As viagens de moto de longa duração são momentos de verdadeira introspeção para o motociclista aventureiro que se “faz à estrada”. E isso torna-se ainda mais verdadeiro no caso de Miguel Rodrigues, que aos 57 anos e aos comandos da sua Honda Africa Twin, com a qual já percorreu mais de 150.000 km, decidiu explorar as magníficas paisagens da Austrália para celebrar os 500 anos da chegada de Cristóvão de Mendonça ao continente do Hemisfério Sul.
Nesta viagem Austrália 360°, que teve início no passado mês de abril, o motociclista luso descreve os seus dias em cima da sua Africa Twin em formato de diário de bordo, de forma a salientar que esta é uma viagem solitária, tendo apenas a sua consciência como companhia.
Aqui ficam mais diários de Miguel Rodrigues na viagem Austrália 360°
02 de maio, 2ª feira – Kukunurra a Derby
Não foi apenas a expectativa de um dia de viagem excelente que te fez acordar demasiado cedo, Miguel: foi também o facto de o fuso horário transposto isso ter determinado.
Após falares com a família, foi a preparação da mota. Estes pormenores logísticos são por maiores que tens de respeitar e tens de ter sempre a bagagem técnica em regime de prontidão: ferramenta, ferros de desmonta, kit e spray de furos, compressor, fita adesiva, abraçadeiras de plástico e metal, um tubo de gasolina, uma corda, medidor de pressão de pneus, um kit de primeiros socorros… enfim, uma carga de peso a que esperas não ter de recorrer!
Ah, e tens que agradecer à Macna a solução que te propôs para o equipamento. Blusão, calças, luvas, camisolas térmicas, colete de “refrigeração” têm passado com distinção os testes feitos nas mais variadas condições – frio, embora não muito, chuva em abundância e muito calor. Em todas elas o equipamento mostrou-se de uma eficácia total. Uma marca que nunca experimentaras e que hoje tens para ti como uma excelente referência no que toca à proteção, versatilidade e conforto.
Tal como o capacete Nexx. Apesar de ser uma marca que que já tinhas experimentado na viagem ao Chile e Argentina, usas agora um novo modelo de capacete modular “Viilijord em Carbono”, que se tem revelado a escolha certa – versátil, leve e muito confortável. Um excelente produto de qualidade mundial e de fabrico nacional!
Não te esqueças de verificar se o saco-cama está bem preso! Tinhas planeado comprar uma tenda cá, pois já não podias trazer mais peso de bagagem no avião. Mas nas várias tentativas só encontraste tendas de tamanho grande, cujo peso a mota te desaconselhava com todos os rolamentos! Contudo, não devias ter ouvido a mota: já te arrependeste de cada vez que és obrigado a tiradas enormes por não encontrares alojamento…
Tudo pronto! Ala, que se faz tarde! Talvez a descontração e o excesso de confiança fossem os culpados por ao quilómetro 60 perceberes estares enganado e voltares para trás. 120 kms só para aquecer quando já está bastante calor?!
Tencionas fazer 500 quilómetros até parares e deixar o restante para amanhã. Só que não havia lugar onde dormir (porque não compraste a tenda, Miguel?!?!); mais 230 km à procura de onde ficar, também tudo cheio (porque não compraste a tenda, Miguel?!?!) e foste obrigado a fazer mais 250 km para arranjar onde ficar… porque não tinhas tenda, Miguel!!!
Um dia longo, com muito calor, com demasiados quilómetros em condução noturna, um verdadeiro perigo nestas latitudes.
Os animais são uma constante surpresa, os mosquitos fazem um blackout na viseira, a cada 20 minutos és obrigado a gerir a água para beber e lavar a viseira.
E os animais maiores que os mosquitos! Apanhaste dois sustos, um com um canguru e outro com um bovino que do nada atravessou a estrada. E não esqueças as aves de rapina que parecem esquecer-te a ti – como não falta alimento na estrada, fazem o seu banquete sem que nada os incomode e só levantam voo no último segundo, provocando algumas secantes na mota e em ti. Uma verdadeira aventura conduzir à noite nestas estradas.
Não podes nunca mais menosprezar o tema das reservas, pois é um risco grande não ter onde dormir.
Mais uma vez a Isabel foi o teu anjo da guarda! Enquanto te aventuravas na condução noturna, mandaste um sms a pedir que tentasse arranjar-te onde dormir em Derby, pois à hora que ias chegar já nada estaria aberto. E assim foi, arranjou-te onde dormires e quem te desse de jantar. Uma autêntica Rainha Santa… Isabel!
