O interregno
Houve um período na vida do João, o apaixonado por motos cá de casa, em que a moto não fez parte da sua (nossa) vida. Foi um interregno de alguns anos, em que só Deus sabe o que lhe custou passar sem ela (a moto). Sobretudo naqueles dias em que está aquele fresquinho da manhã, o Sol a brilhar, o barulho das motos a passar e o “bichinho” a roer por dentro, por não poder desfrutar de uns belos passeios de moto à beira-mar. Quem diz à beira-mar, diz numa estrada qualquer que dê para dar umas curvas (o à beira-mar é mais para mim!).
Durante esse período, e à conversa com o nosso grande amigo Miguel Bessa, também ele um apaixonado por motos, comentámos que íamos passar o fim de semana ao Algarve. Sem mais demoras, prontificou-se de imediato a emprestar-nos a sua moto, para que pudéssemos desfrutar da viagem e para que o João pudesse matar saudades das duas rodas.
Aceitámos de imediato e muito agradecemos ao Miguel tal generosa oferta. Afinal de contas, só ele entendia a “dor” pela qual o João estava a passar.
O João, claro, ficou entusiasmadíssimo e eu, sem saber o que me esperava, também fiquei. Era a primeira viagem de moto que ia fazer com o João que fosse durar mais do que 30-45 minutos. O que podia correr mal?
A moto era uma Honda CBF 600.
Sexta-feira à tarde, saídos do trabalho, ainda sem filhos, lá nos encontrámos em casa e começámos a preparar as coisas. Quer dizer, a mochila… sim, uma mochila! Uma mochila para os dois, para um fim de semana! E não podia ser muito mais do que isso, pois a moto não tinha top case ou malas laterais, e nós não tínhamos qualquer material que nos permitisse viajar de moto com um mínimo de condições (rede elástica e afins). O que significava que quem ia carregar a mochila às costas, a viagem toda, era eu! Hum, isto começava a prometer…
De mochila às costas, capacetes enfiados, lá nos fazemos à estrada. Ou melhor à autoestrada. A velocidade começou a aumentar e dou por mim a pensar que nunca tinha andado de moto em autoestrada. Senti necessidade de me segurar com mais força à moto, para me sentir mais segura, e as mãos, por dentro das luvas, começam a não achar graça. Dada a velocidade, que se calhar nem era assim tanta, começo a levar com o vento e o cabelo solta-se (achava eu que o tinha prendido muito bem!). Na minha imaginação, já se formavam grandes rastas, e eu já só pensava como é que ia desembaraçar o cabelo quando chegasse. E dou por mim a sentir aquela raiva típica feminina que tanta fama traz às mulheres… e ainda só levávamos meia hora de caminho. O que podia correr pior?
Bem, eu digo-vos o que podia correr pior.
Pergunta: o que é que faz uma mulher, quando chega à conclusão que durante duas horas e meia não vai poder falar com ninguém? Hã? Sugestões?
É que numa autoestrada não dá para abrir o capacete e irmos falando e, como devem calcular, intercomunicadores eram uma utopia. Mas quem é que consegue manter uma mulher calada durante duas horas e meia? Querem apostar que quem inventou os intercomunicadores foi uma mulher? Porque pensem bem: o que é que pode ser melhor para um apaixonado por motos do que poder desfrutar de uma bela viagem de moto, com uma mulher calada à pendura? A sério? Só podem estar a brincar comigo!
Eu bem lhe dava toques nas pernas, nas costas, mas nada… Que raiva! Era como se ali não estivesse! No fundo, era só ele, a moto e a estrada. Whatelse?
“Mas onde é que eu me fui meter?”, pensava eu. Tinha passado uma hora e já me doíam as costas, as mãos, o rabo… e a alma! Precisava de falar e não tinha qualquer hipótese!
Tive de me render às evidências e assim me aguentei até ao Algarve. Posso dizer que falei imenso comigo mesma, sobretudo palavrões dos mais cabeludos, e que roguei imensas pragas à pessoa que estava sentada à minha frente.
Chegados ao Algarve, saímos da moto, tiramos o capacete e o João diz: “Espetacular, não foi? Estava mesmo com saudades!”. Perante isto, fiz a minha melhor cara e só pensei: f*, ainda falta a viagem de regresso…
Até à próxima e Boas Voltas!