Com todas as restrições em vigor devido à pandemia que assola o mundo, equipas, pilotos e fãs esperam ansiosamente o início do campeonato de MotoGP. Davide Brivio, patrão da equipa Suzuki Ecstar fala destes tempos de incerteza, numa entrevista publicada no site oficial da equipa.
É uma situação estranha, a que se vive a nível mundial, por causa da Covid-19. É muito raro passar por algo que tem um impacto tão grande no desporto e que se torna uma crise global, não é?
Claro que é um situação muito difícil, mas todos sabemos que a saúde pública e a segurança das pessoas são agora uma prioridade mais que nunca, por isso as estratégias e a acção para controlar o vírus são cruciais. O moderno mundo desportivo nunca sofreu algo assim, de um modo que quase me faz pensar em algo como uma Guerra Mundial, que faz parar tudo.
Alguma vez passaste por algo semelhante na tua carreira?
Decididamente não. Nunca houve uma situação de emergência tal que resultasse no cancelamento ou adiamento de corridas. Tivemos uma crise económica em 2008 e tentámos reduzir os custos, e depois em 2018 cancelámos as corridas de Silverstone devido às condições climatéricas extremas. Mas não me lembro de qualquer situação que, por questões políticas ou de saúde resultassem numa pausa tão grande. Ninguém passou por isto no mundo desportivo antes. Isto é uma situação global.
Planeamento por água abaixo
Quão difícil é lidar com este tipo de pandemia do ponto de vista de um team manager?
Honestamente, nos primeiros dias foi difícil, porque isto é algo com que nunca lidámos antes. As nossas vidas decorrem do planeamento e preparação a longo prazo, sempre a olhar para a semana, para o mês e até para o ano seguinte. Mas agora que a severidade da situação é clara, temos que perceber que os planos sairam pela janela. É impossível fazer planos neste momento, porque muitas coisas podem mudar e os planos a muda à última hora tornaram-se a norma. Por isso tentamos o melhor que conseguimos, esperamos e damo prioridade à saúde e a tomar conta das nossas famílias.
Apesar do facto de esta ser uma emergância médica, tem também um grande im,pacto do ponto de vista económico. Como é que isso afecta as MotoGP?
Toda a economia está a ser afectada, e acredito que a nossa empresa não é diferente. O negócio está a funcionar de modo diferente neste momento. E, claro, isso afecta o campeonato de MotogP, também. O impacto não será tão grande se formos capazes de levar avante a temporada sem mais cancelamentos – quando cancelamos os organizadores e os promotores perdem. Também afecta as equipas que têm patrocinadores. Mas para ser honesto, ninguém está realmente a pensar em questões económicas neste momento, porque o negócio e a economia são uma prioridade secundária. O foco de toda a gente está muito mais na saúde e em como encontrar um modo de corrigir isto. Mais tarde, quando a emergência terminar, pensaremos nesses assuntos.
Trabalho via email
E como é a vida longe das pistas?
É diferente, estamos habituados a ter um plano e saber aonde estaremos amanhã, na próxima semana, no próximo mês. Agora estamos a trabalhar em casa por um longo período e temos que aprender a lidar com isto e como tirar o máximo partido. Ter uma organização com pessoal oriundo de todo o mundo, estamos habituados a trabalhar via e-mail e telefone, mas habitualmente isto acontece apenas entre corridas. Neste momento não podemos fazer reuniões presenciais e pode demorar muito até voltarmos a ver o nosso pessoal e companheiros de equipa. Claro que seguimos as indicações dos governos e das autoridades, e que são para ficarmos em casa e tentar evitar o contacto.
Infelizmente em Itália a situação é muito séria. Espero que todos os outros países em todo o mundo sigam o que Itália está a fazer e o que a China fez, que parece ser eficaz, antes de ser tarde demais. Serisa muto melhor copiar o que já foi feito para prevenir o contágio, em vez de esperar até se tornar demasiado sério. Fomos forçados a abrandar as nossas actividades diárias, e vamos usar este tempo extra para desfrutar das nossas famílias, estudar, ou encontrar novos interesses para nos mantermos ocupados.
Como estão as fábricas e as equipas coordenadas com as outras entidades, como a Dorna, FIM e IRTA?
Tenho que dizer que estamos em contacto frequente com a direcção da Dorna, consultamos uns com os outros e sugerimos opções e soluções. A Dorna e a IRTA mantêm todas as equipas informadas durantes os cancelamentos e adiamento. Temos uma boa relação. Toda agente tem estado muito disponível e aberta para tentar resolver o problema para toda a gente. É uma altura muito dura e percebemos as dificuldades para a Dorna, por isso como equipa tentamos dar o máximo apoio e solidariedade. Estamos todos a trabalhar em conjunto para tentar perceber como lidar com esta situação.
