Crónica João Pais #44

João Pais, cronista

Uma mão cheia de…

Nada.
Outra de coisa alguma.
Ai Aragão Aragão, mas o que é que eu te faço?… que fim de semana este em que nem o pai se finava nem a gente almoçava!

Sexta-feira bem pela fresca, e fresca não é força de expressão, andavam os pilotos à nora, de volta de pneus ao género daqueles puzzles do Mordillo em que uma pessoa nem sabe por onde começar, sabendo que a FP2 poderia ditar leis já que no sábado o sol não garantia entrega de melhores calores, nestas coisas quando cheira ao jogo da cadeira a ver quem fica de fora desata tudo em busca de seu par perfeito e verdade seja dita que a Tech 3 pouco vestida estaria para o baile, aquilo não ia nem com baladas nem com batidas, puxava de um lado escorregava de outro, Miguel haveria de deixar para sábado a tentativa de aceder directo à Q2, mas uma décima de segundo iria fechar-lhe essa porta, haveria então que ir à tal entrevista de pré-candidato e não poderia correr pior, atrás dele apenas os deserdados deste MotoGP 2020, um P18 a obrigar-nos a puxar da régua e esquadro para traçarmos cenários de optimista recuperação domingueira.

Antes de abordar o cenário de desconsolo geral que assolou a nação oliveirista, que despoletou de imediato um rol de decretos e de certezas científicas, tenho de admitir que me refugiei em privada e intimista terapia, passeando os cães, aproveitando para perguntar ao padroeiro dos cronistas que raio quereria ele que escrevesse eu se mal começado o fim-de-semana já magotes de agonias e maus fígados se me despoletavam contra uma Michelin que mais parece fornecer compactos de souflées do que pneumáticos para aqueles monstros voadores, que despenquei mil e uma imprecações, contra os pneus, os cronos, as voltas lançadas e por lançar, amaldiçoei azares e decisões, cheguei a pensar, por milésimos de segundo, que teria um conselho a dar ao Miguel, mas a tempo, a bom tempo diga-se, me lembrei de que a única coisa que poderei alguma vez dizer ao Falcão é pedir-lhe que não pare nunca de ser o campeão que é.

Chegado o domingo, apreciada uma vez mais uma corrida de Moto3 que nos garante adrenalina até ao fim, acabaria por perceber ao ver a Moto2 que ninguém está livre de agruras quando as condições da pista estão nos limites do indecifrável, à mínima alteração ou piscar de olhos parece que vem castigo, a moto sai de frente, sai de traseira, rebola e salta, que o digam Marini, Giannantonio e Bezzecchi que viram sua manhã ir pelo cano em menos de um fósforo, perguntando-se o espectador mas que raio teriam eles feito de mal?… mas eles lá saberiam do que se teria tratado, por alguma coisa são eles por lá e nós pelo sofá, penso eu, por isso é assim mesmo, nem tudo o que é parece, nem tudo o que parece é.

E veio a corrida de Miguel.
Ou melhor, veio o ramerrame de Miguel, um chove não molha, um guisado de coisa nenhuma, sem refogado ou aroma, apenas um lume brando de uma cozedura de triste monotonia que mais anda para trás do que olha para a frente, bem que o arranque feito a partir da sexta fila não trazia um especial pacote de esperanças ou de ideias com um brilhozinho no olhar, a coisa estava mais para ir deixando andar o andor, ver como paravam as modas e aguardar que lá mais para o meio da festa se pedissem contas aos pneus, esses convidados do baile real que não se fazem rogados a chamar a si as despesas com certos bailados que atiram para fora do asfalto quem por ali faz sua vida e profissão, saindo mais cedo de um escritório cuja beleza maior é afinal sair o mais tarde possível e com passagem pelos degraus da glória, com um abraço do director caso haja para receber garrafa de champanhe e troféu para guardar em casa, isso sim é serviço e modo de terminar a jornada laboral daquela gente.

