Agora que nos aproximamos a passos largos do início da temporada 2022 de MotoGP nos testes de Sepang, está na altura de recordarmos uma das maiores lendas da modalidade. O espanhol Ángel Nieto foi campeão “12+1” vezes no Mundial de Velocidade. Logrou alcançar 90 vitórias e muitas delas conseguidas de forma espetacular. Um número fantástico e que por isso nos levou a eleger as 8 vitórias mais espetaculares de Ángel Nieto.
O seu nome está inclusivamente ligado a um dos circuitos emblemáticos do mundial: o circuito Jerez Ángel Nieto.
É por isso uma missão inglória tentar escolher as vitórias mais fantásticas de Ángel Nieto. Os seus feitos em pista ficarão “gravados” na história do Mundial de Velocidade. Se somarmos todas as competições em que participou, Ángel Nieto alcançou mais de 300 vitórias na sua carreira!
Claramente que as suas conquistas no Mundial de Velocidade são as mais relevantes. E será nessas que centramos as nossas atenções ao longo deste artigo histórico.
Grande Prémio da República Democrática da Alemanha – 1969
O triunfo que Nieto conseguiu alcançar em Sachsenring em 1969, aos comandos de uma Derbi 50 cc, ocupa um lugar de destaque na nossa lista de vitórias mais espetaculares. Simplesmente porque foi a sua primeira vitória no Mundial de Velocidade.
Numa corrida carregada de emoções, após a morte de Bill Ivy, um dos pilotos mais em foco no campeonato naquela altura, Nieto estava debaixo de enorme pressão. O campeonato avançava no calendário e o espanhol ainda não tinha conseguido posicionar-se na luta pelo título. Em Sachsenring, batalhou com o seu companheiro de equipa Santiago Herrero. Os dois “fugiram” na frente da prova, com Herrero sempre na frente e Nieto colado à sua roda.
A vitória parecia estar nas mãos de Herrero. Porém, um pequeno erro do então líder deste Grande Prémio da República Democrática da Alemanha deixou Ángel Nieto na frente. Foi uma vitória conseguida nas últimas curvas, e que deixou Nieto mais “aliviado”, pois “Eu não sabia o que viria a acontecer depois disso, mas a primeira vitória é importante para descontrair, e permite olhar para os objetivos de outra forma”, contava Ángel Nieto quando recordava essa primeira vitória mundialista.
Grande Prémio da Holanda – 1971
Ángel Nieto é o piloto que mais vitórias conseguiu obter no circuito de Assen. Nada menos do que quinze! Estava muito à vontade no sinuoso traçado holandês. Um circuito técnico e exigente na pilotagem.
Naquela temporada de 1971, a vitória a dobrar na categoria 50 cc foi extremamente relevante. Duas vitórias em Assen e logo na frente do seu rival, o holandês Jan de Vries, defendendo a sua posição no campeonato e reforçando a possibilidade de revalidar o título. Foi uma vitória que demonstrou todo o talento e capacidade de Ángel Nieto.
Grande Prémio de Espanha – 1971
Na intensa temporada de 1971, tudo ficou decidido na última corrida do campeonato, realizada no circuito espanhol de Jarama. Nieto tinha de vencer as corridas nas categorias 50 e 125 cc. Até então, o motociclismo de competição não tinha a expressão que sabemos que tem hoje em Espanha. Uma forte campanha promocional do Grande Prémio levou milhares de espanhóis a esgotarem a capacidade de Jarama.
Com a “afición” em altas nas bancadas, o desastre aconteceu! Na primeira volta da corrida da classe 50 cc, Ángel Nieto caiu. Foi evacuado de maca do local da queda aparatosa. Sofreu uma ferida profunda no joelho. Foi um rude golpe para os aficionados que marcaram presença neste GP apenas para ver Nieto ser campeão. Muitos começaram a abandonar as bancadas.
