Os Gloriosos Malucos dos Dias de Paixão
Heróis com nome.
Heróis com talento, paixão, arreganho e pertinácia.
Quo vadis público que não acompanha gente assim?
Na box é grande a azáfama, mecânicos trocam impressões com pilotos, pilotos trocam abraços uns com os outros, familiares e amigos espreitam os segredos que se entrelaçam nas estratégias de vitória, paira no ar a adrenalina que antecede combates a duzentos e muitos por hora.
Na bancada a azáfama é bem raro e precioso, o espaço outrora testemunha de irrepetíveis momentos oferece agora a sensação de observarmos uma tela de natureza morta, alguns espectadores parecem ainda assim desafiar a sina de que será sempre assim, falta por ali cor e calor, burburinho, emoção e aplauso em massa, falta um bruááá colectivo que faça jus aos gloriosos combates onde os homens voam e deixam rasto a gasolina.
Mea culpa, nunca antes me interessei, confesso, mas e agora, quem me ajuda a descobrir o caminho das pedras?? Por onde chego ao observatório destas coisas que agora entendo como imperdíveis, este manancial de emoções trazidas por pessoas normais anormais, como um dia me ensinou alguém que é um deles, um personagem com quem me cruzaria na rua na maior ignorância acerca de seu secreto lugar, onde se despacha pista fora numa pirisca de fazer lume, quase duzentos e cinquenta por hora podem atingir-se, calhando atrever-me a apanhar boleia naquela vertigem.
Paulo Vicente, é o nome, olhando e remirando de alto a baixo deparasse-nos um bem guardado segredo para um leigo no paddock, poder-lhe-ia perguntar mil coisas se me cruzasse com ele na rua, quem em seu despreocupado passeio desenharia em tal homem o arquiteto de tão apaixonante universo – ZCup – corridas de paixão sem fim, tardes de velocidade sem idade, capacetes guardando olhares e sonhos de gente que sendo pacata é gente desta selvagem liberdade?
Onde se descobre a magia de não perder de vista a vida?
Estoril, Autódromo Fernanda Pires da Silva
Passeio pelas boxes absorvendo cada pormenor como se de um tesouro se tratasse, para mim tudo é novo, pisar aquele terreno é um desbravar de sensações, o som, o cheiro, as cores, a coreografia da ciência da velocidade encanta-me, ando por ali livre e cuidadoso, escuto e não incomodo.
As coisas vão acontecendo…
Topo Gigio, esbarro com o rato, confesso que não contava vê-lo ali, prepara-se para sair em trabalho, é mascote voadora, quem diria, vai lá miúdo, eu estou por aqui, e ele vai sim, voará na mota de Ricardo Almeida, uma Suzuki GSX-R, a ele ficará a dever esta sua vida secreta de bicho voador.
Woodstock, um pássaro amarelo amigo de um cão chamado Snoopy, também corre, quer dizer também voa e neste caso duas vezes, vai nas asas do Miguel Sousa que já voou ao lado do Sito Pons, e que maravilhosas histórias se guardam por aqui, Miguel a quem chamam Frank, porque cada um é como cada qual.
Não sou dali, sei bem, sou convidado observador, recebido com um sorriso tão rápido quanto a exigência de tempos na pista, uma simpatia a fundo mas de cronos ao milésimo, sou bem vindo ali sossegado, ali curioso, ali feito público, ali admirando heróis anónimos com nome, gente normal anormal, lá diz o Paulo, e é assim, acredito, é assim, tenho a certeza, isto são meninos para estarem parados ao nosso lado no semáforo e deixar-nos ir quando cai o verde, porque as pressas deles são ali, no ‘ Pires da Silva ‘ que é o Estoril, são em Portimão, serão em todos os circuitos onde os deixem ir, entrar, afinar, acelerar, cair e levantar, sacudir as mazelas e alimentar de gasolina suas máquinas e de ânimo suas almas.
Paro, olho e escuto, quase como se atravessasse uma linha férrea, e afinal algo atravesso por ali, salto da curiosidade da bancada para os bastidores de um palco afinal encantador.
Quem é esta gente que me recebe?
É gente. Pronto.
Doutores uns, por doutorar outros, agricultores, diretores, informáticos e artistas, empresários aqui, por conta de outrem ali, gordos, magros e nem uma coisa nem outra, há por ali portugueses, espanhóis, russos, holandeses, franceses, cabo-verdianos, isto naquele dia, noutros haverão estes países todos e mais ainda.
Quem é esta gente que me acolhe em sua azáfama?
Simples, é o Pité, o Facadas, o OlDaddy, o Jéjé, o Busco e o Frank, para falar nalguns, isto das coisas mais íntimas busca-se a conta-gotas.
E naquele local onde se juntam, para onde levam família e amigos que lhes darão conforto naquela ânsia pré corrida, mesmo os mais calmos vão vestindo trejeitos de azáfama e adrenalina, naquele local onde abertamente mostram sua amada, aquela que os levará liberdade fora e punho a fundo, naquele local que não é o meu, já sei, aprendo um pouco mais, uns irão a meças com cavalos da mesma manada, tudo igual tudo igual, fatinho e tudo, outros medirão destrezas cada um em sua velha companheira, de antes do ano 2000 e mesmo assim mais eternas que nunca, as regras são estas, ZCup e TLC aos seus lugares que faz-se tarde, é hora do tudo ou tudo porque não há vazios em paixão tão bela.
Nunca antes tive a chance de agradecer aqueles momentos que me proporcionaram, deixando-me espreitar, respondendo-me a perguntas de garoto em dia primeiro na escola, deixando-se fotografar até.
Transformaram aquele fim-de-semana de chuva em belos dias de sol, a meteorologia é assim, como o Natal, o sol nasce quando um homem quer.
Não pretendendo ser maçudo, permitam-me abusar deste espaço e agradecer publicamente.
Obrigado a todos, e os todos são como segue.
João Curva, Paulo Vicente, Duarte Amaral, Luis Franco, Ricardo Pires, Anselmo Vilardebó, Nuno Farias, Abián Santana, Ricardo Almeida, Pedro Dias, Pável Bogdanov, João Vieira, Fernando Mercier, Pedro Flores, Luis Soares, Miguel Sousa, Fédèric Bottoglieri, José Luis Teixeira.
Vocês tornam melhores os dias de quem vos acompanha por ali.