Entrevista Stefan Pierer, proprietário da KTM

O pós-pandemia por Covid-19 está cheio de oportunidades - acredita Stefan Pierer, o homem forte da KTM e dono do Grupo Pierer Mobility AG.

Texto Alan Cathcart • Fotos KTM/Emanuel Tschann

Os efeitos devastadores do corona vírus/Covid-19 na economia global são demasiado grandes para quantificar neste momento. Mas à medida que as coisas começam a caminhar em direcção a uma nova normalidade, é evidente que a indústria motociclística está a enfrentar um conjunto de desafios que incluem reabilitação e oportunidade. A quem melhor perguntar sobre uma avaliação dos efeitos da pandemia, assim como do que reserva o futuro, do que ao proprietário do maior construtor europeu de motos em volume, Stefan Pierer, da KTM?

A KTM terminou o ano passado em alta, depois de outro ano recorde que viu as vendas subir 7% face ao ano anterior, com 234 449 motos KTM e 45 650 motos Husqvarna. O seu presidente e CEO, Stefen Pierer consolidou o seu papel como a mais importante figura na indústria motociclística – uma posição realçada ao renomear em Outubro passado a holding que antes se chamava KTM Industries, e agora conhecida como Pierer Mobility AG. Graças ao seu contínuo foco na inovação, o Grupo Pierer pode justificadamente reivindicar ser o líder europeu em tecnologia nas duas rodas motorizadas, reforçado pela compra em Outubro passado da empresa alemã Pexco, anteriormente sua parceira estratégica na fabricação de bicicletas eléctricas.

A entrevista a Stefan Pierer, proprietário da KTM, encontra-se na edição Nº 1485 da Motojornal em https://fast-lane.pt/produto/motojornal-1485/

Outra parceria estratégica, a sua longa ligação à Bajaj Auto, o segundo maior construtor indiano e que possui 47,99% da KTM AG, com os restantes direitos de voto na posse da Pierer Mobility, continuam a reforçar a competitividade da empresa austríaca nos mercados globais. A possibilidade de falar com Pierer via Skype providenciou uma visão realista ao mercado pós-Covid-19 e aos seus planos para abordar os muitos problemas e oportunidades que esta era apresenta.

Como é que o inesperado impacto da Covid- 19 afectou a KTM, especialmente depois de outro ano recorde em 2019? Não foi inesperado! Como empresa global, temos ligações em todo o mundo, e reconhecemos muito cedo que havia um problema na China, porque isso estava a impedir que os nossos clientes no mercado asiático comprassem os nossos produtos. Quando isso começou a causar problemas na nossa cadeia de fornecimento italiana para as motos que construímos aqui em Mattighofen, planeei parar a produção a meio de Março. Mas o nosso jovem chanceler [Sebastian] Kurz foi mais rápido do que eu e a 11 de Março anunciou o ‘lockdown’, um dos primeiros países europeus a fazê-lo. Assim, desde 16 de Março tivemos uma paragem total da nossa produção, até que, graças ao regresso à actividade das empresas fornecedoras italianas, pudemos recomeçar a produção a 11 de Maio sob o sistema de trabalho austríaco de curta duração. Depois, a 18 de Maio, regressámos ao trabalho a todo o vapor, com 100% dos nossos 3639 funcionários na Áustria a trabalhar a tempo inteiro.

Parece que em vários países o público descobriu que as motos são um meio conveniente de deslocação para o trabalho, sendo rápido e acessível. Sim, tens razão. É uma das experiências que temos, começando pela China. A China estava umas semanas à nossa frente no que diz respeito ao ‘lockdown’, e o número das vendas lá está dois dígitos à frente das do ano passado. É a consequência do chamado distanciamento social – ninguém quer usar o sistema de transportes públicos. Se olharmos para a Europa como um mercado específico, as eléctricas estão a crescer exponencialmente na Europa Central. Temos dois tipos de preço onde estamos a ter um crescimento muito, muito positivo, até aos 10 000 € e até aos 15 000 €. Mas as motos mais caras de alta cilindrada estão um pouco paradas, porque o olhar do cliente está mais para a frente, e estas poderão ter problemas pós-corona.