Mas uma voz ecoou no sistema de áudio do circuito! Ángel Nieto, pouco depois do acidente, pediu para entrar na Torre de Controlo e falar aos fãs. Disse-lhes que não fossem embora pois iria participar na corrida de 125 cc. E assim o público manteve-se fiel nas bancadas.
Visivelmente dorido e em fracas condições físicas, coxeava de forma pronunciada antes de subir para a sua moto. Nieto deu tudo o que tinha durante as primeiras voltas da corrida. Barry Sheene, o seu rival pelo título, não foi capaz de o seguir. Ángel Nieto cruzou a meta em primeiro e tornou-se então campeão.
Assim que passou a meta, Nieto parou a moto, completamente esgotado. Provavelmente se Sheene o tivesse “apertado” um pouco ao longo da corrida o título seria apenas uma miragem.
Grande Prémio do Reino Unido – 1979
Ángel Nieto corria com uma Minarelli no mundial e com uma Derbi no Campeonato Espanhol. A marca espanhola levou-o a competir no traçado português de Vila Real. Com um grande azar, sofreu uma queda na corrida das 250 cc: fraturou a pélvis, maléolo direito e um dedo do pé esquerdo.
Felizmente tinha o título mundial bem encaminhado. Porém, e sabendo da sua ausência por lesão, vários pilotos contactaram a Minarelli para ocupar o lugar do lesionado Nieto. Foi quando o piloto espanhol soube que o suíço Bruno Kneubühler estava em conversações com a equipa. Tinha de voltar à competição!
Não marcou presença nas corridas na Finlândia e Suécia. Mas mesmo assim conseguiu sagrar-se campeão devido à conjugação de resultados que lhe foi muito favorável. Apesar de ser campeão, naquela altura os acordos eram facilmente “rasgados”. Por isso, e a pensar no futuro, Ángel Nieto antecipou o seu regresso à competição e menos de um mês após a lesão em Portugal, regressou no Grande Prémio do Reino Unido, no circuito de Silverstone.
Mal conseguia andar a pé. O que era um problema, pois as corridas começavam com as motos a serem empurradas pelo piloto para trabalhar. Isso custou-lhe muitas posições no arranque após uma má partida. Algo que, também se deve dizer, era habitual em Nieto. Porém, e numa corrida ao seu melhor estilo, o piloto espanhol conseguiu uma grande recuperação. Venceu após chegar à liderança na última curva. Uma demonstração de autoridade e que fez com que Ángel Nieto dissesse a todo o mundo que ninguém lhe iria acabar com o contrato que tinha.
Grande Prémio do Reino Unido – 1982
Entre 1981 e 1984, Nieto era um piloto intocável. Para além do seu talento, tinha a melhor moto na categoria 125 cc. Mesmo quando aparecia um ou outro piloto capaz de lhe dar algum trabalho, sabia sempre impor a sua lei. E isso foi o que aconteceu no Grande Prémio do Reino Unido em 1982, no circuito de Silverstone, onde foi obrigado a enfrentar Ricardo Tormo (que dá o nome ao traçado de Valência).
Os dois pilotos realizaram uma corrida soberba, com inúmeras ultrapassagens. Parecia que estavam sozinhos em pista. O terceiro classificado, Bianchi, estava já a dez segundos de diferença.
Ángel Nieto alcançou a vitória por uma centésima mesmo em cima da linha de meta. Mas existirá sempre a dúvida se terá mesmo sido Nieto a vencer ou Tormo. O próprio piloto espanhol, quando recordava esta corrida britânica, mostrava ter dúvidas e dizia que “Quem sabe se por ter levantado a mão em plena reta da meta não me declararam como vencedor. Mas não tenho a certeza de ter sido eu o vencedor”.
Grande Prémio das Nações – 1984
Diversas gerações de pilotos italianos desesperaram com Ángel Nieto. Não só lhes conseguia ganhar, e ainda por cima fazia-o com motos italianas. Em 1984, um piloto italiano, Maurizio Vitali, sabendo quão supersticioso era Nieto, decidiu pintar um gato preto na traseira da sua moto. Além disso, o italiano falou à imprensa e disse que nesse ano “Nieto vai dançar a música que eu toco!”.
