O drag racing não é propriamente uma disciplina do motociclismo de competição muito popular em Portugal. É certo que todos os que seguimos o mundo das duas rodas temos uma ideia do que é o drag racing, mas o mais provável é o caro leitor nunca ter assistido a uma prova deste género. Ao contrário do Daniel Madeira.
Por isso não é normal encontrar um português que seja drag racer.
Foi então com surpresa que fomos contactados pelo Daniel Madeira, um português, nascido e criado no Barreiro, que há vários anos mudou-se de “motos e bagagens” para Inglaterra, onde abraçou a intensa arte de dominar motos propulsionadas por combustíveis como nitro, ou motores sobrealimentados com turbos.
Mas antes de ficarmos a conhecer melhor o Daniel e a sua história no drag racing, convém conhecer primeiro um pouco do que se trata este tipo de competição. Nestas corridas encontramos na linha de partida, lado a lado, dois pilotos.
As motos estão divididas em diversas categorias, e as pistas são apenas a direito. Uma reta pura. Assim que os semáforos se apagam, os pilotos aceleram a fundo a partir de parados e procuram chegar à meta no menor tempo possível e atingir a velocidade mais elevada que conseguirem.
A distância a percorrer, a mais conhecida, é o quarto de milha ou cerca de 400 metros. Mas existe também uma distância mais curta como o oitavo de milha que equivale a cerca de 200 metros. No final destas distâncias, são registados os tempos e velocidade de passagem dos pilotos e respetivas motos.
As motos mais rápidas do mundo do drag racing conseguem percorrer a “Quarter mile” em cerca de 5 segundos e algumas décimas. Mas há categorias para todos os gostos e feitios, e por isso até mesmo os motociclistas amadores conseguem encontrar forma de competir.
Em Portugal, o drag racing é algo relativamente desconhecido por comparação com corridas de motos em circuitos tradicionais. Tal como nos faz questão de referir o Daniel Madeira, “Não há pistas em condições para obter estes tempos. Há um senhor chamado José Martins, mais conhecido pelo Mundo da Picaria, que está a fazer muito pelo drag racing em Portugal, mais precisamente em Fátima”.
Porém, na FIM Europa existe um campeonato europeu, disputado nos anos mais recentes na Suécia, Alemanha e Inglaterra, precisamente o país onde encontramos o drag racer português Daniel Madeira a residir e a viver a sua vida pacata antes de se embrenhar a fundo na preparação da sua moto e viver a vida a cada 400 metros.
Com 37 anos de idade e emigrado em Inglaterra há duas décadas, o Daniel Madeira podia ser apenas mais um português a viver na tranquila vila de Molehill Green Takeley, a cerca de 40 minutos de Londres. Porém, e pese embora em Portugal nunca tenha tido a “pancada” pelas motos, acabou por ser levado a tirar a carta de moto em 2009, por força do tio, e assim iniciou a sua vida nas duas rodas que acaba agora por ter o seu expoente nas corridas de drag racing na famosa pista britânica de Santa Pod.
O nosso jornalista Bruno Gomes conversou com o Daniel Madeira sobre esta sua paixão pelas corridas em linha reta, e descobrimos os segredos de um português no drag racing, as suas motos, objetivos e ambições, ele que faz questão de agradecer a ajuda da Wolf Prestige Automotive, Steve Bland da SGB Moto, Fernando Felisberto, Simon Watson da Race Engineer, que o ajudam a competir e evoluir.
Entrevista a Daniel Madeira – Drag racer português
MotoJornal – Como é que te meteste nas corridas de drag racing de motos e quando é que experimentaste pela primeira vez?
Daniel Madeira – Tudo começou por mero acaso. Um dia fui auma concentração de motos perto da localidade onde vivo em 2016, e ao mesmo tempo estava a decorrer uma prova de drag racing. Chamou-me a atenção pelo facto de a competição ser uma coisa que eu sempre gostei e simplesmente fiz uma pergunta a uma pessoa da organização: O que é preciso para entrar nesta competição? E a resposta simplesmente foi a tua carta de condução, 25 libras e podes inscrever a tua moto de estrada na competição. Foi assim que tudo começou na minha Yamaha 600 Thundercat. Uma moto mesmo de drag só experimentei em 2017.
Recordas qual foi o tempo que fizeste e velocidade que atingiste na tua primeira vez?
D. M. – 13,89 segundos e 108 mph (173,8 km/h).
A escolha mais habitual dos motociclistas são as corridas de circuito. Porque é que não optaste por competir em circuitos, ainda por cima em Inglaterra onde o espírito club racing é tão popular? Não gostas de curvar de joelho a raspar no asfalto?
D. M. – Sim, é verdade, o espírito do club racing da Inglaterra é imenso. Eu acho que foi porque nunca experimentei corridas do circuito, mas é engraçado fazeres essa pergunta porque em fevereiro vou passar uma semana em Espanha com um grande amigo que faz corridas de circuito e vamos fazer 3 dias de formação.
Qual é a sensação de pilotar uma moto altamente preparada e potente, e atingir numa distância tão curta velocidades tão elevadas? Consegues explicar essa sensação a quem nunca experimentou drag racing?
D. M. – Essa é uma pergunta difícil de responder, mas podemos comparar um pouco com uma montanha-russa quando chega no topo e de repente caímos em queda livre, ou quando estamos num avião e ele arranca aquela sensação de nos encostar ao assento. Mas 10 vezes mais intenso.