Como a Covid-19 afectou o posicionamento da KTM no mercado global? Diria, primeiro do que tudo, que em todas as áreas do globo estamos a enfrentar as mesmas consequências, como o ‘lockdown’ e outras restrições. Por isso sair disto é como uma competição, em que todos se juntam na linha de partida, e os mais rápidos, ou mais bravos, têm a hipótese de conseguir o holeshot e ganhar quota de mercado – e essa é a minha ambição! Segundo, a minha visão é alargar a nossa rede de concessionários em todos os países, porque o modo como estamos a tratar os nossos concessionários e a nossa vasta gama de modelos faz com que mudar para o Grupo KTM seja muito atractivo para concessionários que neste momento distribuem produtos da concorrência. Já temos alguns deles a bater-nos à porta, e penso que uma crise como esta seja também uma oportunidade para mostrar a toda a gente como fazer o melhor que podemos. E, felizmente, a indústria das duas rodas motorizadas está numa curva ascendente pós-corona.

E que efeito terá o fecho da fábrica de Mattighofen na projecção das vendas de 2020? Por termos estado fechados dois meses na Áustria, perdemos a produção de cerca de 30 000 motos. Claro, tentaremos produzir algumas dessas quantidades, mas não conseguiremos recuperar todas. Podemos esperar recuperar talvez 15 000 unidades este ano, se fizermos turnos adicionais e reduzirmos a pausa de Verão. Mas claro, nós e os nossos concessionários perderemos 15 000 potenciais vendas, ou até 20 000. No entanto, a nossa procura no retalho parece muito boa, por isso espero que no final deste ano tenhamos o mesmo número de vendas globais que tivemos no ano passado. E há também um efeito secundário desta crise, que é a forte recuperação do mercado de todo-o-terreno, especialmente nos Estados Unidos. Gastando 10 000 € podes afastar-te completamente do coronavírus sempre que quiseres, podes fazê-lo sozinho sem problemas de distanciamento social, podes deixar os riscos da densidade urbana e visitar o campo, sempre com a melhor protecção possível usando o teu capacete.

A entrevista a Stefan Pierer, proprietário da KTM, encontra-se na edição Nº 1485 da Motojornal em https://fast-lane.pt/produto/motojornal-1485/

Ao ponto de alguns dos vossos concessionários lá aparentemente estarem preocupados em esgotar o produto. Serão capazes de os satisfazer? Sim, estamos a trabalhar muito nisso, neste momento. É um bom problema para ter! Por isso em Junho já temos turnos adicionais planeados para satisfazer essas encomendas e levar os nossos produtos de novo para os EUA num fluxo contínuo para satisfazer a procura. Especialmente, temos que explicar aos fornecedores como têm que manter as peças a fluir, e coisas assim.

A Bajaj também parou pelo mesmo período que a KTM? Sim, também estiveram totalmente parados durante seis semanas. A Índia teve uma das paragens mais duras, com o controlo militar a assegurar que toda a gente obedecia. Mas eles têm certas ‘Zonas Vermelhas’ onde o vírus é mais activo do que noutras, por isso é problemático. No entanto, enquanto que a Bajaj teve autorização para abrir as suas fábricas em meados de Maio, demorou mais de uma semana até restabelecer a cadeia de fornecimento – e se tivermos um fornecedor numa Zona Vermelha, esse estará fechado, e vai faltar uma peça numa moto, e não teremos o produto completo para enviar. Mas na Índia também fecharam as lojas de motos, e há uma complicação extra, porque ao mesmo tempo em que isto decorre, eles implementaram regras de emissões extremamente rigorosas ao passar directamente da norma BS4 para a BS6. Essencialmente o Sr. Modi [ndr.: Narendra Modi, Primeiro Ministro da Índia] está a tentar levar toda a gente a conduzir veículos eléctricos.

Mas um dos grandes sucessos de vendas deste ano é a nova 390 Adventure, que é feita na Índia. Há problemas de fornecimento deste modelo? Felizmente, o corona só apareceu depois da primeira fornada deste modelo ter sido feita e enviada, por isso tínhamos algo para satisfazer a procura inicial. Mas felizmente a Bajaj está a re-iniciar a produção dos modelos de exportação como foco principal, por isso a KTM e a Husqvarna têm prioridade, e esperamos ser capazes de satisfazer a grande procura por este modelo com apenas pequenos atrasos nas entregas.

