Entrevista Jorge Viegas Presidente FIM – 1ª Parte

Esta é talvez a conversa mais importante do ano de 2019. Jorge Viegas foi eleito como o primeiro presidente da FIM português e, como é seu hábito, desde cedo ‘arregaçou as mangas’ e deitou mãos à obra. Num trabalho em duas partes, fiquem a saber um pouco do que se passa nos bastidores da Federação Internacional de Motociclismo e quais os projetos no novo homem forte da entidade máxima do motociclismo mundial. Tudo bem temperado com o picante que só Jorge Viegas sabe ‘temperar’ os seus pensamentos e declarações!

TEXTO FERNANDO PEDRINHO MARTINS • FOTOS HELLOPHOTO – MIGUEL ARAÚJO/ARQUIVO JORGE VIEGAS

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Dor de costas

Jorge Viegas aos comandos da sua Bimota 250 do Team J.Pimenta no Autódromo do Estoril em 1980

Mas tu sempre foste um político hábil, com uma ‘bagagem’ como há poucos na maneira como lidas com as coisas. Podemos voltar aos tempos do Vitor Calado, à formação da FMP. Não estavas à espera que num cargo destes fosse tudo uma maravilha, pois não? Dentro da própria FIM apercebemo-nos de muitas guerras palacianas. O antigo presidente Francesco Zerbi tinha muita afeição por ti, a ponto de todos esperarem que fosses o seu sucessor no cargo, o Vito Ippolito também te apontou como teu sucessor, mas acabou por se recandidatar e cumprir um terceiro mandato. Na última eleição perdeste por dez países e agora foste eleito com 80% dos sufrágios. Afinal de contas, o teu opositor, o Wolfgang Sbrz sempre desistiu da corrida a presidente da FIM, ou não? Ah queres saber essa história? O Francesco Zerbi (ndr antigo presidente da FIM) disse-me um dia: ‘estou tão arrependido de lá ter metido o Vito!’. Ele foi um ‘atraso de vida’ para a FIM durante 12 anos… Eu decidi candidatar-me em 2014 porque o Vito disse-me que se ia afastar. Em Maio desse ano disse-me que, afinal, se iria recandidatar novamente. Nessa altura, ‘contando as espingardas’, eu tinha mais votos do que ele.

Entretanto, havia um vice-presidente da FIM, o Nasser Al-Attyah, do Qatar, que veio ter comigo para dar o seu apoio mas pedindo para ser o número dois caso eu ganhasse. Eu neguei o pedido pois ele não estava preparado e não sabe nada de motos, até porque já tinha outros acordos feitos. É nessa altura que o Srb se alia ao Vito e convidam 55 presidentes de federação para um fi m-de-semana no Qatar, com estadia no Hilton, de tal maneira grandioso que até foi notícia no ‘Sunday Times’.

Os países da América do Sul, num total de vinte, votaram todos nele, com excepção do Brasil, e foi isso que me fez perder a primeira eleição a que concorri por dez países de diferença. Afastei-me e passados dois anos recandidatei-me a membro da direção. Mas eles juntaram-se todos à volta do Srb, nomeadamente o promotor do motocross, mas eu consegui ser eleito. Ficaram pior que estragados! Investi bastante dinheiro do meu bolso nessa campanha e andei por esse mundo fora a angariar votos e consegui. O curioso é que o senhor Srb, que me dizia à ‘boca cheia’ que tinha 90% dos votos para ser eleito, uns tempos antes – e depois de ter feito um acordo com o Vito Ippolito para que este continuasse como o representante da FIM nos Grandes Prémios, com direito a ordenado e apartamento em Genéve, em troca dos votos da América do Sul – começou a ‘contar espingardas’ e viu que não era bem assim. Mais tarde, fui a uma reunião das federações sul-americanas e vim de lá com quinze dos vinte votos.

Com o patrão da competição da HRC; Carmelo Ezpeleta; primeiro piloto a vencer um GP com uma Honda; Freddie Spencer; Mick Doohan e Marc Marquez, pelos 60 anos da Honda nos GP’s

Por essa altura, o presidente da federação austríaca – que era a do Srb – contou-me que ele estava muito preocupado com a possível não-eleição ao que eu respondi para ele dizer que lhe ‘doíam as costas’. É que ele teve um incidente num barco, onde eu também estava, numa sessão de apresentação de programas na Noruega, em Hökksund.

A Federação norueguesa, que é de motos e barcos, no final ofereceu-nos um passeio numa lancha de alumínio super-rápida, com cerca de 600 cavalos. Nas águas calmas dos fiordes correu tudo bem, mas no mar aberto, tinha umas ondas incríveis. O tipo do barco disse-me que aquilo ia saltar, pelo que eu ia de pé, para as pernas fazerem de suspensão. O Srb é muito forte e quis ir logo na primeira fila, e sentou-se. Na primeira onda, quando o barco bateu no mar, ele deu um grito e teve de ir para o hospital.

No jantar desse dia apareceu a andar, apesar de ter uma fissura numa vértebra e andou montes de tempos a ‘renhonhar’, pois nunca quis ser operado… mas hoje está impecável. O certo é que o Vito e os seus apaniguados sofreram muito quando viram que eu ia ganhar. Mas agora apaziguou-se tudo! Nunca mais vi o Vito nem sequer soube dele. O Srb veio ao congresso da FIM, onde ficou como presidente honorário, mas como te disse, hoje está tudo apaziguado.

Mas há cinco anos fazes um período sabático… Foi em 2014 quando perdi as eleições, estive dois anos fora. É nessa altura que me convidaram para o Comité Olímpico, em Portugal, e onde ainda estou, e quando me convidaram para juíz do Tribunal Arbitral, onde já não estou. O TA é só futebol! Estive uma vez num processo que era sobre uma multa dada a um clube de futebol da Primeira Liga. O clube estava a ser castigado porque o árbitro havia sido agredido com um isqueiro, num crime tipificado como susceptível de criar danos permanentes. Na sessão eu perguntei se não podíamos chamar o árbitro para depor. Ficou tudo a olhar para mim porque eles nunca ouvem ninguém. Eu era o único não jurista, porque como sabes, sou economista. O árbitro lá compareceu, ao fi m de algumas semanas e o que é que se tinha passado: o delegado ao jogo tinha apanhado um isqueiro minúsculo, na relva, que ninguém viu quem atirou nem havia atingido alguém, e o referido delegado transformou o caso como uma agressão grave ao árbitro. Este caso ainda está para resolução nos tribunais comuns. É uma perda de tempo e recursos que nem podes imaginar. Eu participei, como juíz, em três casos, mas como não sou jurista tenho uma visão um mais desportista das coisas. Acabou por ser uma experiência engraçada.

Então o que te leva a voltar em 2016? Foi quando me candidatei à Direção e fui eleito, em Berlim. A Direção da FIM é composta por seis membros eleitos e o Presidente. Desses seis, por decisão de todos, dois passam a Vice-Presidentes. Depois, o Presidente tem a prerrogativa de escolher o primeiro Vice-Presidente, ou Presidente Adjunto, e o segundo Vice-Presidente. A eles juntam-se os seis Presidentes das Uniões Continentais. O Diretor Geral, que não tem direito a voto, é o outro elemento que faz parte do corpo diretivo da FIM.

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