Texto Rui Marcelo • Fotos João Rôlo
Algumas semanas depois da sua participação na mais recente edição do Africa Eco Race, o piloto João Rôlo falou à Motojornal sobre o seu sonho Dakariano. Recuperamos aqui a entrevista que foi publicada na revista nº 1475, de 31 de Janeiro de 2020:
«Foi a segunda vez que alinhei. Estive no Africa Eco Race em 2018 e fiquei com muita vontade em regressar. Este ano foi o momento para tal.» É assim que João Rôlo define a sua presença naquela que é a corrida actualmente mais próxima do antigo Rali Paris-Dakar no que a países onde se disputa diz respeito. Uma prova dura e exigente, mas com um espírito competitivo diferente daquele que se vive no Dakar, agora disputado na Arábia Saudita. Mas Rôlo conta-nos mais.
Foi um África Race bastante puxado e com algumas dificuldades? Sim. Este ano comecei muito bem em termos de classificação, mas sofri uma queda na terceira etapa. Foi muito violenta e machucou-me bastante a perna esquerda, a que mais uso para fazer força quando tenho de levantar a moto. Depois, numa altura em que estávamos quase no final dos muito difíceis 30 km de dunas do Er Chegaga, esgotei por completo fisicamente e não consegui continuar. Cheguei à exaustão. Parei, esperei pelo camião-vassoura que chegou às 2 da manhã e saímos às quatro para no dia seguinte voltar a arrancar. O Eco Race agora também permite que se continue em prova até final, mesmo depois de se ter desistido ao sermos recolhidos pelo camião-vassoura. Tentei recuperar, andei bem mais quatro dias até que de novo na perna que estava muito “pisada”, esse sangue “pisado” desceu até ao joelho. Passei dores terríveis e fui de novo obrigado a esperar pelo camião-vassoura.
A ideia passou então por chegar ao Lago Rosa em Dakar? Sim, claro. Acabei por ir sempre a pilotar a moto que era o meu objectivo, excepto nos momentos em que fui no camião, mas que acabaram por ser muito curtos, pois estava sempre perto do final das etapas. Mas a exaustão venceu. Em conversa com outros pilotos que já alinham no África Eco race há vários anos, todos diziam que esta foi a edição mais difícil de todas. A mais puxada. Foram três países em África e quase 7 mil quilómetros de prova com muitas e variadas paisagens.
Ou seja uma prova com o espírito do Dakar e muito competitiva? Sim, claramente. Mas o que tem de melhor é a envolvência humana. Entras desconhecido e sais familiar com todos. É um ambiente fantástico e saudável.
E é como alguns dizem, o Dakar dos pobres? Nada disso. É tudo de topo, motos, carros e camiões. Muito e bom material em corrida, equipas completas, tudo cinco estrelas. Só não estão as formações oficiais, claro. É uma prova que tem menor retorno e projecção mediática porque eles também não querem, pois isso poderia estragar o conceito da corrida, o espírito de quem organiza e quem alinha.
Alinhaste este ano com uma KTM Rally 450, depois de na primeira vez teres levado a velhinha Rally 660. Grande diferença não? Fui inserido na equipa Desert Rose, a quem aluguei uma moto, a minha designei-a SWM 450. Foram fantásticos todos comigo, éramos 11 pilotos no total, sempre com tudo pronto a tempo e horas para todos. Não tive qualquer problema com a moto e de facto há diferenças, não tanto no peso, com cerca de 20 kg a menos, 180 kg nesta, 210 na minha 660. Nota-se um melhor chassis, um motor mais redondo, muito fácil e fiável.
Ou seja alugar uma moto é uma boa opção? Acho que é mesmo a melhor. Não perdes o investimento na moto, tive um tratamento brutal, tudo controlado.
O teu objectivo foi sempre o terminar a prova, chegar ao Lago Rosa? Sim, sem dúvida. Já não sou nenhum rapaz, conto 57 anos e o corpo está cansado, mas a vontade é sempre muita. E perante tantas dificuldades com o percurso, fazia ainda mais sentido. Além disso este ano houve muitos acidentes, que fazem parte da corrida e que aumentam à medida que se vai descendo o continente africano, com mais zonas de animais sobretudo que se cruzam nas pistas.
Ou seja, chegar ao Lago Rosa é algo único, diferente… Podes crer que sim. Por muito que não queiras emocionas-te sempre. No meu caso fazer os últimos 20 km da praia deixa-me sempre mais nervoso que todas as etapas das muitas provas em que já alinhei. É inexplicável. É especial.
E gostavas de ainda alinhar no Dakar? Sabes que alinhei em 2008, o ano em que anularam a prova. Ficou-me uma “pedra no sapato” com a ASO. Foi terrível, a todos os níveis. Neste momento de moto sinceramente não, mas noutro projecto não digo o mesmo. A idade para ir de moto não ajuda. Talvez de 4 ou 6 rodas. Por isso sinceramente não. Perdi muito dinheiro e a desilusão foi muito grande.
E voltar a alinhar mais uma vez neste Eco Race? Para já ainda passaram poucos dias desde o final da prova deste ano. Ainda oiço o motor a funcionar! Não é impossível que regresse, mas gostava de mudar, de embarcar noutros projectos. O tempo o dirá. O certo é que voltei a encontrar satisfação nesta prova depois da grande desilusão do Dakar.
Tu foste um dos pioneiros no todo-o-terreno em Portugal… Sim, já levo uns bons anos disto. Comecei no Enduro, passei pelos Raides, algumas de Motocross, quando era muito novo. Alinhei em muitos eventos de todo-o-terreno, como o Raide Portugal, anterior ao Transportugal. Sou dos velhos tempos, de provas emblemáticas e pioneiras em Portugal. Nos ralies do Mundial cheguei a alinhar em 2015 no Qatar junto com mais pilotos portugueses, então o Paulo Gonçalves inclusive. Fui segundo na classe das mais de 450 cc e gostei muito.
Qual o investimento total numa prova destas? Cerca de 60 mil euros. Inclui um ano de preparação, moto, tudo o que envolve a participação antes e durante.
Foi fácil conseguires os patrocínios necessários para alinhares? Sim, foi mais fácil que há dois anos, com bons e fortes apoios.
Em 2018 alinharam mais pilotos portugueses no Africa Eco Race mas depois disso não aconteceu mais, excepto tu. Porquê não alinham mais pilotos portugueses nesta prova? Acho que é pena não apostarem mais nela. Talvez muitos julguem que é uma prova fraquinha, mas se falares com alguns que alinharam no Dakar e no África Race, como o Rui Oliveira, vão-te dizer que não é assim. O África Eco Race é uma prova bem difícil e exigente, a todos os níveis. E ele sabe o que diz. África é África. Ponto. O espírito deste tipo de competição é ali que está, que tinha o Dakar e que penso que se perdeu um pouco.
E há ainda a vertente humanitária desta corrida… Sim, esse é outro ponto forte do Eco Race. Tem uma vertente humanitária muito forte e importante. A organização e todos os participantes contribuem para a Fundação do Fabrizio Meoni que ajuda muitas crianças e adultos em África, e eu próprio voltei a reunir muitos donativos para oferecer, material didático para a escola e lâmpadas solares para os miúdos poderem estudar à noite. Todos guardam um pouco do seu tempo para recolher produtos que são distribuídos pelos mais carenciados em África. Uma das equipas que alinhou por exemplo, enviou por barco 16 toneladas de leite em pó. Isso é uma satisfação brutal, pelo menos para mim é.