Yamaha MT-07 DT, a flat tracker moderna

A Yamaha regressou às competições americanas de flat track com uma moto equipada com o motor da MT-07. Já ganhou, mas quer estar mais vezes na frente.

As flat trackers ficaram na moda na Europa de há uns anos para cá, com muitas transformações a seguirem essa direcção. Mas são motos para usar na estrada, enquanto que nos Estados Unidos o flat track continua a significar competição. Com a MT-07 DT a Yamaha regressou às vitórias nesta competição.

A modalidade passou por maus momentos já neste século, mas o interesse voltou a crescer em 2015. Na Yamaha Motor Corporation USA Keith McCarthy começou a receber encomendas de motores da MT-07 de algumas equipas. «A primeira coisa que aconteceu foi que nós começámos a receber muitas encomendas para o flat track», diz o director da Racing Division da YMUS. «Pensámos que poderíamos não apenas vender os motores, mas também conceber peças especiais para a competição».

Com isso em mente, chamaram a Vance & Hines para desenvolver as cabeças, e a Web Cam para as árvores de cames, experimentaram vários escapes e decidiram-se pelo Graves. No final do desenvolvimento o motor tinha crescido para os 750 cc – o limite imposto pelo regulamento para os motores oriundos de grande produção alterados.

Para o quadro, McCarthy contactou os especialistas californianos da C&J, mas não ficou convencido: «Não era o que eu procurava. Para além disso, eu não queria que fosse apenas um motor Yamaha num quadro C&J, ou que a moto ficasse igual a todas as outras que eles constroem».

Ditou o destino que em casa alguém estivesse a pensar em algo semelhante. Derek Brooks, manager da linha de produção da YMUS e ex-piloto de dirt track, queria uma moto especial para mostrar no certame AIMExpo e estava a trocar ideias com Jeff Palhegyi. O atelier de design de Palhegyi tem trabalhado com a YMUS nas concepção de modelos especiais e de protótipos. Desta vez o objectivo era uma dirt tracker do futuro com o motor CP2 da MT-07.

Romper a tradição

Da troca de ideias entre os três nasceu uma moto que rompia um pouco com a tradição da modalidade. «Eu fui responsável pela geometria e esse tipo de coisas», diz McCarthy, «Um dos meus objectivos era ter uma verdadeira caixa de ar, e não apenas os filtros K&N espetados nos corpos de acelerador. Fui ter com o Chris Lessing da Graves Racing para me ajudar com os links da suspensão traseira e com as afinações do amortecedor, que foi inspirada na velocidade».

Brooks reforça: «A última coisa que queria era construir uma tradicional moto de flat track. Senti que era altura de progredir com o estilo. Trouxemos elementos de design da MT-07 na área do depósito e até alguns aspectos de uma moto de motocross no guarda-lamas traseiro. Mas o principal elemento do design era conjugar todo o corpo num design harmonioso, em vez de componentes elementares e individuais», explica o ex-piloto.

A DT-07, assim foi baptizada a moto, foi mostrada na AIMExpo de 2015, a maior exposição de motos em solo americano. Muito apropriadamente, foi decorada com uma pintura réplica da TZ750 com que Kenny Roberts venceu a Indy Mile em 1975.

Mas não era uma mera moto de exposição. «Levámo-la para fazer alguns testes, tivemos uma grande variedade de pilotos a testá-la e conseguimos logo belos resultados», diz McCarthy. «Eu queria ir para o nível seguinte, por isso trabalhámos com a Southland para fazer alguns quadros, algumas unidades que nós pudéssemos usar em flat track, ou vendê-los».

Primeira vitória da MT-07 DT

Estava tudo encaminhado para a primeira vitória da Yamaha MT-07 DT, que acabou por ser o nome oficial da flat tracker. Faltava apenas quem a levasse a correr. De 2016 para 2017 os regulamento do American Flat Track foram alterados de novo, estabelecendo três categorias: AFT Twins, a categoria rainha, com motores entre 649 e 900 cc de dois cilindros (mas os motores oriundos de produção com menos de 750 cc, como é o caso do da MT-07, só podem ser aumentados até precisamente 750 cc); as AFT Singles, com motores monocilíndricos de 250 a 450 cc, e destinada aos pilotos mais jovens; e ainda as AFT Production Twins, que são o degrau seguinte para os pilotos das AFT Singles, e que apenas permite motores de dois cilindros de produção, entre os 649 e 800 cc.

