As viagens de moto de longa duração são momentos de verdadeira introspeção para o motociclista aventureiro que se “faz à estrada”. E isso torna-se ainda mais verdadeiro no caso de Miguel Rodrigues, que aos 57 anos e aos comandos da sua Honda Africa Twin, com a qual já percorreu mais de 150.000 km, decidiu explorar as magníficas paisagens da Austrália para celebrar os 500 anos da chegada de Cristóvão de Mendonça ao continente do Hemisfério Sul.
Nesta viagem Austrália 360°, que teve início no passado mês de abril, o motociclista luso descreve os seus dias em cima da sua Africa Twin em formato de diário de bordo, de forma a salientar que esta é uma viagem solitária, tendo apenas a sua consciência como companhia.
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Aqui ficam mais alguns dias de viagem de Miguel Rodrigues no seu Austrália 360°
Uma impressão forte que já te esquecias de referir, Miguel: o impacto verdadeiramente surpreendente que o móbil desta tua expedição – os 500 anos da descoberta da Austrália por Cristóvão de Mendonça – tem tido nos diversos contactos estabelecidos. E é vê-los a procurar na Internet mais informações, entusiasmados com este dado novo de um descobridor português! Tem sido um contágio verdadeiramente pandémico! Realmente quem mais orgulho tem no país é quem está fora dele. E são esses que têm reagido com uma energia transbordante a esta novidade que lhes trazes: uma novidade com 500 anos e que só ganharia em ser mais divulgada.
Uma outra impressão: pastéis de nata…. que não eram portugueses! Foi em Brisbane, Miguel, numa curta paragem num mercado de rua, numa tenda de búlgaros que nos devem ter roubado a receita. Ficou ainda a ideia mais vincada em ti de que a Austrália tem muitas metrópoles enormes. Brisbane é mais uma dessas. Tomaste aí o pequeno-almoço, mas seguiste o conselho que te haviam dado e seguiste para uma localidade mais pequena no litoral, acho que o nome era Noosa. Foi um dia mais preguiçoso em que apenas fizeste metade daquilo que te propões fazer diariamente, mas também mereces pois tens-lhe dado bem nos anteriores!
Ah, e uma constatação que te deixou perplexo: definitivamente a Austrália, apesar das condições naturais privilegiadas, não é um país com cultura motociclista. Não vês quase motos de estrada, as poucas que vais vendo são “dirt bikes” em atrelados e não há aqueles gestos de cumplicidade entre motards que se saúdam ao se cruzarem…
Após 450 km, já te esquecias de dizer do susto que tiveste ao optar por pernoitar na Gold Coast e não em Brisbane, pensando que uma cidade mais pequena seria mais barata. Erro crasso: nem era pequena (mais parece uma grande capital com arquitetura arrojada), nem mais calma, antes estando cheia de movida de veraneio, ainda que já no outono. Incrível!!!
Mas o mais incrível foram os preços que te pediram para alojamento: de tal forma elevados que te viste forçado a partilhar um quarto com mais três pessoas. Vais agora dar um mergulho para ver se te habituas a essa ideia e para retemperares forças.
Ah! Lembra-te de comprar o jerricã e uma lâmpada de médios para substituir a que fundiu. Tudo pronto para amanhã!
21 de abril, 5ª feira
Estás acabado de chegar ao motel em Rockhampton após teres andado 527 km sem percalços. Temperaturas continuam altas, mas o céu está toldado de nuvens e até sentiste já alguns pingos: vais ver nos dias seguintes como a chuva se instala e se te condiciona significativamente a segurança na deslocação.
O facto de a Estrada nº 1, até aqui em esquema de autoestrada, ter alterado para Estrada Nacional quebra a monotonia e traz-te uma viagem mais divertida com passagens e paragens em pequenas localidades para abastecer. Amanhã deves chegar cedo a ASA Beach, naquele método que tens adotado sempre: sair cedo, chegar cedo.
Mais 200 km feitos, já com a chuva a acompanhar-te, e fazes um desvio para uma pequena localidade junto ao Pacífico. Reforças o pequeno-almoço com uma fruta e a visão relaxante da bela cor do mar na calma da maré vaza. Aproveitas também para pôr o fato de chuva a secar –fica ali deitado ao sol, como se fosses tu…, mas menos irrequieto!
Começam a surgir as referências à Grande Barreira de Coral, perto de Cedar Creek Falls.
Ao fim de quase 400 kms chegas a Airlie Beach, ao motel já muito ansiado depois de muita chuva em todo o trajeto. Tiveste até direito a um pequeno susto ao passar sobre uma linha branca numa ultrapassagem: como a mota estava ainda em modo de estrada e não no modo de chuva, a roda traseira perdeu mais facilmente o controlo de tração. Já corrigiste esse aspeto, embora mantendo os pneus bem cheios por causa do peso na mota.
Os 27 graus aliados à chuva e vegetação luxuriante dão-te uma sensação tropical.
Após descansares já foste espreitar os barcos no ancoradouro que serve as visitas à famosa Barreira de Coral que tencionas visitar no domingo! E nada melhor te podia saber do que aquela cerveja pousada junto ao capacete na mesa a dar para a marina, enquanto ouves o som de uma guitarra cantada em Australiano e vês o tempo a escorrer…
23 e 24 de abril (fim de semana)
Fizeste bem em reservar sábado e domingo para conhecer a Barreira de Coral. Apesar do tempo não ter ajudado muito, foi uma experiência inesquecível!! Fantástico conhecer estas praias paradisíacas, perceber uma vida marinha de uma riqueza ímpar que se impõe preservar!
Agora, com as baterias assim carregadas, já podes dar início à segunda etapa da viagem: a travessia do norte da Austrália.
Ah, e um aspeto importante: as fortes chuvas que têm caído no último mês e o acentuar registado nos últimos dias a norte de Quensland, levam-te a alterar o trajeto: já não irás a Cairns e começarás a travessia a partir de Tonsville.
Paciência: somos moldados pelo tempo!
Fique atento a www.motojornal.pt pois iremos continuar a acompanhar a viagem de Miguel Rodrigues no Austrália 360.
Foto abertura: CM Mourão