Falando de produtos de baixa e média cilindrada, o desenvolvimento de uma nova gama de modelos bicilíndricos de 500 cc que serão construídos pela Bajaj abrandou devido à Covid-19? Pelo contrário! Devido às experiências da Covid, acelerámos o projecto porque a categoria de 500 cc será um segmento importante, especialmente nos mercados desenvolvidos como moto da categoria A2. E nos chamados mercados emergentes, será um segmento premium, por isso será muito importante para os nossos clientes das Duke 125/200 e 390 poderem trocar e subir de categoria. Estão a ser 100% desenvolvidos no departamento de pesquisa e desenvolvimento da Bajaj em Pune, mas apoiados pelo nosso pessoal. É um bicilíndrico paralelo semelhante ao que temos nas 790/890, mas com 500 cc. Dentro de dois anos teremos o produto final, ou seja 2022. Mas veremos vários modelos diferentes, com versões Duke e a Adventure nas gamas da KTM e da Husqvarna.

Os novos modelos de 500 e 890 cc, acha que vão canibalizar as vendas de produtos de maior cilindrada, como a 1290 Super Duke, etc.? Actualmente acontece que, no pós-corona, não há procura por modelos de alta cilindrada, seja de que construtor for, só por motos de pequena e média cilindrada. E isso continuará durante o tempo que for necessário para resolver a crise, o que pode ser no final de 2021. Se olharmos para a indústria automóvel, os construtores prevêem uma procura 20% menor após o corona e até ao final de 2021, e durante esse período, claro, uma moto de pequena ou média cilindrada será o que as pessoas vão querer comparar, com menor procura pelas motos maiores.

Ainda estão a trabalhar na introdução de uma gama Husqvarna de estrada bicilíndrica em 2022? Sim, decididamente. Será um modelo tipo Adventure, como a concept Norden 901 que mostrámos no EICMA do ano passado – está a caminho, com o motor 890.

Que impacto teve a pandemia nas operações de competição da KTM? Houve dois impactos, um positivo e um negativo. O negativo é que não podemos correr – e é o que gostamos de fazer! No lado positivo, se não corrermos, não gastamos dinheiro em material, viagens, tudo – podemos poupar imediatamente muito dinheiro, e ficar em casa para ficarmos vivos.Acho que toda a comunidade e todos os construtores apoiam as decisões que a Dorna tomou. Congelaram a tecnologia por um ano e meio, por isso podemos usar todo o material que temos em stock para a próxima temporada. Foi uma grande ajuda a Dorna ter tomado esta decisão tão inteligente, por isso acho que MotoGP vai regressar mais forte do que nunca.

A entrevista a Stefan Pierer, proprietário da KTM, encontra-se na edição Nº 1485 da Motojornal em https://fast-lane.pt/produto/motojornal-1485/

E o todo-o-terreno? O todo-o-terreno é obviamente a nossa especialidade, onde temos um grande desafio extra, porque agora corremos com uma terceira marca [ndr.: a Gas Gas, adquirida pela KTM no ano passado]. Isso é com certeza uma ajuda, porque temos muitos pilotos muito competitivos, e poderíamos levar a cabo algum tipo de corrida de campeonato mundial só com Husqvarna, KTM e Gas Gas (risos)! Mas parece que o Mundial de Motocross poderá recomeçar na Rússia em Agosto e, como toda a gente, mal podemos esperar.

Desculpe falar no assunto, mas a Honda este ano bateu a KTM no Rali Dakar pela primeira vez em muitos anos! Qual é a resposta da KTM a isso? Acho que há um lado positivo e outro negativo, mas depois de 18 vitórias, achamos que é importante outra marca ganhar, porque aumenta a atractividade da corrida. Por isso penso que sim, é competição, encaixamos o golpe e trabalhamos a dobrar para vencer da próxima vez! Tentaremos o nosso melhor para vencer de novo em Janeiro.

Como está a correr a integração da Gas Gas no Grupo KTM? Basicamente, estamos a repetir a bem sucedida estratégia da Husqvarna, mas apenas com os produtos de todo-o-terreno, e isso significa que versões Gas Gas de enduro e de motocross estarão disponíveis com todas as plataformas de motores KTM. A produção destas versões da Gas Gas terá início em Setembro, e os primeiros modelos de enduro cumprirão a Euro 5. As motos de trial da Gas Gas já estão no programa, e estamos a vender bem em todo o globo, dos EUA à Europa.

 Olhando para a mobilidade urbana, como está o programa com a Bajaj para o desenvolvimento conjunto de uma gama de modelos eléctricos? Felizmente tínhamos acabado o desenvolvimento do propulsor antes da chegada do corona, por isso está pronto para produção com diferentes marcas em diferentes plataformas, dos 4 kW aos 10 kW. Temos dois tipos de propulsores, refrigerado por ar e refrigerado por líquido; um podemos usar em ciclomotores e coisas assim, e o outro é para pequenas motos ou scooters, para a categoria A1 da carta de condução.

