Mototurismo Norte de Espanha

Conhecem a sensação quando vos bate aquela vontade imensa de arrancar de moto sem um plano de viagem bem definido, navegando antes ao sabor da vontade após o despertar de cada dia? Pois foi o que fizemos no Verão passado, com uma novíssima BMW R1250RT, tendo em mente chegar até Bilbau pela costa norte de Espanha. Falhámos o destino... mas só por um ‘Danoninho’. 

Texto Fernando Pedrinho Martins • Fotos Lisa Daniel

 Rapidinha pelo norte de Espanha

A ideia já vinha a bater desde há algum tempo, e há muito que não largava tudo e me fazia à estrada, apenas para sentir aquela sensação do vento na estrada e do ‘samba sincopado’ de curva para curva, perante o desenrolar cinéfilo da paisagem. A Lisa já há algum tempo que tinha planeado fazer o caminho português até Santiago de Compostela e o plano passava por apanhá-la na terra do santo e seguir por aí fora até onde nos desse na gana. Bilbao? Sim, se corresse de feição até às dunas gigantes de Hossegor e depois de volta à ‘Tugolândia’.

Mas não foi o caso… Moto levantada na BMW Portugal e destino a Espinho, mas por estradas nacionais. Uma delícia a minha favorita da marca alemã para puro mototurismo. Nas boas estradas da zona saloia até Torres Vedras, foi uma alucinação ver o que esta moto é capaz de fazer, sobretudo se estiver equipada com o modo ‘dinâmico’, que oferece a taragem perfeita para uma condução de ataque e puro divertimento de curva para curva. Continua a ser a minha preferida da casa de Munique quando asfalto pela frente se mede em milhares de quilómetros. Já nesta cidade cujos primeiros vestígios remontam o período romano, aí existindo castro de Ovil, no século XVIII era parcialmente ocupada por pescadores que sazonalmente aí debandavam para a pesca.

Aqui tive de esperar mais o que o planeado, pois logo no primeiro dia a Lisa viu um joelho ganhar dimensões não previstas, o que a levou a ter de moderar o ritmo. Este atraso viría a revelar-se fatal para os planos da viagem. Dada luz verde lá arranquei rumo à terra do santo milagreiro pela N13 na companhia do meu sogro, o Fernando Daniel, que na sua Burgman 650 traria parte do equipamento de caminhante da filha ainda no próprio dia. Paragem na bela Vila Praia de Âncora para uns hamburgueres deliciosos e até à terra que já pertence à província da Corunha, foi um ‘tirinho’, com a obrigatória passagem por Vigo.

Decorriam as festividades do santo da terra, e a cidade estava simplesmente invadida de gente, vinda de todos os cantos. A Lisa orgulhosamente ostentava o seu diploma de caminhante ‘certificada’ e logo me apresentou a uma série de casais e amigos que conhecera no percurso, pelo que o resto da tarde e noite foi passado em volta de tapas e dos mariscos que bem caracterizam a Galiza, encerrando com um concerto de ‘rock’ e um monumental foguetório.

O dia seguinte amanheceu como não queríamos que acontecesse num dia de Verão, mas isto seria a nossa ‘via sacra’ daqui para diante. O clima Atlântico a fazer das suas e a chuva a chatear até ao final da viagem. Pela nacional até à Corunha com paragem obrigatória junto à imprescindível torre de Hércules, o único farol romano no mundo que continua a cumprir a função, construído no século II pelo arquiteto ‘conimbricense’ (na altura Coimbra chamava-se Emínio e ficava na Lusitânia) Gaio Sérvio Lupo e reconstruído entre 1682 e 1791. Depois de muito malabarismo nas ‘engorduradas’ ruas lavadas pela chuva, a decisão foi tomar a auto-estrada e apontar a Ribadeo, na divisão entre a Galiza e as Astúrias, mas não sem antes passar por Betanzos, famosa pela tortilha húmida de ir às lágrimas.