Tim Estenson, um empresário de sucesso que criou a sua própria companhia de camionagem, nunca esqueceu as suas raízes no flat track. Em 2016 deu a mão a um jovem piloto e em 2017 reforçou a sua presença no campeonato com uma equipa de dois pilotos, um nas AFT Twins e outro nas AFT Singles. Conseguiu a vitória nos X Games com Samy Halbert e conquistou o título das Singles com Kolby Carlile. E não ficaria por aí.

«Tim Estenson corria com motos Yamaha. Não estavam a portar-se mal, mas ele não estava contente com a direcção que seguiam. O Tim e eu chegámos a um acordo em que ele podia pegar na moto que nós tínhamos começado e seguir a partir daí», explica McCarthy.

«Cresci com a Yamaha quando era muito novo. Foi com uma que eu comecei a andar de moto, e é uma coisa sentimental para mim», diz Estenson. Ele juntou o que tinha estado a desenvolver nos dois anos anteriores ao que a YMUS estava a desenvolver e continuou o trabalho em pista. E chamou Palhegyi para ajudar no desenvolvimento do chassis.

Tommy Hayden na equipa

Tommy Hayden, o mais velho dos irmãos de Nicky Hayden, é o director desportivo da Estenson Racing. Apesar de mais conhecido pelos seus feitos no campeonato americano de superbike, Hayden sempre teve um pé no flat track, já que o patriarca da família Hayden, Earl, correu na modalidade durante 20 anos. Para além disso, era quase como manter uma tradição: entre 1954 e 1985, o AMA Grand National – título que Kenny Roberts conquistou por duas vezes – era disputado num calendário misto com provas de dirt track e velocidade.

Foi sob a sua batuta que o piloto JD Beach – também ele com um pé na velocidade e outro no flat track – conseguiu a primeira vitória da MT-07 DT, e a primeira em 30 anos para a Yamaha na categoria rainha do flat track. Beach foi o vencedor da Red Bull Rookies Cup em 2008 e Campeão Americano de Supersport em 2015.

Hayden explica o que é a MT-07 DT: «Do ponto de vista da ciclística, é muito semelhante a uma MotoGP, porque tudo é protótipo. Em especial na nossa moto, fizémos todas as peças segundo as nossas especificações, com muito poucas restrições impostas pelo regulamento. Quanto ao motor, eu diria que é mais semelhante ao Mundia de Superbike. Começa por ser um motor de produção, mas tem muito pouco de produção quando o acabamos. Mesmo os componentes que não são trocados, são massivamente maquinados e alterados. A cilindrada é alterada. Praticamente quase tudo à excepção da parte exterior é trocado ou alterado».

Variedade, inconstância e dificuldades

JD Beach e Jake Johnson conseguiram bons resultados ao longo de 2019 com a MT-07 DT. Beach venceu por duas vezes e no Buffalo Chip TT conseguiram mesmo uma dobradinha para a equipa. Mas a par de alguns sucessos, debateram-se com dificuldades. O American Flat Track da actualidade apresenta desafios diferentes, com quatro tipos de corridas, três delas em ovais – milha, meia milha e short track (um quarto de milha) – e ainda os TT (que também neste caso significam Tourist Trophy…), realizados numa pista com uma curva para a direita e um salto. E o piso não é constante ao longo de um evento.

Hayden diz que para além dessa grande variedade, a inconstância das pistas torna o desenvolvimento da MT-07 DT mais complicado. «Acho que o que torna o desenvolvimento de uma moto de flat track mais difícil, digamos, que uma MotoGP ou Superbike, é o facto de as condições da pista mudarem tanto e tão depressa. Quando estamos a testar, na verdade é difícil quantificar os ganhos e ficar realmente confiante de que tornámos as coisas melhores ou piores, e que não foi a pista que mudou. Literalmente, em 10 minutos a pista pode ficar 1 segundo mais lenta se estiver demasiado molhada ou demasiado seca, ou se aparecer uma nova linha.»

«Depois há os tipos de pista, que variam bastante. Das pequenas pistas, às ovais de uma milha até às pistas de TT, com saltos e coisas diferentes. Acho que isso torna as coisas mais desafiantes, e às vezes frustrantes, porque pensamos que temos algo bom, mas se calhar só funciona realmente bem em condições muito específicas de uma determinada pista, determinado piso, ou algo assim».

