Crónica João Pais #14

João Pais, Cronista

3ª feira do dito

Ontem foi dia de Carnaval.
Do faz de conta, do que é mas não é.
Já vem dos antigos egípcios esta tradição, por alturas de Fevereiro, se celebrar em festins, músicas estridentes, danças e disfarces, assim rezam as crónicas e delas não teremos razões para duvidar.
Vem este intróito a propósito dos últimos três dias ali para os lados do Qatar, onde muitos andaram pelo asfalto buscando respostas às suas dúvidas, guardando em segredo o que lhes traziam voltas atrás de voltas, atrás de voltas.

Muitos, não duvido, ter-se-ão mascarado de rápidos em seus meneios, exibindo garbosos cronos de quem domina a arte e ameaça o topo.
Outros, combalidos, olhando de soslaio a borracha trazida em suas rodas, que em vez de ajudar mais parecia atazanar, soprando outros em frente mas atrapalhando as próprias trajetórias, conhecidas por se fazerem a ângulos de índole inclinada a graus de muito pouca ou nenhuma acessibilidade à concorrência.
De novo outros, combalidos também, tratavam de ir adiantando o TPC, formiga que é formiga amealha no inverno, gerindo e bem uma mazela quase tratada, com aqueles apontamentos precisos na hora da onça ir à água, que é como se sabe aos domingos quando a manada de mil cavalos se solta em busca da glória e de posição de vantagem na primeira curva, que o momento é de muita e apressada gente, candeia que vai à frente duas vezes alumiará e no fim o pódio sobra para três apenas.
Qatar, dias 22, 23 e 24 de Fevereiro, respeitou-se pois a tradição de se ser não sendo e vice-versa.

Atentemos:
Maverick Viñales, fez-se de MM e dominou.
Morbidelli fez de Quartararo e cheirou o 1º lugar.
Quartararo fez de Morbidelli e foi a 2ª Petronas
Alex fez de Rins e saboreou um normal 4º posto.
Miller fez de poderoso senhor Ducati.
Mir fez de Rossi, esgravatando por um Top 5.
Marc Marquez fez-se de morto. Ninguém acreditou.
Nakagami fez de invisível e conseguiu.
Brad Binder vestiu o fato de melhor KTM que seria de Pol.
Dovi fez-se de esquecido e alguns acreditam nisso.
Bagnaia mostrou que não desapareceu de todo.
Rossi mostrou que nada mostrou, e assim ficamos a saber o mesmo que o ano passado, quo vadis Dottore?
Aleix fez de Espargaro mais rápido.
Zarco sentou-se no lugar quatorze, em corrida deve ser para ir descendo.
Pol fez de mano Espargaro que chega mais tarde para jantar.
Petrucci foi um pouco de MM, meio morto e de Dovi, meio esquecido e em ambas as coisas foi bom.
Rabat apresentou-se em palco com um 17º, coisa que não deverá andar longe do que o espera, ou seja fez de Rabat.
Crutchlow fez de indeciso, subo, não subo? … e assim sendo fez de si mesmo daqui a um tempinho.
Miguel Oliveira tratou de acamar bem a mazela e tirou notas na sebenta, se isto não está para desfiles mais vale ir fazendo os exercícios que o professor mandou.
Iker fez de papel químico e foi seguindo o desenho do mano mais velho, o Falcão, a ver se no final saía coisa de jeito.
Alex fez de Lorenzo do ano passado e foi cuidando de deixar a Honda com a certeza absoluta de que aquele puzzle só serve a predestinados ou outros vindos de Marte.
Bradley fez de Smith, testou a moto que Ianonne diz que é ideia dele o que deixou Aleix engasgado.

E enquanto em Losail os principais personagens andavam nesta fona do faz que é mas não é, pelo nosso Portugal inteiro e suas redes sociais um mundo de mecânicos, chefes de equipa, orientadores de carreiras profissionais e outras ocupações que cabem neste universo e de que agora não me lembro, tratavam de vaticinar a Miguel um triste fim, cascando na KTM como quem bate a um desgraçadinho sem eira nem beira, criticando-lhe a opção de não ter ido para qualquer outra equipa, como se que a coisa se fizesse por vontades unilaterais, assim ao género de uma das quatro equipas de fábrica que lutam pelo topo tivessem dificuldade em preencher oito lugares num universo de umas dezenas de candidatos oriundos de países onde esta modalidade é rainha e as bancadas se enchem de ávidos consumidores dos produtos que elas vendem.

E se alguns choram a não ida para a ‘casa mãe’, permanecendo numa Tech 3 que é e será equipa satélite, outros terão a noção de que um segundo ano a trabalhar com Guy Colon, diretamente, e sob as ordens e estratégia de Poncharal, poderá ser a opção mais acertada, permitindo simultaneamente uma busca de acertos com maior secretismo e ao mesmo tempo maior liberdade, um dos pontos onde Miguel pode e deve marcar a diferença, garantindo receita própria para subir na classificação em corrida, alardeando então argumentos para que um dia possa vir a ser alvo da cobiça de alguma equipa tubarão ou, mais certo talvez, tomar em suas mãos a bandeira no assalto final que os austríacos preparam ao mundo da velocidade.

Ora nada disto é mais que um palpite, ao género de um pobre coitado que acabado de chegar a estas bandas e não percebendo da poda um naco, possa no entanto passar por conhecedor dos meandros do busílis da questão de que pedra que rola não cria musgo.
O que, atendendo à quadra festiva e fingidora, colherá por certo o perdão do leitor.
Que se sambe então no Rio, se mascare em Veneza e que por cá nunca se deixe de olhar lá para fora querendo o mesmo mas por tanto nada ou muito pouco fazendo.
E que ninguém nos leve a mal.