Quando começarão a sair os produtos eléctricos da KTM, uma vez que anunciaram que não vão estar presentes nem no Intermot nem no EICMA? Dada a situação do corona, a saúde pública e o bem estar do nossos pessoal, isso levou- nos a decidir de não participar nessas exposições este ano. Estes eventos levam centenas de milhares de visitantes a juntar- se em espaços fechados por um longo período, por isso dada a actual situação, mesmo com bom planeamento, esses eventos são um risco. Os nossos produtos eléctricos poderás vê-los nos próximos meses. Já tenho a scooter eléctrica Chetak da Bajaj, é a primeira, e com base nessa plataforma em breve veremos os primeiros produtos eléctricos com a marca Husqvarna.

Se a Husqvarna também vaio ter produtos eléctricos, então e a Gas Gas? As três marcas terão modelos eléctricos baseados no cliente alvo de cada uma delas, por isso vamos usar a Gas Gas no futuro como marca de bicicletas de montanha eléctricas, mas basicamente para distribuição no sector motociclístico.

Antes de ter estabelecido a joint venture no ano passado, a Gas Gas já estava comercialmente ligada à Torrot, que é um fabricante espanhol de motos eléctricas. A Torrot faz parte da joint venture com a KTM? Não, não faz, mas a Torrot trata da montagem das nossas motos trail eléctricas na sua fábrica de Girona, por isso nós providenciamos o material e eles produzem o modelo, e nós pagamos-lhes por isso.

Finalmente, deixe-me perguntar sobre a joint venture da vossa parceira estratégica Bajaj com a Triumph. A TVS é uma das suas maiores rivais na Índia, e são parceiros estratégicos daquela que vocês chamam ‘rivais amigáveis do fim da rua’, a BMW. A TVS acaba de adquirir a Norton, e parece que a Bajaj e a Triumph chegaram a algum tipo de acordo mais próximo. Como se sente em relação a isso no que diz respeito à KTM? Rajiv Bajaj sempre discutiu o acordo com a Triumph comigo, embora não seja um grande assunto para a KTM porque nós não temos qualquer marca ‘heritage’. A Triumph é uma marca ‘heritage’ muito conhecida, e acho que a Bajaj reforça a sua capacidade de produção, ao mesmo tempo trazendo benefícios para a rede de fornecimento, por isso talvez nos possa aproximar um pouco mais. De qualquer modo, estamos a falar. Mas levou muito tempo, foram três anos para montar tudo, e não é a essa velocidade a que estamos habituados, como marca de competição! Acho que a compra da Norton por parte da TVS, na minha opinião, não é necessariamente uma boa decisão – lembra-me um pouco a aquisição da BSA pela Mahindra. Acho que depois do corona haverá alguma consolidação na indústria, e começar uma nova marca – que é na verdade o que a TVS tem que fazer com a Norton – não vai ser fácil.

E que efeitos poderá ter o coronavírus a longo prazo na indústria motociclística? Como já disse, as baixas e médias cilindradas já estão a tornar-se muito importantes, porque os veículos de duas rodas com motor tornaram-se num meio de transporte chave na mobilidade urbana, e um forte impacto virá de produtos eléctricos até aos 12 kW. Acho que serão a força-motriz do futuro. Nos segmentos de maior capacidade, certamente que as marcas premium com produtos muito especiais vão sobreviver – mas para os recém-chegados, já não há lugar. Essa é a minha opinião. E a consolidação certamente ocorrerá, e teremos os japoneses como rivais, mas mais ninguém é um verdadeiro rival. Mesmo a Harley está num segmento de nicho do mercado, como a Ducati e a Triumph, por isso em vez de lutarem uns com os outros, eles falam um pouco mais uns com os outros, sobre as redes de fornecimento, isto e aquilo, poderia empoderar toda a gente. Comecei há 30 anos com 6000 unidades anuais e agora temos 300 000, mas à excepção da BMW, os meus colegas europeus ainda produzem a mesma quantidade de antigamente. Estamos a apontar para roubar vendas aos japoneses, e a mais ninguém, e é isso que gostaria de fazer – correr contra os japoneses!

A entrevista a Stefan Pierer, proprietário da KTM, encontra-se na edição Nº 1485 da Motojornal em https://fast-lane.pt/produto/motojornal-1485/

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