Mas bem que poderíamos estar por ali refastelados à espera, o dia não era de trazer nem novas nem boas, Bagnaia com mais razões de queixa das bruxas em quem não se acredita mas que las hay, hay, Miguel às voltas com mais do mesmo, aderência neste fim de semana foi chão que deu uvas, e elas tão pouco pisadinhas que haveriam de dar fraca colheita, até Lecuona se foi dali para fora, pior na tabela apenas os enjeitados da fortuna e, pasme-se, o candidato Quartararo, ele a andar para trás como gente grande, ele cuja presença na corrida chegou a estar em dúvida após um acidente daqueles que estes homens de borracha desembrulham com uma mescla de mestria, sorte e pundonor, ele que após brutal embrulhanço com asfalto e gravilha, coisa de criar bicho, ainda haveria de chegar à pole position, isto é gente que para desistir nem a pau, menos ainda se a cenoura que acena ao alto se chama título de MotoGP.

E o fim da corrida traria ao nosso 88 a ingrata classificação de P16, o primeiro dos que se vão de alforge vazio, nem um ponto para amostra, nada, nicles, mas verdade verdadinha seja trazida, isto ainda hoje poderíamos andar por Aragão a correr com o Miguel e era mais fácil ver a mota passar seu prazo de validade do que entrar nos pontos ou chegar-se ao pelotão de quem discutia qualquer coisa!

É grave?
Que nada.
Se Oliveira fez P16, as restantes KTM andaram nas cercanias, por não muito mais famosas P11, 12 e 14, Binder e Pol ali cinco segundos mais à frente, isto num fim-de-semana em que se Miguel comprasse uma rifa e esta fosse a única a ir ao sorteio ainda assim se arriscava a não ter prémio, tal era a conjugação dos astros, das mezinhas e outras influências que tais, e creiam-me que não exagero, eu mesmo tratei de fazer tudo como mandam as regras, pausas para café, loiça arrumada, cães passeados, cuidei de não falhar com nada do tudo com que posso ajudar e mesmo assim … ele há dias que é mesmo assim, nem com todos os preceitos a divindade que protege os nossos se digna a apresentar serviço.

Posto tudo isto, sabendo de antemão que a questão do título é oásis de hoje e uma quase certeza de qualquer amanhã, assim todos vaticinamos e esperamos ardentemente, olhemos à classificação e façamos se não um acto de contrição perante nossas angústias momentâneas ao menos uma justíssima análise à posição que o Falcão ocupa, um TOP 10, a escassos oito pontos do ‘menino do patrão até ver’, sendo que a mais elementar justiça aritmética lhe atribuiria um extra de quinze ou vinte pontos perdidos em incidentes de corrida, podemos dar de barato aos conhecedores que o defendem, mas perfeitamente escusados e provenientes de …dentro da própria casa e aí é que a porca torce rabo, orelhas e volta ao chiqueiro, pontos esses que o colocariam lado a lado com o vencedor da corrida de ontem e com Morbidelli que lhe leva um ano de avanço.
Esclarecedor, diria eu.

Notas soltas, acerca de quem chega e de quem não chegou.

Valentino, o Yellow Spirit deste mundo, quedou-se em casa, apanhado nas curvas do COVID, deixando-nos nesta corrida com aquela certeza de que faltava ali qualquer coisa gigante.
Joan Mir, que ainda há bem pouco tempo víamos brilhar no vaivém lunático da Moto3, chegou em pézinhos de lã a P1 na classificação geral, admirem-se se o menino de lá não sair.
É bom e o resto é demasia!
Também como quem não quer a coisa vai surgindo Alex Marquez, finalmente na Honda terão percebido que MM era o único menino que em criança havia pedido para brincar um cavalo selvagem em vez de um cão, e deram então ao mano mais novo uma coisa mais navegável, assim como se que um GPS de modos mais delicados e parece que quem sabe, talvez, vamos lá ver…
E para a semana, ai Aragão Aragão que vens lá de novo, tu vê-me rapaz o que tens em mente, desta feita já provavelmente o carpinteiro terá medidas mais certas da cama que te quer fazer.
Pelo menos em tal cremos todos.
Não será um pneu a fazer escorregar a crença de um Oliveirista Voador.