03 de maio, 3ª feira – Broome
Chegaste bem cedo a Broome.
Depois do dia de ontem, só mesmo um dia relaxado e com tempo para desfrutar um pouco do local. Estás agora na costa do Índico, desta vez a praia não tem restrições, parece mesmo que chegaste antes dos crocodilos!
Agora é tempo de programares as paragens até Perth e conhecer os locais fantásticos que esta costa tem.
Mas há um tema de que não falaste e que, apesar de ter ficado par atrás, não deixa de ser muito relevante. Os incêndios!
A Isabel de Brisbane em algum momento alertara-te para esse risco: “Olha que podem cercar-te em situações completamente inesperadas!”. Mais uma vez julgaste exagerado esse alerta. Mais uma vez te enganaste. Na travessia das longas retas do norte da Austrália, viste pequenas colunas de fumo que com o aproximar verificavas serem incêndios de ignição espontânea e com uma evolução galopante.
Felizmente com o vento a puxar a teu favor! Se fosse o oposto terias que recuar. Estas situações são resolvidas pela própria natureza, e param quando acaba o combustível sem que ninguém venha apagar o quer que seja. Um perigo sempre iminente que não se deve desprezar.
04 de maio, 4ª feira – ainda em Broome
Dia reservado para pequenas compras e planear a descida até Perth, onde prevês chegar no próximo dia 13. De maio, assim a Virgem te ajude!
Embora a costa do Índico seja mais povoada que o Norte, as distâncias entre localidades continuam a ser muito grandes, e com muito poucas opções de dormida. Em alguns sítios onde vais dormir, tens que garantir as refeições, dado que raramente encontras aquele conceito de hotel com restaurante ou bar. Como só garantem cama e pouco mais, já te precaveste com compras para o jantar e pequeno almoço de amanhã.
05 de maio, 5ª feira – Broome a Eight Mille Beach Caravan Park – 320 km
Broome fica para trás logo de manhã cedo como gostas de fazer. Felizmente, tiveste a lucidez de não só abastecer a mota como o jerrican, pois a distância entre bombas de gasolina foi superior à autonomia da moto.
Na chegada a Roadhouse (bomba de gasolina com possibilidade de comer um snack) dás de caras com uma matrícula e Portugal a dizer “Algarve” num sítio pejado de placas de todo o género e de todo o mundo! É curioso que em várias conversas com pessoas de vários padrões, todos conhecessem Portugal de nome e até muitos deles já terem aí estado em algum momento.
A etapa de hoje não foi das mais longas, mas o desvio da Estrada nr.1 para o local onde ias dormir é uma estrada de terra, que mais parece areia! A mota afunda bastante com todo o peso que traz. O que, aliado à pressão elevada dos pneus, faz deste pedaço de troço um desafio bem exigente para evitar quedas. Esperas que amanhã, ao sair, tenhas o mesmo êxito.
06 de maio, 6ª feira – Eight Mile Beach a Karratha – 520 km
Acordaste cedo, como habitualmente, mas com a preocupação adicional dos 10 km de terreno “movediço” cuja travessia irias repetir. Noutras circunstâncias seria divertido, mas não assim, com a mota carregada, pneus cheios e um piso que mais parecia areia mole! Ao perceberes que um dos campistas ia sair, logo te posicionaste à frente, para que na eventualidade de caíres, alguém te ajudasse a pôr a moto de pé.
Passado esse troço sem problemas, passas depois por Port Hedland (cidade mineira que não te pareceu com grande interesse) e chegas então a Karratha! Mas também aí o interesse não parecia ter parado! Mesmo o hostel reservado e pago para pernoitares mostrou-se tão fraco que nem tiveste coragem de lá ficar. Numa opção magnânima, ficaste mais uma vez num hotel com preços exorbitantes.
Amanhã vais ficar em Exmouth, onde tens 3 noites reservadas. Ao que todos dizem, parece ser um sítio espetacular. Assim espero.
Leia também – 1ª parte do diário da viagem Austrália 360° por Miguel Rodrigues
Leia também – 2ª parte do diário da viagem Austrália 360° por Miguel Rodrigues
Leia também – 3ª parte do diário da viagem Austrália 360° por Miguel Rodrigues
