Alex, um poster na minha parede
1978, bairro dos Olivais Sul.
As tardes andavam inundadas de liberdade, de motos e de alguma loucura. A adolescência era medida por bitolas de limites e parâmetros de alguma insensatez, digamos assim.Rua Cidade de Inhambane, uma rua em ‘U’, que subia e descia, ou vice-versa, nela, na rua, o Rodinhas, o Luis Aviador, o Orlando e o PP exibiam ‘cavalinhos’ de equilíbrios improváveis, levando Gileras, Yamahas e até algumas Vespas, reza a lenda, a exibirem à turba seus dotes de rebeldia.
Cima abaixo, baixo acima, empinados!
1978, Cascais, Avenida Marginal.
Ali desde o Jardim dos Frangos, uma corrida sem lei nem tréguas até passar em frente à Boca do Inferno, esplanada entenda-se, passando em frente ao S. José e seguindo pela rotunda, era ver qual deles atiçava mais a sua RD, a sua CB e até, reza a lenda, a sua Hércules, eram momentos sem juízo e sem contemplações.
Porque vos trago estas memórias?
Porque acabada a década de setenta, iniciada a de oitenta, preparávamo-nos para ver nascer um nome que para muitos seria a primeira oportunidade de seguir um campeão português.
Para mim, que na infância aprendera a seguir nomes como o do Jackie Stewart, Giacomo Agostini e ainda do Eddy Merckx, tratava-se de uma novidade escutar proezas sacadas por um dos nossos, ainda que vindas de longe, de França segundo me contavam na época.
Numa altura em que me era dado a assistir a uma explosão de gritos de liberdade, de escritos nas paredes, de uma permanente guerra de palavras de ordem e de certezas na razão, quase me custava a acreditar que fôssemos País para produzir ídolos que merecessem poster na parede. À data, em meu quarto de adolescente mais virado para a idolatria de outros do que para os estudos, num quarto que dividia com um irmão, perguntei-lhe um dia quem era aquele que merecia honras de fotografia pregada a ‘ piónezes ‘, que eram aqueles preguinhos com capas coloridas.
Alex Laranjeira, foi a resposta, e de imediato o adoptei como um modelo mais a seguir e a ter em atenção.
Passaram-se anos sem ouvir falar do homem, teria de chegar quase o fim dos anos oitenta início dos seguintes, quando já me deixava tentar mais a escutar a Whitney Houston, para que de novo escutasse façanhas do tal Laranjeira, Alex de nick e Alexandre de graça completa. Já apresentava então uma série de proezas a registar, era campeão disto e daquilo, diziam-me, de ‘ superbaiques ‘ vê lá tu como ele é bom.
Não sendo as corridas de motos a minha praia, não sendo inclusive o facto de conduzi-las em passeios ou à maluca uma atividade que me levasse a adrenalina a subir, facilmente concluirão que por mais que aquele poster no quarto fosse servindo de permanente lembrete, nunca cheguei a colocar esse campeão em meu cantinho de inolvidáveis assuntos.
Mais, por uma questão logística que levou a mudança de quarto, tive um dia de arrumar os tarecos e quando peguei na fotografia já meio esbatida e amarrotada que se agarrava à parede agora a tiras de fita cola, pude reparar com atenção numa letrinhas ao canto e em baixo, que diziam … Kenny Roberts .. isso mesmo que acabam de ler, com o mesmo espanto e indignação que os meus.
Afinal aquele que durante tantos anos andara ali num ‘chove não molha‘ para me conquistar apoios e devoções era um farsante, um estrangeiro, não era Alex coisa nenhuma. Encerrei o assunto e pensei que nunca mais veria nem um nem outro.
E se com o americano de Modesto ( as coisas que o Google nos permite saber ) essa realidade viria a ser um facto, já com o nosso Laranjeira tal não viria a acontecer, e em boa hora, diga-se de passagem.
Passo a contar:
Andava eu um dia pelas boxes do Autódromo do Estoril, isto porque entretanto quisera o acaso que começasse a escrever uma crónica semanal em torno do tema velocipédico, quando dou por mim em frente a uma lindíssima Suzuki com as cores da Sprite, e um gajo quando é desprovido de muita informação acha graça a tudo, quando olho para o piloto que vai tratando de tão lindo exemplar e alguém me puxa pela camisola, perguntando baixinho … sabes quem é? .. e eu respondendo que .. não, não sei, deveria saber ? … e é então que me dizem .. é o Alex, o Alex Laranjeira … e eu .. santo nosso senhor, meu São Luís de Gonzaga, padroeiro da juventude ( de novo o Google por aqui ), num repente recordo os Olivais, os cavalinhos, Cascais, as corridas, o poster na parede, apetece-me abraçar aquele homem e pedir-lhe perdão por quase tê-lo esquecido, apresentam-mo, e eu sem saber o que dizer, tiramos uma fotografia juntos e ele, o Alex Laranjeira que julguei num poster, que julguei depois esquecido, diz-me que já havia lido algumas das minhas crónicas, que gostara muito … .e então percebo como está de pernas para o ar o mundo, o campeão é ele, é dele que tem de se gostar… E digo-lhe, com meia verdade e profunda admiração, faz muito tempo que o conheço, o prazer é meu, e isso era a mais pura das verdades.
Pois bem, hoje e aqui, neste momento que vos escrevo, já dele conheço um pouco mais, homem rijo e corredor de garra, venceu corridas de Solex, e ai de quem tal não saiba, venceu o GP de Macau, e isso deveria alcandorá-lo ao patamar dos inesquecíveis, foi campeão por cá e por lá, venceu corridas do Mundial de Resistência, por onde correu que bem assinou seu nome!
Pesquisando mais, estudando-lhe um pouco mais as curvas do destino, tomo conhecimento de que o ‘ camião oficina ‘ de sua Suzuki Shell jaz hoje votado ao abandono ali na Margem Sul, e pergunto-me que raio de paixão motociclista pode existir num País que assiste assim ao abandono de tão belo e imorredoiro pedaço da história?
Continuando a pesquisar, descubro que vem lá o 3º Salão de Motos de Competição, coisa que ele organiza em Esposende, coisa que será a 25 e 26 de Janeiro de 2020.
E concluo… Que deveria ter percebido que aquele americano não era o Alex, que deveria ter seguido a carreira todinha deste Campeão e que… Ele há pessoas que sabem merecer-nos.
Enorme Laranjeira, Alex Laranjeira!