N2: Uma estrada, um dia, uma moto

Os dados estavam lançados. Não havia como voltar atrás, nem essa ideia chegou sequer a posta em causa! No passado dia 25 de Janeiro, antes das 07h30 da manhã, ainda noite escura, fria e com nevoeiro, as motos começaram a chegar ao km 0 da EN2 em Chaves, preparadas para percorrer os 738,5 km de N2 até Faro.    

Texto e fotos Henrique Saraiva

Mototurismo Portugal de fio a pavio

Henrique Saraiva, viajante e autor de um blog ligado às viagens, propôs-se completar os 738,5 km de extensão da “mítica” Estrada Nacional 2 em apenas um dia, ligando assim Chaves a Faro numa única “tirada”, aos comandos da nova Honda CRF1100L Africa Twin, na versão “Big Tank” que é como quem diz, a Adventure Sports. Uma aventura com base na ideia “e como será ligar Chaves a Faro, num dia na nova Africa Twin?

Será que está à altura?” Se assim o pensou, melhor o fez e além da intenção de partilhar a experiência no seu blogue pessoal (Viagens ao Virar da Esquina), ainda deu boleia à Motojornal! Uma aventura de 15 horas, que vos contamos agora!

 Ansiedade

Nas semanas anteriores, a expectativa tinha crescido, graças às redes sociais. As muitas intenções demonstradas por eventuais companheiros de viagem, veio a fixar-se em nove motos, empenhados em acompanhar o Henrique neste duro desafio: percorrer a EN2, de Chaves a Faro, numa única jornada. Além da tricolor, nova, tripulada pelo aventureiro, juntaram-se mais cinco Africa Twin da geração anterior, uma Varadero, outra BMW GS1200, uma “pequena” KTM Duke125 e ainda um bravo casal a bordo de uma desportiva Yamaha R6, vindos até ao Km 0 da N2, dos mais variados pontos do país, para partilharem a estrada com o Henrique Saraiva!

Tudo a postos

Saídos de Chaves, o dia acordou com a caravana já na estrada e o nevoeiro começou a desvanecer-se. Os socalcos do Douro e a bonita estrada que os guiou até à Régua foram feitos já de dia. Mais à frente, em Lamego, o primeiro encontro: nove Africa Twin engrossara a caravana, até Penacova, numa recepção calorosa por iniciativa da Honda de Viseu – a Ondavis. E foi nessa cidade que se registou a paragem mais prolongada de toda a viagem. O pretexto foi registar em fotografias a passagem pelo centro do país, mas o que muitos procuravam era mesmo um pretexto para tomar um reconfortante café! Uma hora depois, lá seguiram os motivados mototuristas em direcção ao primeiro troço complicado do traçado”original” da EN2.

A albufeira da barragem da Aguieira, que submergiu parte da estrada, pelo que de Santa Comba Dão até pouco depois do paredão da barragem, seguiu-se pelo que sobrou da original N2, com recurso a alguns troços de outras estradas. Mais uma paragem para imortalizar o momento em fotos, no ponto onde o alcatrão desaparece na água. A partir de Oliveira do Mondego retoma-se a N2 que segue pela margem esquerda do Mondego. Tempo para reabastecer as motos, em Penacova e tempo para a despedida dos companheiros de viagem “viseenses”.

Poucos quilómetros depois, a tão aguardada paragem em Poiares, desta feita para abastecer os estômagos dos aventureiros e saudar o espírito de iniciativa de quem aproveita a oportunidade gerada pela EN2 para combater o abandono do interior. De Poiares à Sertã, é puro divertimento. Estrada cuidada, em bom estado, com subidas e descidas, curvas e contra-curvas constantes, com Góis e Pedrogão Grande a ficarem para trás.

Nem tudo é fácil…

Na Sertã começa a segunda parte complicada do percurso, porque abandonamos aquela que hoje é chamada de EN2, uma via rápida e sem interesse excepto para quem quer chegar rápido, para tomar o antigo traçado, estreito, sinuoso, nem sempre em bom estado, que entre minúsculas aldeias passa no Penedo Furado. Um recanto de beleza e tranquilidade.

