Marc Marquez: «Tens que cair muitas vezes para entender»

Marc Marquez fala da sua recuperação, da evolução do irmão, analisa o campeonato e tem esperança de regressar às pistas a tempo da última corrida, em Portimão.

Concentrado na sua recuperação, Marc Marquez fala da sua ausência, do actual campeonato e da esperança de poder correr na última corrida do ano em Portimão. Podem ver a entrevista no vídeo acima, feita pela assessoria de imprensa da Repsol, ou ler a transcrição em baixo.

Primeiro que tudo, o que todos os teus seguidores e fãs de MotoGP querem saber: como está Marc Marquez? Como estás fisicamente?

Fisicamente estou a progredir, que é o importante. Cada vez estou melhor. Comecei há pouco a treinar, e ainda tenho caminho a percorrer para chegar ao meu nível. O braço vai melhorando e já começámos a trabalhar algo na força, mas temos que ir a pouco e pouco, por causa dos tendões e outras coisas, mas a fractura está a consolidar bem.

A nível de ânimo, ajuda estar em casa, com o meu irmão. Ver as corridas pela televisão é o pior, quando há um fim-de-semana de grande prémio, porque é quando tenho vontade e ânsia de regressar. Mas há que ser paciente, e o mais importante é que posso fazer vida normal. Tenho um braço ‘normal’ embora, logicamente, para poder pilotar uma MotoGP quem que estar capacitado a 100%.

Vida normal

Surpreendeste-nos ao não usar aquela protecção que vimos nas redes sociais. Já não tens que a usar? Para que servia?

Até à semana passada usava essa protecção de carbono que viram nas redes sociais. Para fazer desporto ainda a uso, sobretudo para andar de bicicleta, porque dá estabilidade ao úmero e ao ombro. Foi um processo. Primeiro tive o braço completamente imobilizado, do ombro até aos nós dos dedos; depois passámos a este segundo passo, que foi o cotovelo livre, embora tivesse uma tala que bloqueava a posição. Agora já posso fazer vida normal, sem protecção, mas de bicicleta ainda a uso, mais por precaução. O mais importante é todas as semanas vou a uma revisão com o médico, vemos e avaliamos como está a consolidar a fractura, e então damos uns passos ou outros.

Uma nova cicatriz… quantas já tens? Como está de massa muscular? Perdeste muita?

Estou a cuidar um pouco da cicatriz, porque se vê muito. Mas ficará aqui uma ‘tatuagem’ bonita. No que diz respeito à massa muscular, esperava perder mais. Agora já vou tonificando os bíceps e deltóides, e isso também graças ao trabalho do Carlos [Garcia], o meu fisioterapeuta, que está a viver comigo aqui em casa. Quando estava parado começámos a usar corrente para estimular o músculo, depois exercícios excêntricos, depois isométricos, e passo a passo vamos avançando.

«O Álex está a progredir»

Falemos do que viste na segunda corrida de Misano. Grande fim-de-semana para o Alex, não? Ficaste surpreendido ou sabias que o momento estava a chegar?

O importante é que Alex está a progredir. Antes de irmos às duas corridas de Misano, conversávamos – porque conversávamos muito – e eu dizia “já sabes, não é?”, E ele compreendia-me perfeitamente. Era hora de dar um passo, de procurar algo. Pegas numa moto, tentas adaptar-te a ela, dás cem por cento, mas quando chega a um certo ponto, é aí que tens que procurar outra coisa. E já estava um pouco estagnado há duas corridas em termos de resultados e ritmo, e é aí que tens que ter a capacidade como piloto para dar um passo e a equipa tem que ajudar.

Ele está na Repsol Honda, estão a ajudá-lo muito e o teste correu muito bem, algo que também lhe disse. Não é a mesma coisa testar durante um fim-de-semana de corrida, com o stress da competição, ou no teste que fizeram na terça-feira. Ele deu um grande passo e na corrida deu mais um. O ritmo ele sempre teve. O que falta é no sábado, uma volta, maltratar um pouco a Honda com os pneus novos, porque tem que ser assim se quiseres andar rápido com essa moto. Ele sabe disso e cada um tem seu estilo e a sua pilotagem.

O que mais me surpreendeu foi o warm up e aquelas primeiras voltas, nas quais ele imediatamente assumiu a liderança, porque se você não tens velocidade, não dá. É o que lhe digo: sacrifício, esforço, trabalho, mas também ser inteligente, ser esperto. Significa apanhar a roda de um, do outro, que é onde aprendes mais.

«Eu nunca lhe ligo»

É o Marc um pouco o treinador do Alex? Ao ver os treinos, comentas com ele os pormenores ou fazes comparações com outros pilotos?