O desenvolvimento continua

A moto continua a evoluir. Mas há coisas que não podem ser alteradas. Por regulamento, as jantes são de 19 polegadas, e os pneus são únicos, como em MotoGP, neste caso os Dunlop DT4 para as AFT Twins. McCarthy acha que isto influencia o desenvolvimento: «O factor limite para todas estas motos, por muito grandes ou potentes que sejam, são os pneus. Já por cá andam há algum tempo. Fizeram algumas alterações este ano, mas eu acho que eles queriam realmente era conseguir alguma consistência do pneu e não que estes fossem cruciais. Há coisas que podem ser feitas, a ajustabilidade é uma coisa; a flexibilidade, digamos, de modo a que o quadro consiga ajudar os pneus a conseguir o máximo de tracção possível. A banda de potência é também importante para isso».

«Mas competição é competição», acrescenta McCarthy, «seja uma moto de superbike ou de flat track. Têm muitos problemas semelhantes. Ouvimos sempre a palavra tracção onde quer que vamos. Na velocidade, no dirt track e às vezes até no motocross. A suspensão desempenha o seu papel. Todos os componentes numa moto têm o seu papel. Acho que têm apenas um nome diferente e podem parecer um pouco diferentes, mas toda a engenharia não é específica das superbike ou flat track. São todas sobre a mesma coisa».

Porém um par de vitórias da MT-07 DT não são suficientes para Tim Estenson. Os seus pilotos, Jake Johnson e JD Beach, terminaram o campeonato de 2019 em 11.º e 14.º, respectivamente, e ele deseja melhor. Por isso aumentou o investimento para 2020 – cujo início de temporada tem vindo a ser consecutivamente adiado por causa do coronavirus. «Provámos que a moto tem potencial. Quando chegámos ao final do ano vimos quantas centésimas de segundo estávamos atrás, e olhámos honestamente para a nossa moto e começámos a ver onde sentimos que poderíamos ter ganho um décimo aqui outro décimo ali, para estar consistentemente na frente, e parece-me fazível».

Confiante no progresso

Tommy Hayden também está confiante no progresso: «Evoluiu muito. O melhor deste ano é que aumentámos o nosso nível de sofisticação em tudo o que fazemos no que diz respeito à medição da moto, à recolha de dados, todo o software de geometria, o modo como testamos os motores no banco de ensaio e a nossa capacidade de fazer rapidamente protótipos de componentes em casa.»

«Como equipa, acho que avançámos muito no modo como trabalhamos em conjunto, como grupo, e na nossa disciplina com o nosso processo e fluxo de trabalho muito mais estruturado. Acho que temos documentação muito mais precisa de tudo o que se passa, de todas as alterações que fazemos, de todas os componentes que desenvolvemos. Lidamos com factos e números reais em vez de, diria, vagas estimativas desse tipo de coisas».

E o tipo que se senta em cima da moto em busca da vitória? Apesar de a temporada ainda não ter arrancado, JD Beach já nota diferenças. «Acho que ao longo do ano passado aprendemos muito sobre a moto, mas também cometemos alguns erros. No início deste Inverno tínhamos um plano muito melhor e muito mais tempo com a moto. Passou de ser uma moto que eu quase temia pilotar em cada fim-de-semana porque sabia que não estava a ficar melhor, para uma moto que é muito divertida de pilotar. Antes, era quase como se ela fizesse o que tinha a fazer, e nós realmente não conseguíamos influenciá-la e fazê-la curvar. Isso é uma coisa que que acho que melhorámos muito este Inverno, a moto responde muito melhor à nossa pilotagem, e conseguimos puxar um pouco mais.»

«E também quando fazemos alterações na moto, conseguimos senti-las. Antes, podíamos fazer grandes alterações à moto e ela não mudava nada. Claro, ainda não começámos as corridas, acho que vai ser realmente interessante. Acho que também temos um plano melhor para quando as coisas não correrem tão bem».

Futuro brilhante com a competitividade a aumentar

O American Flat Track tem vindo a melhorar e a reconquistar a popularidade de outros tempos. A Harley-Davidson luta para manter a reputação numa modalidade que dominou durante muitos anos; a Indian chegou com estoiro, conquistando o título de AFT Twins nos últimos três anos; a Kawasaki levou os louros em 2016 – num ano de transição nos regulamentos – e agora a Yamaha tenta chegar à mó de cima ao mesmo tempo que traz alguma modernidade  com a MT-07 DT a uma modalidade com grandes pergaminhos na competição em duas rodas.

Nesta modalidade a marca japonesa tem boas recordações. Lembram-se da TZ750 a que Kenny Roberts chamou ‘A Coisa’?…