Le Mans é já ali
Catalunha, GP de Barcelona, 27 de Setembro.
Volta primeira, Petrucci hesita, Zarco trava e cai.
Leva Dovi consigo.
Lembra-me Miguel em Jerez II este ano.
Que dor para o adepto.
Para o piloto é frustração total, levantar e seguir o caminho, a vida não espera.
Sensivelmente a meio da corrida cai Pol.
Depois Valentino.
Por fim Miguel.
Que dor para nós, todos nós.
A esta hora já Zarco, Dovi, Pol, Tino e Falcão se levantaram, sacudiram seus fatos e discutiram em privado com seus técnicos as nuances do sucedido.
O que se passou e não deveria ter passado.
Tomam notas, corrigem dados, compilam mais ciência.
Nós permanecemos em modo macambúzio.
Só temos Miguel nestes fins-de-semana, essa é que é essa, não nos podemos virar para o lado e torcer um bocadinho pelo João, pelo Zé, pelo Hélder ou pelo Carlos.
Desfiamos ainda a lista de todos os participantes, de Moto 2 e Moto 3… somados por ali mais sessenta e um pilotos e nadica cá do burgo.
Cai tudo em cima do Miguel Ângelo, a esperança, a certeza, a necessidade, as dúvidas, os anseios, os padre-nossos, vá lá Miguel, ganha, fá-lo por ti, também por nós, tanta mezinha sobre aqueles ombros.
Tenho a minha quota parte de sensações neste envolvimento à distância.
Olho o Live Timing da APP, modernices diria Alice, a minha avó, saltito e espreito as imagens, intervalo e vou fazer um café, demoro trinta e dois segundos, bom crono, regresso, deixo-o esfriar e não o bebo, era apenas uma manobra de diversão, um chega para lá na ansiedade que me toma de assalto com aviso prévio.
Vá lá Miguel, ganha lá isso, por ti, pela Tech3, por todos os que te seguem e já agora por mim, se não for pedir muito.
Nós nisto e todos eles a caminho de casa, há que descansar, treinar, viajar e aí está Le Mans já à vista no calendário.
O Falcão já estará por lá, por terras gaulesas, quer dizer estará a sua cabeça delineando estratégias, sabe que Pol o ano passado fez P6, a seis segundos de Marquez, isso quer dizer qualquer coisa, ai quer pois, e ele já se imaginando sentado em frente a Guy Coulon, pondo aqui, tirando ali, aparando acolá, ah que tão bom nos saíste portuga de Almada.
E de novo nós nisto, levamos mais tempo a levantarmo-nos, é natural, sacudimos a tristeza do nosso fato de protecção mas ela cola-se, essa malfadada mesmice, vemos e revemos as imagens da queda de Miguel, a queda a que não assistimos no directo, mas vemo-la, porque na tabela das posições ali ao lado esquerdo, tabela que o trazia a roçar o TOP 10, vemos o nome dele caindo escada abaixo… e é essa ingrata infografia que nos acompanhará até adormecermos entristados.
Entretanto, se subirmos umas linhas nesta prosa leremos assim como segue, a esta hora já Zarco, Dovi, Pol, Tino e Falcão se levantaram, sacudiram seus fatos e discutiram em privado com seus técnicos, e isso ali escrito porque é a realidade.
Portimão está ali à frente, em Novembro.
A equipa oficial KTM estará, lá para Fevereiro de 2021 se tudo correndo dentro de uma anormalidade o mais normal possível, essa equipa estará com Miguel, fornecendo-lhe a melhor mota que saiba e conceba.
Nós, todos nós, estaremos em Novembro no AIA e em Fevereiro carregados de uma esperança sem fim.
Mas continuaremos, assim creio, sem mais nenhum outro dos nossos, com nome, família e terra de nascença cá do burgo, por mais extensa que seja a lista dos que desfilam nos palcos de gabarito, puxemos as Superbikes, esse parente meio afastado da MotoGP mas que nos mostra nomes de indomáveis e rapidíssimos pilotos, andemos por lá e tudo somado, tudo extraído o que veremos de nosso, dos nossos?
Nada, temo.
Nada, estou quase certo!
Miguel caiu em Barcelona levantou-se e seguiu seu trajecto que o levará um dia, assim ele diz querer, assim nós sonhamos, à luta pelo título na categoria máxima.
Por cá, quer-me parecer que novos progenitores dos candidatos a este quase impossível mundo prosseguirão suas batalhas de David versus Golias, em terra de paixão pouca pelo fenómeno, de organização impossível face a gastos insuportáveis para orçamentos de receitas caseiras.
Por cá continuarão os bravos numa luta sem quartel, mendigando ajudas a patrocinadores raros no fenómeno, ganhando para a bucha e quem sabe para ajudar ao gasóleo no regresso a casa.
Chegou-me às mãos um vídeo de provas em Espanha, um País aqui pertinho, aqui ao lado mesmo, digamos que à distância de meia dúzia de estações de linha férrea, chegou-me às mãos um vídeo com provas de iniciação, corridas em kartódromos com uma quantidade de participantes, espanhóis e do mundo, que daria para encher um estádio de futebol.
Passe o exagero.
E passe também esta amargura sebastiânica de acreditar ser possível que venhamos a ter em breve quem possa dividir com Miguel as vitórias, as quedas, os bruás de nosso contentamento e o modo de ausência de fome e sono quando a coisa corre mal.
Ivo, Tomás, Fragoso, Kiko, Pedro Nuno, Martim, Pedrinho, Afonso, Gonçalo, Ribeirinho, verdade seja dita que não é por falta de matéria prima, de ingredientes, a porca torce o rabo é na hora de lhes dar palco, de lhes dar espaço, dêem-lhes pano que o vento eles sopram .. mas isso, meus senhores, isso era conversa com pano para mangas, para outras mangas.
Rafaela, Bárbara, Naama, Bruna, Carlota, Madalena, Beatriz, Yara, elas correndo atrás do sonho também, sendo as ‘Ana Carrasco’ do nosso contentamento, mostrando ali na dureza da pista que sabem seguir loucas atrás de curvas e rectas que acabam em bandeiras de xadrez.
E o que acontece?
Andamos nesta pescadinha de rabo na boca, parecemos cão às voltas antes de deitar, não há dinheiro porque ninguém investe, ninguém investe porque não há pessoas em torno do fenómeno, não há pessoas em torno de coisa alguma porque não há provas de jeito, não há provas porque não há pessoas nem investimento, e a pescadinha mordendo o rabo, e o cão às voltas, às voltas.
Passe a falta de patriotismo, dá quase vontade de fingir que somos província aqui dos vizinhos, quem sabe de repente apareceriam aos molhos as oportunidades, as pessoas e os patrocínios.
Porque a mão de obra, essa a malta desencanta, o que não falta cá no burgo são milagres e fenómenos, gente rara por vezes.
Olhamos os jornais em dias de vitória e chegamos a acreditar.
Depois, nos outros dias, cai-nos em cima a realidade.
Só vislumbramos um Falcão, unzinho apenas, de entre tantas outras asas que poderiam também voar!