Definir um conjunto de regulamentos técnicos de MotoGP que permitam aos fabricantes encontrar um campeonato estável a esse nível, mas que garantam em simultâneo que os pilotos e fãs desfrutam de um bom espetáculo, é sempre um equilíbrio complicado de atingir. Se a isto adicionarmos questões relacionadas com o custo do desenvolvimento dos protótipos, então um novo regulamento técnico da categoria rainha, ou alterações ao atual regulamento, torna-se numa missão que obriga a que todos os envolvidos estejam de acordo.
A associação de fabricantes MSMA, tem vindo a trabalhar com a Dorna e a Federação Internacional de Motociclismo (FIM) no sentido de se definir um novo regulamento técnico para MotoGP e que entre em vigor a partir de 2027.
Porém, algumas questões, que têm sido abordadas publicamente por responsáveis dos cinco fabricantes que atualmente competem em MotoGP, parecem estar a colocar entraves a um acordo de base para esse regulamento que definirá as “linhas mestras” pelas quais cada protótipo terá de ser desenvolvido.
Um dos temas mais em voga atualmente em MotoGP é a segurança dos pilotos. E ligado ao tema segurança encontramos a velocidade que os atuais protótipos de 1000 cc conseguem atingir.
O recorde de velocidade está na posse de Brad Binder (Red Bull KTM Factory), que na longa reta de Mugello registou 366,1 km/h! Uma velocidade incrível, e que, se compararmos com o início da era das 990 cc em MotoGP, em 2002, deixa à vista uma enorme evolução a este nível pois na altura a velocidade máxima era de cerca de 324 km/h.
Estamos a falar de uma diferença de cerca de mais 40 km/h em pouco mais de duas décadas de MotoGP.
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Com velocidades tão incríveis a serem facilmente atingidas pelos protótipos atuais de 1000 cc, é natural que a Dorna, a FIM e a MSMA se preocupem com a segurança dos pilotos. A outro nível poderemos falar na segurança passiva dos circuitos, pois as escapatórias têm de ser revistas para garantir que os pilotos têm espaço para abrandar no caso de uma queda ou falha de travagem.
Porém, o principal foco de interesse está na velocidade. E como reduzir essa velocidade máxima.
Já durante a temporada 2023, e mais propriamente durante o Grande Prémio da Áustria, Gigi Dall’Igna, diretor desportivo da Ducati Corse, e um dos grandes responsáveis pela introdução de inovações que ajudaram a elevar o patamar da velocidade máxima em MotoGP, não se escondeu das perguntas dos jornalistas e fez mesmo questão de realçar que dos cinco fabricantes, “Três e meio estão a favor…”.
Dall’Igna estava então a referir-se à “votação” dentro da MSMA sobre uma redução da cilindrada dos motores de 1000 cc para 850 cc. Os três fabricantes a favor eram nessa altura a Ducati, a Yamaha, e ainda a Honda. O “meio” fabricante a favor era a KTM, e o fabricante que estava contra a redução da cilindrada era a Aprilia.
Alguns meses passaram desse momento em que Dall’Igna assumiu publicamente a discussão do tema cilindrada em MotoGP. E agora voltamos a falar no assunto pois, de acordo com um artigo publicado pelo portal alemão SpeedWeek, Pit Beirer, diretor desportivo da KTM Racing, assumiu que a marca austríaca mudou de posição.
Mesmo que o grupo Pierer Mobility AG não tenha conseguido as duas vagas que procurava para colocar mais duas KTM RC16 em pista em MotoGP, a marca austríaca, diz Pit Beirer, decidiu alterar a sua posição sobre a redução da cilindrada dos motores de 1000 para 850 cc, e explica o porquê de terem alterado a posição:
“Não conseguimos as duas vagas, mas, entretanto, concordámos com a redução para 850 cc. Pensamos que é uma redução relativamente sensata. Porque se reduzimos 150 cc, reduzimos algo na potência e binário. É possível trabalhar num regulamento de MotoGP muito bom com 850 cc. Existe atualmente uma maioria estável para mudar para os 850 cc. A Aprilia gostava de manter nos 1000 cc, essa era também a nossa ideia inicial. Mas depois de muitas discussões decidimos seguir na direção dos 850 cc. Naturalmente que também existe um fator de custos para nós não mexermos tão radicalmente no motor, porque teria sido mais económico continuar a trabalhar na base de um motor existente. E não é apenas a Aprilia a preocupar-se com os custos, mas a todos nós!”.
Com a maioria dos membros da MSMA inclinada a favor da redução dos motores de 1000 para 850 cc a partir de 2027, parece que existirão grandes mudanças em MotoGP a partir desse ano. Porém, a Aprilia mantém-se irredutível na sua intenção de alterar de forma tão profunda os motores.
A marca de Noale, pela voz de Massimo Rivola, CEO da Aprilia Racing, pretende continuar a trabalhar com motores de 1000 cc, atingindo uma redução da performance (e velocidade máxima) através de outro tipo de alterações internas aos motores.
Com a Aprilia aparentemente firme na sua decisão de votar contra a redução da cilindrada em MotoGP para 850 cc a partir de 2027, e sendo necessária uma unanimidade por parte dos fabricantes que integram a MSMA para que tal alteração venha a tornar-se realidade, poderíamos estar então num impasse, com a Aprilia a bloquear os novos regulamentos.
Porém, o impasse nestas negociações poderá ser desfeito caso seja aplicada a questão segurança.
Sempre que estiver em causa uma questão de segurança no campeonato, como parece ser o caso devido à velocidade máxima cada vez maior dos atuais protótipos de MotoGP com 1000 cc, a Dorna e a FIM poderão introduzir “à força” alterações aos regulamentos técnicos, mesmo que um dos membros da MSMA não esteja a favor da alteração, como é o caso.
Veremos como é que os novos regulamentos serão definidos, até porque uma redução para os 850 cc deixará os protótipos da categoria rainha muito perto dos 765 cc que atualmente encontramos nos motores Triumph que são usados em exclusivo na categoria intermédia Moto2.
Seja o que for que seja decidido, o futuro de MotoGP parece apontar, novamente, para alterações na cilindrada. Depois da entrada em cena das 990 cc em 2002, das 800 cc em 2007, e as 1000 cc em 2012, poderemos vir a ter as 850 cc a partir de 2027.
Convém também realçar que as discussões para definir um novo regulamento técnico para o período de 2027 / 2031 não se centram exclusivamente na cilindrada das MotoGP.
Os fabricantes, a Dorna e a FIM discutem também sobre um possível teto orçamental, algo que existe na Fórmula 1, mas que é difícil de controlar, para além de se pretender reduzir ou abolir por completo soluções técnicas como os mecanismos de ajuste da altura das motos, o chamado “ride height device” ou “holeshot device”, ou ainda as famosas e sempre controversas soluções aerodinâmicas personificadas nas asas e diversos apêndices que hoje em dia podemos ver serem usados nos protótipos de MotoGP (e cada vez mais em motos de estrada!).
Tudo isto ajuda a que as motos do maior e melhor campeonato do mundo de motociclismo atinjam as velocidades estonteantes que agora os construtores e responsáveis do campeonato desejam controlar.
E será que uma redução de cilindrada, como aconteceu em 2007, vai trazer mais emoção ou espetáculo a um campeonato que, como temos visto em 2023, permite que inúmeros pilotos estejam a discutir as posições de pódio em todas as corridas?
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