A MOTOJORNAL foi o único meio de comunicação presente nos dois dias de testes do Kawasaki Racing Team Provec em Aragão. Foram dias onde convivemos com a equipa dominadora do Mundial de Superbike e onde ficámos a saber como tudo funciona. Sabem como se constrói a base para a defesa de um título? Nós contamos tudo!
Texto: Fernando Pedrinho Martins
Imagens: Vaclav Duška Jr. / KRT e Fernando Pedrinho Martins
O convite surgiu por ‘WhatsApp’! A bela relações públicas da ‘Kawasaki Racing Team Provec’, Eva Blanquez, perguntava se queria ir até Alcañiz e assistir aos testes da equipa, cuja pista estaria exclusivamente reservada para eles e para as motos de Lucio Pedercini.
Confesso que este confinamento forçado me tem desregulado parte da ‘caixa dos pirolitos’ e sentia necessidade de sair! De ouvir o grito de uma ‘superbike’, do cheiro a borracha e gasolina queimadas e de uma boa conversa técnica com as mentes brilhantes que pululam nas boxes do mundial.
PCR feito, não fosse a Covid-19 tecê-las, e a caminho de Alcañiz, pela A2, via Saragoça. O tempo estava feio e já perto do destino não se via um palmo à frente do nariz.
A temperatura chegava perto do zero, o que levou a que a entrada em pista das motos fosse atrasada para as 11.00 da manhã, depois do sol aparecer radioso mas sem o calor desejado. “Nesta altura do ano e neste local, não se pode esperar muito”, dizia-me Pere Riba, o diretor técnico da moto de Jonathan Rea.
A equipa tinha sido avisada da presença de um ‘intruso’, apesar de conhecer a maioria deles há alguns anos a seguir o mundial, e este teve também uma ‘indução’ sobre o que poderia fazer e, sobretudo, o que poderia fotografar.
Apresentações feitas e após um reconfortante café na ‘hospitality’ da equipa – um semi-reboque TIR que se expande hidraulicamente para cima e para os lados, combinei com a Eva os horários para falar com os diversos elementos, enquanto deambulava pelas boxes e pelos parceiros técnicos, que são presença obrigatória numa sessão de testes.
Com a chuva a associar-se ao nevoeiro, no segundo dia, consegui ter a equipa disponível para mim a tempo inteiro… Que privilégio!
O que se segue são os aspetos mais importantes de uma sessão de testes da equipa oficial que defende, invicta desde há seis anos, os títulos mundiais de pilotos e construtores.
A preparação
“Uma sessão de testes como esta é preparada com um ano de antecedência para se poder reservar as pistas”, diz Guim Roda, o diretor da ‘Kawasaki Racing Team Provec’. “Estruturamos o plano em função do calendário, normalmente com dois eventos no final do ano: o da Austrália que decorria na semana anterior à corrida, e mais outros dois no decorrer da época. Este plano é passado ao Japão, de modo a que o departamento de competição da fábrica se organize e possa produzir as peças e componentes que iremos testar nessas datas. Os testes são fundamentais para introduzir novas ideias”, remata o catalão de Sabadell.
“Os diretores técnicos de cada piloto compilam e selecionam as ideias do que querem testar e comparar com calma e sem a pressão das corridas. A Kawasaki manda-nos um plano de tudo aquilo que querem que ensaiemos, para que possamos dar-lhes a nossa opinião sobre o que foi testado. Aqui também provamos algumas soluções dos nossos fornecedores, com quem vamos conversando e discutindo ideias e soluções para os problemas com que nos vamos deparando. Tudo isto é distribuído pelo ‘track time’ de oito horas que temos disponível. Para se testar bem uma coisa é necessário algum tempo e não algo que se concretize em apenas uma volta. É preciso comprovar duas ou três vezes, ensaiar com pneus novos, confirmar tudo, anotar o ‘feeling’, temperatura, fazê-lo em diferentes circuitos, etc. Muitas vezes há muitas mais coisas para testar do que o tempo permite, pelo que temos de descartar algumas delas e prioritizar o que realmente é importante”. No fim de contas, os testes “são muito importantes para colher informação e analisar o potencial das peças que vão chegar”.
As soluções são normalmente testadas por ambos os pilotos, para validação, sobretudo daquelas que parecem funcionar melhor. “A informação é aberta!”, confirma Guim. “Há sempre aspetos que temos de olhar, seja um pneu novo da Pirelli, ou outra coisa qualquer, por isso temos sempre sessões de teste calendarizadas para o fazer”, independentemente se a concorrência está presente ou não, como sucedeu em Aragão. “Num ano com mais novidades temos sempre mais trabalho, nos outros polimos detalhes e tentamos dar mais rendimento ao piloto com novas ideias e estratégias. Enfim, tenta-se organizar da melhor maneira todos os pequenos detalhes que, uma vez organizados, farão a diferença. Qualquer detalhe, por estúpido que pareça, tentamos dar-lhe a importância que merece”. Com a nova ZX-10RR, “o potencial de melhoramento volta a ser maior. Com a moto de 2020 já estávamos a trabalhar nos pequenos detalhes”.
Terminado o teste, cada elemento das áreas específicas recolhe informação que é analisada e discutida pela equipa, e que pontos são passíveis de melhoria para o próximo teste. “Os ‘crew chief’ elaboram então um relatório para o Japão, com as conclusões e indicações das áreas em que há que trabalhar. Por vezes há peças que também enviamos para a fábrica, após cumprirem uma certa quilometragem, como sucede com os êmbolos, por exemplo”. A Provec tem três canais de informação com a ‘Kawasaki Heavy Industries’. “Temos canal aberto com o Japão e desta forma, com três fontes de informação, podemos ter a certeza de que os dados que estão a ser passados são consistentes. Se houver duas informações distintas, então algo falhou e podemos verificar o que sucedeu antes de avançar com um desenvolvimento baseado numa comunicação ou ‘feeling’ errados”, salienta Guim Roda.
Os testes são muitas vezes feitos numa base ‘back to back’, que consistem na comparação de várias soluções para o mesmo problema. Após o defeso os novos testes servem para validar as orientações e hipóteses formuladas nas sessões anteriores. “Estamos a testar nas mesmas condições? Há mais motos em pista que nos permitam compreender a tendência? Se não sai um ‘tempo’, sucede apenas comigo ou a todos, porque a pista ‘está’ um segundo mais lenta?”. A base do que vai ser o ‘set-up’ da época fica já definido, “e tens de ter uma moto que ande bem em todos os tipos de traçados e condições”, diz Pere Riba. “O piloto tem de entender a moto o suficiente para chegar ao fim-de-semana da corrida, depois de a ter provado no limite e entender as suas reações nos testes de pre-temporada, e com pequenos ajustes sacar o máximo rendimento”, complementa Guim Roda.