Atentos às novidades
A corrida do Qatar foi cancelada para a categoria MotoGP, depois os GPs da Tailândia, Texas e Argentina foram adiados, e a situação não parece muito favorável para um calendário neste momento. Há alguma actualização neste capítulo?
Ainda não. Estamos a seguir a situação dia-a-dia, como toda a gente, para perceber como está a evoluir. Simplesmente temos que tentar fazer planos e depois esperar para ver se os podemos cumprir, e se não funcionar, fazemos outro plano. Como disse, mantemos contacto com a Dorn e a IRTA para ir alterando as coisas, de acordo com as notícias. Claro que esperamos regressar à normalidade o mais rápido possível, mas primeiro temos que sair desta emergência.
Há algum tipo de ‘Comité de Crise’ para reorganizar o campeonato?
Na verdade não. A direcção da Dorna está muito ocupada a falar com os circuitos e com os organizadores de modo a encontrar a melhor solução. Como equipa consultamos com eles e falamos minuciosamente de tudo.
Falas frequentemente com o pessoal da fábrica para discutir possíveis alterações?
Sim, claro. Falamos todos os dias com os engenheiros no Japão para ajustar os planos. Na SMC (Suzuki Motor Corporation) tentam trabalhar nos últimos refinamentos para preparar o início do campeonato. Mas do ponto de vista técnico, estamos bem e a moto está pronta, por isso não muito para fazer aí.
Ninguém viaja
Existem alguns protocolos de segurança impostos pela Suzuki em termos de actividades, como viagens, etc.?
Basicamente dentro da companhia as viagens estão muito limitadas. Como equipa ninguém viaja neste momento. Também decidimos cancelar os testes que tínhamos agendados para Jerez entre 18 e 20 de Março, para manter toda a gente em segurança.
E como está a ligação entre os elementos da equipa? Como estão eles depois deste longo período sem corridas?
Estamos sempre em contacto e mantemos toda a gente actualizada com todas as novidades, estamos todos no mesmo barco. Via telefone, e-mail e WhatsApp é fácil partilhar comentários e notícias, mas é apenas uma questão de esperar e apoiarmo-nos uns aos outros.
E os pilotos, comunicas frequentemente com eles?
Eles não estão felizes porque estavam realmente preparados para iniciar a temporada. Mas estão em boa forma e estão a treinar muito, mantendo-se concentrados, tentando manter-se preparados para quando quer que seja a primeira corrida. Toda a gente percebe as prioridades e as precauções de segurança, por isso simplesmente aceitam isso, como toda a gente.
Como é que eles estão a lidar com o facto de terem que permanecer em casa?
Na verdade estão bem, eles [Alex Rins e Joan Mir] vivem em Andorra e organizam o seu treinos de modo diferente, e mantêm-se ocupados, apesar de confinados.
Situação de incerteza e espera
Como é que esta crise afecta a estratégia de trabalho para a temporada, dentro e fora dos circuitos?
Neste momento não afecta muito. Estamos numa situação de incerteza, apenas à espera, já que não sabemos quando será a primeira corrida, por isso é difícil estabelecer uma estratégia. Tudo o que sabemos é que a última parte do campeonato será bastante ocupada com tantas corridas tão concentradas entre Setembro e Novembro. Assim que pudermos arrancar a temporada poderemos estabelecer uma uma estratégia. Neste momento apenas podemos fazer algum trabalho de casa e estar preparados.
Considerando a grande prestação da Suzuki e dos seus pilotos durante os testes de Inverno, é uma pena qe o campeonato tenha sido atrasado por causa do Covid-19, certo?
Do ponto de vista meramente desportivo, é uma grande pena, e estamos desapontados porque sentimos que tínhamos grande potencial e estávamos mesmo muito interessados para ver onde nos levaria, queríamos começar a correr. Mas agora as prioridades são totalmente diferentes, o mundo está em crise e primeiro temos que corrigir isto e tomar conta de nós próprios e dos nossos entes queridos.
Bater o corona virus
O que tem para dizer a todos os fãs que estão em casa à espera das corridas?
Agora a corrida mais importante que temos é contra o Covid-19. Vamos batê-lo e depois poderemos desfrutar de novo a vida e as MotoGP. Percebemos como eles se sentem, porque também estamos à espero e se calhar ainda mais ansiosos que os nossos fãs por regressar às pistas e às corridas. Será um grande campeonato, quando começar! Há muitos pilotos capazes de grandes prestações, e muitos lutarão pela vitória. Eu sei que a espera é dura, mas neste momento vamos concentrar-nos nesta emergência. É imperativo que sigamos as instruções e fiquemos em casa, como os italianos estão a fazer agora. Se fizermos isto em todo o mundo durante algumas semanas, poderemos começar a correr o mais breve possível.