A ideia era viajar de manhã e aportar ao próximo destino pela hora de almoço e daí explorar o centro e redondezas dos lugares a visitar. Empoleirada numa escarpa com o Cantábrio de fundo, a simpatia das gentes galegas foi algo que continua a marcar. Vale a pena um passeio pelo casco da cidade, com muitos bares e restaurantes, assim como a passagem pelo ‘cargadoiro’ – o terminal de descarga de minério de ferro trazido de Vilaoudriz por uma linha férrea de 34 quilómetros e 13 túneis – pela ‘Isla Plancha’, unida a terra por uma ponte e que nos dias de ‘panchorro’ (ou temporal) tem uma onda surfável com reboque por moto de água. Se a confusão não for muita, vale a pena descer, durante a maré vazia, à praia das Catedrais, com os seus arcos rochosos de mais de 30 metros de altura. Mais uma tremenda bátega de água brindou-nos o final do dia. Astúrias a dentro, cedo na A6 em direção a leste, com passagem obrigatória por Luarca e Cudillero, com o casario multicolor ‘pendurado’ escarpa acima, sobranceiro à praça e o pequeno porto pesqueiro e uma zona bastante agradável para passar a pé e tomar um refresco (que no nosso caso foi mais um café bem quente). Ao longo da costa estes lugares repetem-se, passámos Aviles, com o centro cultural Oscar Niemeyer ou a praia de Salina, Gijón, com a árvore da sidra e a praia de San Lorenzo, seguindo-se Ribadesella, Llanes e Santillana del Mar.

Ficámos nesta que é conhecida como a vila das três mentiras, pois não é santa, nem plana, nem tem mar! Aqui perto ficam as conhecidas grutas de Altamira com as suas pinturas rupestres, que só se podem visitar mediante uma reserva bem antecipada, pelo que a opção foi perdermo-nos pelas calçadas de pedra desta vilória que remonta à ocupação romana e em 1228 se chamava de Villa de Sancta Llana, a que se juntou Mar devido à proximidade ao Cantábrico. Aproveitem a boa sidra e uma passagem pelo museu da tortura. O dia seguinte tínhamos como objetivo chegar a Bilbao, já que a Lisa tem desde há muito ‘ganas’ de visitar o Museu de Guggenheim.

Para mim, confesso, é mais os sítios de comida basca, que muitos definem com o a melhor de Espanha (para mim a par da Asturiana!). Pequeno almoço na belíssima Santander e uma passagem demorada pela Península da Magdalena, uma língua de terra encerrada ao trânsito, em frente à ilha de Mouro, com o palácio real datado do início do século XX, as pequenas réplicas das naus de Cristóvão Colombo utilizadas na sua primeira viagem às Índias, o parque marinho com focas, pinguins e leões marinho, e a sereia varada, escultura de Enrique Jolly. A chuva não dava tréguas e os dias seguintes prometiam uma borrasca ainda mais acentuada. Foi o grito do Ipiranga e a decisão de tomar azimute ao Porto, com a travessia dos picos da Europa e todo o trajeto até Portugal debaixo de um frio, vento e chuva pouco condignos com a estação em que nos encontrávamos. O País Basco ficaria para outra altura e com uma vontade redobrada de lá voltar.

Notas

BILHETINHOS – a maior parte das portagens está no lado português, já que em Espanha apenas apanhámos alguns troços portajados na Galiza

SUMO – a elevada autonomia da R1250RT dá para cobrir mais de 300 quilómetros tranquilamente e se forem mais comedidos com o punho direito passa mesmo dos 400 sem pestanejar.

ALMOFADA – viajámos sem marcações prévias, com exceção da primeira noite em Espanha. Normalmente utilizávamos uma das muitas aplicações para reservar quarto no próprio dia, ou então íamos à aventura e procurávamos local à chegada. Se optarem por esta modalidade, acautelem-se, sobretudo no Verão, se há festividades na localidade, pois é possível que todos as unidades estejam sobrelotadas.

PAPAROCA – A ideia era apreciar a gastronomia local, com clara tendência para os produtos do mar, ‘picando’ um pedacinho de tudo. A média dá entre 50€ a 70€ por refeição (duas pessoas).