
Estas são duas das propostas de desportivas de média cilindrada da nova geração que mais têm dado que falar. E que por essa razão merecem ser comparadas para descobrir qual a melhor.
Aprilia RS 660
As suas linhas aerodinâmicas criam uma imagem dinâmica que é maximizada pela utilização de asas laterais que, no caso da RS 660, não são usadas para criar força descendente como na RSV4, mas sim para maximizar a estabilidade e o conforto do condutor, criando passagens de ar que ajudam a afastar o calor do motor bicilíndrico das nossas pernas.
Aos comandos da Aprilia somos recebidos por um painel de instrumentos TFT a cores, de boas dimensões e com um “layout” de fácil leitura. Através dos botões no comutador do avanço esquerdo facilmente trocamos as muitas informações disponíveis ou ajustamos as inúmeras ajudas eletrónicas à condução.
Num conjunto tão intuitivo apenas destaco pela negativa a dimensão exagerada do comutador esquerdo, que quando usamos a leve embraiagem acaba por ficar “no caminho” dos dedos e acionamos inadvertidamente os máximos.
A posição de condução da Aprilia RS 660 é muito boa. Avanços elevados acima da mesa de direção deixam os braços numa posição descontraída, sem demasiada pressão.
Por outro lado, são bem abertos, o que nos permite descair um pouco o nosso tronco e encaixar bem no depósito de 15 litros de capacidade, e que com uma secção superior mais protuberante permite fixar bem as pernas em inclinação ou oferecendo mais apoio em travagem.
O assento da italiana é bastante curto, pelo que condutores de maior estatura vão sentir dificuldade em sentar-se mais atrás para esconder o capacete atrás do vidro dianteiro a velocidades mais elevadas. Mas o conforto é assinalável, inclusive para o passageiro. Pelo que podemos facilmente desfrutar da RS 660 por largos quilómetros sem sentir cansaço ou dores nas costas.
O motor bicilíndrico deriva do desenho da bancada dianteira dos cilindros da RSV4. Com uma sonoridade muito característica devido à ordem de ignição de 270 graus, este dois cilindros paralelos de 659 cc mostra-se “elástico”. Não se queixa muito se deixarmos as rotações cair para baixo das 3.000 rpm, mas nota-se um aumento das vibrações.
Assim que passa das 3.500 rpm os 67 Nm de binário aparecem como uma onda de força que nos empurra em frente, com a RS 660 a acelerar sem receios, sem hesitações, e com o “anti-wheelie” a ajudar a manter a roda dianteira colada ao asfalto.
Acima das 7.000 rpm os 100 cv entram em ação, e com um pulmão assinalável puxam os 183 kg da RS facilmente para velocidades acima dos 200 km/h enquanto trocamos de caixa usando o fantástico e preciso quickshift bidirecional.
No caso da unidade testada, equipada com o escape completo Akrapovic (1709€), o som emanado pela ponteira é viciante, e em cada troca de caixa somos invadidos por um estalido comparável ao das melhores motos de competição.
O quadro dupla trave em alumínio é compacto. Pela primeira vez na história da Aprilia o braço oscilante fixa diretamente ao motor, fazendo com que as traves do quadro sejam mais curtas e “apertadas”, mas mostrando uma excelente resistência torsional. Os poisa-pés, bem posicionados, estão fixos mais para o interior da moto, o que resulta numa maior distância livre ao solo em inclinação.
E isso nota-se quando deixamos a RS 660 “cair” para um e para outro lado de forma mais exagerada. É nesses momentos mais limite que desfrutamos de um conjunto extremamente estável e que garante boas velocidades de passagem em curva, mas sem perder muita agilidade pois com apenas 1370 mm de distância entre eixos a direção da Aprilia é rápida de reações e deixa-se ir precisamente para onde queremos que vá, sem esforço.
Yamaha R7
Em Iwata não quiseram perder tempo a “atacar” esta nova geração de desportivas polivalentes.
E nada melhor do que utilizar como ponto de partida a popular e muito acessível naked MT-07, vestindo-a com carenagens que formam um conjunto que esteticamente se destaca e, na minha opinião, está bem conseguido. A nova Yamaha R7 não é, no entanto, uma MT completamente carenada!
O chassis foi todo ele revisto para oferecer mais rigidez, a geometria da direção está mais agressiva, conta com uma forquilha Kayaba totalmente ajustável e afinação específica do amortecedor e uma posição de condução redefinida graças à utilização de avanços em vez de um guiador.
E é precisamente pela posição de condução que começo a análise à Yamaha R7. Com o assento mais elevado do que a rival italiana, a desportiva japonesa oferece ainda assim mais espaço para nos movimentarmos sobre o assento.
É assim mais fácil aproveitar a proteção aerodinâmica proveniente do pequeno vidro dianteiro que esconde um painel de instrumentos LCD, com informação bastante completa, embora a passagem de muitos cabos à sua frente impeça a leitura correta de todas as informações. Já o passageiro, ao contrário da RS 660, não ficará muito satisfeito com o pequeno e duro assento que tem à sua disposição.
Os avanços da Yamaha R7 são bastante mais fechados do que os da RS 660, e estando abaixo da mesa de direção, colocam mais pressão nos antebraços e pulsos, e obrigam o condutor a adotar uma postura mais agressiva, sem, no entanto, se tornar totalmente desconfortável.