Quais são os teus objetivos dentro do mundo do drag racing?
D. M. – O objetivo é ser campeão. E esse vai ser o objetivo para 2024. Em 2017 fui campeão amador de drag racing em Santa Pod. Depois por razões pessoais estive fora da competição por 3 anos, mas agora sinto que estamos preparados e temos moto para isso e ganhar o campeonato profissional 2024.
Quais são os teus recordes pessoais com as tuas motos?
D. M. – Com a Kawasaki ZX12 nitro o melhor tempo foi 8,4 segundos a 275 km/h, mas foram dois anos para lá chegar. Com a nova Suzuki Hayabusa turbo só com dois dias de testes conseguimos 7,6 segundos a 302 km/h.
E qual é o tempo que queres atingir?
D. M. – Estou confiante que vamos chegar aos 7 segundos baixos, mas o grande objetivo e mesmo fazer 200 mph (321 km/h) em 400 metros.
É preciso ter alguma preparação especial em termos físicos para aguentar as forças de aceleração tão fortes?
D. M. – Sim, sem dúvida. No final no dia estamos a falar de uma moto com mais de 500 cavalos à roda e com 230 kg.
Para arrancar de parado como é que fazes? É só largar embraiagem e acelerar?
D. M. – No drag racing é mesmo isso. Punho a fundo e largar a embraiagem, mas para chegar a esse ponto tem que se ganhar bastante confiança na moto e na preparação mecânica.
Penso que tens duas motos de drag racing que usas. Quais são?
D. M. – Sim tenho duas. A Kawasaki ZX12R nitro com 270 cavalos. E a nova Suzuki Hayabusa turbo com mais de 500 cavalos à roda.
O que é que tens de alterar numa moto, por exemplo na Hayabusa ou na ZX12R, para que seja uma moto capaz de obter tempos competitivos e maior velocidade?
D. M. – O motor é só 50% da moto. Podemos ter toda a potência do mundo, mas se não conseguirmos transferi-la para o asfalto não nos serve de nada. Braço de suspensão longo, suspensões reforçadas, mas o mais importante de tudo no drag racing em motos é mesmo o sistema de embraiagem que se chama “lockup clutch”, que funciona com forca centrífuga. Digamos que a única coisa original na moto é o quadro, mas mesmo assim está reforçado. A carenagem mais comprida tem tudo a ver com aerodinâmicas, mas ao mesmo tempo por baixo escondemos o radiador que teve de ser montado atrás devido ao espaço que o turbo tira da parte da frente e ao mesmo tempo tudo o que é centralina, que são 3, estão na traseira também.
A caixa de velocidades tem as mesmas 6 velocidades de uma moto de estrada?
D. M. – A caixa de velocidades internamente é uma caixa normal de 6 como em qualquer Hayabusa, simplesmente reforçada. A principal modificação na caixa e na troca de mudanças é que está convertida ar, ou seja, eu para trocar de mudanças simplesmente carrego no botão sem tirar acelerador ou usar embraiagem.
Foste tu que alteraste e preparas as tuas motos ou tens a ajuda de uma equipa ou mecânicos?
D. M. – Eu sou mecânico de profissão. A Kawasaki fiz de raiz, a Hayabusa já era moto de drag quando a comprei, mas alterei-a ao meu gosto. Toda a preparação é feita por mim, mas tenho a ajuda do meu pai e amigos na pista.
Quanto é que gastas para construir uma moto de drag racing competitiva?
D. M. – Para ter uma moto competitiva, no mínimo um orçamento de 30 a 50 mil euros.
Podes dizer-me as principais alterações que fizeste na tua ZX12R e na Hayabusa?
D. M. – Como disse anteriormente, a única coisa original nas motos são os quadros. Alterei desde os motores forjados, suspensão, carenagens, eletrónica. É tudo alterado. Mas o principal é mesmo o sistema de embraiagem.
Disseste-me que a ZX12R é nitro e a Hayabusa é turbo. Quais são as diferenças de performance entre uma opção e outra, e é mais complicado trabalhar com uma ou com outra?
D. M. – São completamente diferentes a maneira como distribuem a potência. Nitro é como se dessem um empurrão e essa forca é sempre a mesma. No turbo o empurrão é contínuo e cada vez mais forte. O nitro é a forma mais fácil e barata de adicionar 100 cavalos sem muito trabalho, mas é bastante imprevisível e mais difícil de controlar.
Preferes nitro ou turbo?
D. M. – 100% turbo.
E qual é a potência que cada uma das tuas motos atinge?
D. M. – A Kawasaki ZX12R com um shot de 90 cavalos de nitro faz 270 cv à roda. A Suzuki Hayabusa com 26 psi de pressão faz 520 cv, seguros. A pressão pode ir até aos 38 psi, o equivalente a 650 a 700 cavalos.
A eletrónica moderna é usada nestas motos? Usam controlo de tração ou “anti wheelie” como as motos de estrada ou as motos de competição em circuito?
D. M. – Sim tem uma eletrónica completamente moderna desde centralina Motec m84, ams2000 boost control, quickshift, airshift, “anti wheelie”, mas que só está lá mesmo em caso de segurança se ela levantar mais de 1,5 metros.
Galeria de fotos Daniel Madeira, drag racer português
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