A paragem seguinte foi no Centro Geodésico no Picoto da Melriça em Vila de Rei. Local simbólico onde aguardavam alguns motociclistas, por iniciativa do concessionário Honda de Tomar – Masterbike. Alguns minutos de convívio, as fotos da praxe e seguiram viagem, novamente pela antiga e sinuosa EN2 até Abrantes. Aqui, e relativamente ao plano traçado inicialmente, já se registava um atraso de duas horas, fruto de paragens mais prolongadas que o inicialmente previsto. Nada que comprometesse o objectivo final. Longe disso.

Em Évora, a Motodiana tinha preparado um dia de convívio com os seus clientes e que culminaria com a visita dos mototuristas, agendado para o meio da tarde, em Mora. Todavia, fruto do atraso acumulado, o grupo Alentejano de três dezenas de Africa Twin, acabou por desmobilizar (compreensivamente, naturalmente), antes da passagem da caravana que rumava ao Algarve. Depois da foto ao km 500 no Ciborro, nova paragem para atestar em Montemor-o-Novo. A noite já caía, pelo que foi tomada a decisão de seguir até Faro sem mais delongas.

De noite pouco havia para ver na paisagem e a condução exigiu a máxima atenção: alguns troços no Alentejo estão em más condições e no final, as 365 curvas da Serra do Caldeirão, tiveram o condimento adicional do piso molhado… Já passava das 22 horas quando se pisou solo “farense”, os mesmos que 15 horas antes tinham saído de Chaves. A celebração da cansativa jornada fez-se junto das placas que indicavam o caminho de regresso até… Chaves, a relembrar os 738,5 km já percorridos até Faro! Uma viagem que correu como se esperava, sem problemas nem percalços, um grupo animado e sempre bom disposto.

 

A nova Africa Twin na primeira pessoa

A aposta da Honda foi já muito escalpelizada na imprensa por quem sabe (Motojornal 1468). Como motociclista comum, apenas posso dizer que cheguei a Faro sem marcas de cansaço.

A moto revelou-se sempre muito segura em todas as condições – mau piso, estrada molhada, condução noturna, traçado sinuoso – com algumas das inovações e melhorias introduzidas a provaram a sua eficácia: novas suspensões, nova ciclística e ergonomia melhorada, faróis com função “cornering”, novo painel TFT com excelente leitura em todas as condições e que simultaneamente permite a personalização da moto nos mais ínfimos detalhes.

O novo motor, mais “redondo”, tem uma utilização linear em toda a faixa de rotação, mais agradável de conduzir. Uma aposta ganha!

E sobre a Nacional 2?

Em 2020 faz 75 anos que foi publicado o Plano Rodoviário que criou e classificou as Estradas Nacionais. A esta, que na altura não existia na sua totalidade (nem hoje, diga-se em abono da verdade), foi atribuído o número que à época traduzia a importância que lhe estava destinada. Era a segunda, logo a seguir à estrada Lisboa-Porto. Isto denotava o relevo que era dado ao desenvolvimento do interior do País…

Só nos anos 70 a estrada ficou realmente completa, com o asfaltamento dos últimos troços que ainda faltavam. Pouco tempo lhe restou. Os Planos Rodoviários de 1985 e 2000, retiraram-lhe importância (induzidos pela desertificação do interior e pelo novo paradigma das auto-estradas) e acabaram por a retalhar. Alguns pedaços estão entregues a responsabilidades municipais, outros centralizados e outros… Quase parecem abandonados.

O potencial turístico da Estrada Nacional 2 vive mais da imagem mítica daqueles que a percorrem, por vezes sem saberem bem se nela estão ou não, porque a sinalização é fraca ou inexistente. Por outro lado, sem uma identidade claramente definida (que leva alguns a procurarem semelhanças com outras estradas e rotas estrangeiras) e sem um plano de desenvolvimento integrado entre quem deverá ter a responsabilidade de gerir a estrada e todos os operadores turísticos e comerciais nas suas margens, a EN2 continuará a ter esse lado semi-aventureiro mas também se irá degradando.

A estrada e a sua imagem! Merece muito mais porque percorrê-la é ter numa única via o mais perfeito retrato da diversidade do nosso País. Diria mesmo, a imagem mais completa de Portugal de Fio a Pavio.