No Grande Prémio das Nações, em Misano, corrida de abertura da temporada, o italiano obteve a “pole position”. Na corrida liderava face a Lazzarini, companheiro de equipa de Ángel Nieto. O espanhol, por seu lado, voltou a fazer mais uma daquelas corridas em recuperação.
A meio da prova alcançou o duo da frente e escapou na liderança. Durante a recuperação da diferença para os dois pilotos da frente, Nieto baixou em um segundo o tempo da “pole” de Vitali. Já com a bandeira de xadrez à vista, Ángel Nieto reduziu drasticamente o ritmo e esperou para ver o rival italiano atrás de si, fazendo gestos com a mão como que a dizer “Vem, vem”, em estilo de provocação.
Nieto terminou a prova em primeiro e cortou a meta apenas a “meio acelerador”. Olhou para Maurizio Vitali e disse: “Quem é que vai dançar, quem é?”.
Grande Prémio da Alemanha – 1984
O início demolidor de temporada de Nieto e a confiança que tinham nas suas vitórias, fez com que o patrão da equipa Garelli, Daniele Agrati, pedisse ao espanhol um favor: que ajudasse Lazzarini a vencer em Nurburgring. E Ángel Nieto acedeu ao pedido do responsável da equipa.
Na corrida, Maurizio Vitali escapou-se na liderança e detinha cinco segundos de vantagem para os perseguidores. Atrás dele, um pelotão que incluía Luca Cadalora, Lazzarini, Fausto Gresini e Ángel Nieto, tentava anular a diferença.
Nieto seguiu o seu companheiro de equipa Lazzarini quando ambos alcançaram Vitali. Os dois conseguem passar o até então líder deste GP. Cumprindo com o pedido que lhe tinha sido feito, Nieto não atacava Lazzarini, que, apesar disso, estava a apresentar um ritmo demasiado lento e permitia a aproximação de vários pilotos.
A cada passagem na meta, Nieto olhava para o muro das boxes à espera de alguma indicação por parte da equipa. As voltas passavam e nenhuma indicação era dada. Quando faltavam apenas duas voltas para o fim, volta a olhar para o muro. A equipa, desesperada por poder perder a corrida, diz a Nieto para dar tudo por tudo. O espanhol rapidamente salta para a frente da corrida e vence.
No final, e antes de festejar a vitória, Ángel Nieto dirige-se a Agrati e Lazzarini e diz-lhes que “Nunca mais me peçam para fazer isto!”.
Grande Prémio de França – 1985
Esta temporada marcou o início de um novo desafio para Nieto. Estreava-se nas 250 cc, com a equipa Garelli. Mas essa moto foi um fiasco absoluto. Nas primeiras corridas do ano nem sequer conseguiu classificar-se. O espanhol foi obrigado a repensar a sua carreira.
Testou uma Garelli 125 para confirmar que não tinha perdido o ritmo. E correu bem! De forma algo surpreendente, recebeu um convite para pilotar uma Derbi 80 e apoiar Jorge Martinez “Aspar” na sua batalha com Stefan Dorflinger. Regressou à Derbi e estreou-se em Assen, aquela que era a sua pista talismã. Mas o motor falhou e o regressou começou da pior forma.
Três semanas depois, em Le Mans, a Derbi via “Aspar” cair. Dorflinger estava então com caminho aberto para mais uma vitória. Mas Ángel Nieto, que, mais uma vez, não tinha feito um bom arranque, estava novamente a recuperar posições.
Pouco a pouco ganhou confiança e conseguiu mesmo chegar-se à traseira de Dorflinger. Ainda tentou impedir Nieto de vencer, mas foi incapaz de manter o espanhol atrás de si. Esta foi a vitória número 90 de Ángel Nieto e a sua última no Mundial de Velocidade.
O “Maestro” perdeu a vida num acidente rodoviário em 2017. Tinha 70 anos de idade. Ángel Nieto é uma lenda do MotoGP.