Ajudo-o um pouco, mas mantenho-me à parte. Quando está com problemas, ele sabe que pode me ligar. Eu nunca lhe ligo; Eu digo “liga-me tu”. Do circuito é uma coisa e em casa é outra. Ele é o meu companheiro de equipa e meu irmão, e tento ajudá-lo, principalmente a nível de pneus, às quintas-feiras, quando eles informam os que há. Conversamos, conto-lhe como foi no ano passado, mas depois ele faz a estratégia com a equipa dele. Profissionalmente, cada um tem que saber crescer e experimentar coisas novas. Com certeza ajuda o que eu lhe possa dizer, mas na pista estás sozinho.

Fala-se sempre daquele dia em que os pilotos mais jovens fazem o click. Crês que já lhe aconteceu?

Está nesse processo. Ele mostrou que em Misano deu um passo, mas agora vem outro circuito diferente, primeiro será Le Mans, Aragão, ele vai sofrer mais, menos… andará para trás, mas será para dar mais um passo em frente. Ele sofreu muito no início da temporada e, claro, quando estás na Repsol Honda, espera-se mais. Mas quando a equipa perde o piloto de referência, tudo custa mais. Ele está a dar passos, mas vai dar um passo para trás de novo, isso acontece. Vai sofrer um fim de semana. E, como novato, ajuda muito repetir o circuito. Quando vais para uma nova pista, as referências mudam, tudo é diferente e o trabalho se acumula.

Primeiro caminhada, depois corrida

Na semana passada publicaste que tinhas voltado a correr. Tinhas saudades, que sensações tiveste?

Comecei a correr na semana passada. Há duas semanas comecei a caminhar pela montanha, e sentia-me muito bem. Ao começar a correr, pensava que estaria pior. Começámos a trabalhar fisicamente com o meu treinador, e o ardor nos músculos foi bonito no dia seguinte.

Muita gente comentou que completar sete quilómetros a um ritmo de 4 minutos por quilómetro, depois de tanto tempo parado, é muito bom. Qual é o teu recorde nestas distâncias?

O meu recorde pessoal dos 10 000 metros é de 37 minutos e 38 segundos, que dá um ritmo de 3’45’’ por km, mais ou menos. Mas o meu irmão, o José [Luis, antigo piloto de MX] e outros amigos com quem treino, odeiam-me por isso, porque dizem que não perco ritmo. Posso estar muito tempo sem correr, ou sem fazer bicicleta, quem aprende nunca esquece. E a motivação do primeiro dia a correr é sempre alta. Embora tenha que baixar o ritmo, porque isso também pode provocar lesões musculares. Mas fui três vezes na semana passada e o ritmo é semelhante, por isso estou bem.

Úmero dita tempo de recuperação

Quais foram as tuas rotinas no último mês?

No último mês, as primeiras duas ou três semanas tive que fazer repouso total. Apenas pude entreter-me um pouco a jogar PlayStation, mas também não conseguia agarrar bem no comando, ao estar imobilizado até aos nós dos dedos. Entretinha-me com o que podia, Netflix, todas as reportagens da Dazn, todas as dos meus rivais também, matando o tempo como podia. No final entrámos numa rotina, que é o que eu gosto.

Na vida de desportista seguimos uma pauta, uma dieta, e agora entramos numa rotina mais aceitável: levanto-me, tomo o pequeno-almoço, faço cardio a correr ou de bicicleta… das 10h00 às 11h00 fazemos a primeira sessão de fisio – máquinas – e depois relaxamento muscular. Almoço e depois, das 16h00 às 17h00, ginásio com o preparador físico, centrando-me na parte esquerda, tronco e pernas. Das 17h00 às 18h30 fazemos a segunda sessão de fisio, que já inclui um pouco mais de força. E finalmente uns jogos de vídeo e relax.

A equipa disse que estarias entre dois a três meses parado, em função da tua recuperação. Em que ponto estás?

A recuperação é marcada pelo osso. Por muito que se force, o osso tem o seu tempo de regeneração, e é disso que estamos à espera. É o que nos está a travar, porque temos que esperar que consolide tudo muito bem. Os prazo que o médico diz é de três meses, mas eu penso que é de dois, ou um e meio… coloco sempre um objectivo e tento ficar perto, porque é o que me faz levantar todos os dias para poder fazer cardio, seguir uma dieta e ter um estímulo. Quando às segundas-feiras vou ao médico, ele me diz “esta semana esquece, ainda não podes andar de moto nem nada disso”, eu faço reset e penso que será na semana seguinte. É a maneira de ter essa motivação.

«Ninguém quer ganhar…»

Como campeão do mundo em título e com seis títulos de MotoGP, como vês o que se está a passar?

Sim, gracejamos com a equipa nas video-chamadas que fazemos, porque parece que ninguém quer ganhar. Parece que ninguém quer este Mundial. E o que menos ruído fez é o que está na frente, que é o Dovizioso. Mas temos o Nakagami e muitos outros pilotos a menos de 25 pontos. É difícil fazer uma análise, não se entende. Esperava mais de muitos pilotos que estavam na frente, mas é muito diferente ser o perseguido ou o perseguidor. Quando é o perseguido, e sabes que tens que ganhar, levantas muitas dúvidas, não pilotas da mesma forma, tens muito a perder.