O motor dois cilindros japonês beneficia da tecnologia Cross Plane (planos cruzados). O CP2 de 689 cc perde claramente em performances para o rival italiano. Com 74 cv fica muito aquém dos 100 cv da RS 660, mas por outro lado disponibiliza 67 Nm de binário, o que igual a RS.
Apresentando-se mais suave na resposta aos impulsos no acelerador e reações de uma forma geral, o motor da R7 torna-se uma delícia para rodar a ritmos baixos e médios. Sente-se perfeitamente à vontade se o mantemos entre as 4.000 e as 7.000 rpm, sendo que acima desse regime começará a sentir falta de fôlego, ao contrário do que acontece com a Aprilia que continua disparada até para lá das 11.000 rpm.
Nesta comparação direta, notamos claramente a ausência total de qualquer opção de ajudas eletrónicas. A Yamaha R7 conta apenas com ABS, que nem sequer é sensível à inclinação em curva. É um ponto que funciona claramente contra a desportiva japonesa, mas que, claro, tem os seus benefícios ao nível do preço final, com a Yamaha a cobrar cerca de 2.500€ a menos do que a Aprilia pela RS 660.
Mas será que isso tem um impacto assim tão grande no comportamento dinâmico da R7?
Na realidade, a proposta de Iwata é uma moto “feliz”. Digo isto porque revela-se ágil, muito ágil, com o peso melhor distribuído do que a rival. No caso da Aprilia o peso está mais acima o que a torna um pouco mais física. Já a R7, que até pesa mais, tem um centro de gravidade mais baixo e isso nota-se na forma mais rápida como troca de inclinação.
Por outro lado, as suspensões da Kayaba portam-se bem, apresentam uma afinação um pouco mais firme do que esperava e do que a Aprilia, mas garantem uma boa leitura do asfalto. É uma moto que se revela mais nervosa e perde um pouco de estabilidade. Mas é extremamente fácil de explorar e permite que o condutor corrija as trajetórias com pequenos movimentos do corpo.
Conclusão – comparativo Aprilia RS 660 / Yamaha R7
A verdade é que estamos perante duas opções que partindo de uma ideia comum, oferecer adrenalina de forma fácil, acabam por o fazer de forma muito diferente.
A Aprilia RS 660, conforme pode ver no quadro das pontuações, leva a melhor em quase todos os pontos analisados. Motor mais excitante e melhores performances, posição de condução mais agradável, mais tecnologia e um pacote eletrónico aPRC que faz inveja a algumas superdesportivas. Mas isso tem um custo…
E é aqui que começamos a olhar para a Yamaha R7. É verdade que em performance pura e dura a moto japonesa não consegue acompanhar a rival italiana. Igualmente esbelta e desportiva em termos de imagem, é uma moto mais “simples”, não nos disponibiliza qualquer ajuda eletrónica. Mas com um PVP competitivo torna-a muito tentadora.
Neste comparativo fica claro que a Aprilia RS 660 é uma moto mais sólida e que vence num confronto direto com a Yamaha R7. Porém, a simplicidade é um trunfo da R7, e se estiver disposto a poupar alguns milhares de euros prescindindo de algo mais sofisticado como a RS 660, então a nova Yamaha é uma boa opção.
Não podemos também deixar de agradecer a disponibilidade do Circuito do Estoril e dos seus responsáveis, que nos permitiram realizar a sessão fotográfica deste comparativo em total segurança no traçado que tem a Serra de Sintra como cenário.
Pontuação final – comparativo Aprilia RS 660 / Yamaha R7
Dois motores de dois cilindros em paralelo, mas com filosofias bastante diferenciadas. No caso da RS 660 podemos explorar uma faixa de rotações bastante superior ao da R7, que se mostra mais amigável na forma como disponibiliza a sua força. Mas esgota rapidamente. Gostámos bastante do motor da italiana, o que não significa que não gostamos do motor da japonesa. Mas as prestações são um fator decisivo aqui, e não há dúvidas que a Aprilia fez um grande trabalho.
Ciclística
Enquanto a Aprilia aposta num quadro dupla trave mais “convencional” e sólido, a Yamaha dota a sua R7 de uma estrutura menos desportiva. E isso acaba por criar uma diferença maior do que esperado. A solidez da RS 660 garante maior estabilidade e um “feeling” mais refinado das suas reações. A Yamaha R7 brilha pela sua agilidade que, no entanto, é conseguida à custa de maior nervosismo de reações. Estes são os fatores que voltam a dar vantagem à RS.
Conforto
Mais uma vitória para a Aprilia a este nível. É verdade que é uma moto mais “curta” de espaço, mas ao mesmo tempo a posição de condução permite adotar uma postura mais descontraída sem prejudicar o controlo sobre o conjunto numa condução mais desportiva. A R7 claramente beneficiaria em termos de pontos caso o passageiro não fosse recebido por um assento tão pequeno e rijo. Na R7 destacamos o muito espaço para o condutor se movimentar no assento.
Qualidade
Com um nível de equipamento que a posiciona entre as melhores superdesportivas acima de 20.000€, a RS 660 ganha aqui uma vantagem enorme para a rival R7 bastante “anorética” em termos de opções eletrónicas. No entanto, a japonesa é mais acessível em termos de custos de aquisição, pelo que consegue de alguma forma compensar a diferença para a italiana que, não sendo particularmente cara, é ainda assim mais cara do que a R7 fruto da sua sofisticação.
Galeria de fotos comparativo Aprilia RS 660 / Yamaha R7
Texto: Bruno Gomes Fotos: Pedro Lopes Colaboração: Vitor Martins