Da outra maneira tens pouco a perder, e se ganhas, é perfeito. Aconteceu comigo. Em 2013 disse isso, foi o ano que mais desfrutei, no que tinha menos pressão e em que as coisas saíam melhor. Em 2014 as coisas mudaram um pouco, e em 2015 foi quando as coisas deixaram de sair, porque chegam as dúvidas, tens que ganhar, és o favorito, e é aí que essa mudança de papel custa mais.

Como explicas o que sucede com as equipas satélite?

Eu acho que hoje em dias são equipas satélite entre aspas. É a equipa com uma pintura diferente da equipa de fábrica, mas as motos, por exemplo, a minha e a de Crutchlow, são idênticas. A de Quartararo e a de Viñales são idênticas. É assim porque as fábricas viram que ter quatro motos de fábrica em pista permite-lhes obter mais informação e ter mais possibilidades de conseguir resultados. Também dá vida ao campeonato, e gosto disso, porque significa que podes vencer com qualquer moto; a igualdade é muito grande, e a diferença é feita pelo piloto.

«Estou a 84 pontos…»

Vês algum favorito hoje em dia?

Já disse Dovizioso ou Quartararo, mas nem um nem outro. Agora o Viñales… não apostaria em nenhum. Eu não estou assim tão longe, estou a 84 pontos, por isso… estou a brincar!

Está a ser um ano complicado para a equipa Repsol Honda e surgiram algumas críticas à sua estratégia desportiva. Qual é a tua opinião como seis vezes campeão do Mundo nas últimas sete temporadas com a Repsol Honda?

As pessoas não vêem isto de um modo geral. Nas últimas sete temporadas a equipa Repsol Honda fez uma grande estratégia. Conseguiu mais títulos de construtores, equipas e pilotos que qualquer outra equipa. Estratégia de contratações? Creio que foram boas. Contratou Jorge Lorenzo e de este modo desarmou a Ducati e colocou na Honda um piloto com cinco títulos mundiais. Não conseguiu adaptar-se à moto, mas isto também é um risco. A equipa encontrou-se uma situação difícil no ano passado pela retirada de um dos seus pilotos na última corrida do ano, e então optou por contratar o que se acabava de sagrar campeão do Mundo de Moto2.

É um rookie? Sim. Não é o lugar para um rookie se estrear a não ser que seja um caso especial? Não é o lugar, mas foi a obrigação e o momento que levaram a isso. Eu creio que a estratégia é boa, mas sim, é certo que se viu que a moto continua a ser complicada. E não é uma moto que o HRC faça para um piloto. Eu sou o primeiro a pedir uma moto fácil, uma moto com a qual não caia tantas vezes, mas é uma moto ganhadora, tens que aproveitá-la 100%. Todos os pilotos Honda concordamos com o mesmo. Eles estão a trabalhar, mas o importante é que os resultados vão surgindo. Este ano não foi assim, mas se avaliares os últimos 10 anos de MotoGP, a equipa Repsol Honda foi a que mais títulos conquistou.

«Tens que cair muitas vezes para entender»

Quando se fala que é uma moto difícil, as pessoas talvez não entendam que a configuração do motor tem muito a ver com o carácter desta moto, não é?

A Honda tem uma filosofia de que eu gosto, porque quando faço com Doohan, Crivillé ou com pilotos Honda de há 20 anos ou mais, a filosofia era a mesma. Uma moto muito física, uma moto indomável, com muitos cavalos. Mas se a conseguisses fazer funcionar e compreender, podias ser muito rápido. Estamos a ver que Nakagami esteve mais rápido nestas últimas corridas, e o Alex deu mais um passo. E sim, é crítica, é difícil compreendê-la. Tens que cair muitas vezes para entender e isso é um risco. Mas quando funciona, funciona. E na competição todos os anos há uma que está melhor e outra pior. E vê-se de circuito para circuito, parece que as Yamaha arrasam, depois as Ducati, e depois a Honda. Não sabes nunca qual vai estar na frente. É aí que o binómio equipa-piloto tem que sacar 100% da moto.

O final do campeonato será em Portimão, onde fizeste um teste quando estavas em Moto2…

É um circuito onde fiz um teste em 2012 e desfrutei muito. Às vezes há circuitos em que testas e, numa manhã, ficas farto de dar voltas, mas ali não aconteceu. É muito técnico, muitas zonas têm que ser muito bem compreendidas, porque são cegas e tens que conseguir uma boa referência. Creio que será um bom circuito para MotoGP, inclusive para o futuro. O asfalto é que levanta mais dúvidas, mas dizem que vão reasfaltá-lo, por isso espero poder lá estar e poder participar nessa última corrida.