Parece que foi ontem que surgiu a primeira Honda com aquele sistema de transmissão inovador chamado DCT – Dual Clutch Transmission. Esse primeiro modelo foi a VFR1200F, e foi lançada em 2010; isto que significa que o sistema de transmissão de dupla embraiagem celebra este ano o seu 10.º aniversário.
O sistema foi sendo implementado em outros modelos da marca japonesa, e neste 10 anos foram vendidas na Europa 140 000 motos equipadas com este sistema. No Velho Continente em 2019, já houve modelos que venderam mais unidades com DCT do que sem. Por exemplo, 67% das Gold Wing vendidas no ano passado estavam equipadas com DCT, e o mesmo aconteceu a 52% das NC750X. E a Africa Twin também foi mais ou menos ‘fifty/fifty’, com 45% das unidades vendidas equipadas com DCT.
Ao longo destes 10 anos o DCT foi evoluindo e ficando cada vez mais refinado, ao ponto de convencer os motociclistas mais conservadores.
Mas o que é o DCT? Explica a Honda: «O DCT é uma embraiagem electro-hidráulica e caixa de velocidades com operação de mudança automatizada, que compreende um um conjunto de duas embraiagens montadas numa unidade, cada uma das quais ligada a diferentes conjuntos de engrenagens – uma embraiagem funciona com as primeira, terceira e quinta velocidades, a outra com as segunda, quarta e sexta velocidades». Isto é versão sintetizada do DCT, cujo funcionamento podem perceber melhor no vídeo no fim do texto.
Mas quem melhor para falar sobre o assunto do que Dai Arai, o engenheiro-chefe responsável pelo desenvolvimento do DCT desde a VFR1200F em 2010? Arai sonhava em ser mecânico de Fórmula 1 e estudou engenharia mecânica; depois virou-se para o software e a interacção homem-máquina, e depois especializou-se em transmissões. Para além do DCT, trabalhou também no quick shift da actual Fireblade.
Dai Arai fala do sistema e da sua evolução
Qual é a origem do DCT?
Antes do meu tempo na Honda, havia outras transmissões automáticas como o Hondamatic dos anos ‘70, que dependia dum conversor de binário, e a Human Friendly Transmission da DN01.
Por isso, antes da VFR1200F aparecer com o primeiro DCT, a ideia de fazer uma transmissão automática já existia há muitos anos.
A grande diferença é que o DCT envolve muito menos perdas que os sistemas anteriores, por isso dá uma sensação muito mais directa e desportiva.
Qual foi o maior problema a resolver?
Tudo no desenvolvimento do primeiro DCT para a VFR1200F foi uma verdadeira luta. Ninguém o tinha feito antes, por isso foi difícil do ponto de vista do hardware e do software. Foi a primeira vez que o engenheiros das transmissões se envolveram com controlos electrónicos.
Com o hardware, tivemos que desenvolver um cárter que pudesse ser usado quer nos motores com DCT quer nos motores com transmissão manual, para nos permitir preparar ambas as variantes. Por isso usámos dois veios, um dentro do outro, para manter o conjunto compacto. Dado esse pequeno conjunto, a robustez e fiabilidade exigidas foram um grande desafio.
Também havia o desafio de reduzir o ruído das passagens de caixa. Porque o sistema de engrenagem é o mesmo que numa moto manual, o DCT faz exactamente o mesmo barulho ‘pré-engrenamento’ dos cães da caixa de uma caixa manual. Para alguns motociclistas, ouvir estes sons nos modos automáticos sem haver acção manual na passagem de caixa podia soar estranho, e reduzir esses ruídos foi um desafio extra.
Do lado do software, programar as passagens de caixa para este novo tipo de tecnologia foi um verdadeiro desafio. Ninguém tinha ainda tentado fazer um sistema assim, e leva milhares de horas a conseguir os programas certos para as mudanças.
Evolução contínua em 10 anos
Qual acha que foi a maior evolução ao longo desta década de DCT?
Não é possível apontar uma mudança específica como a mais importante. Isto porque o sistema evoluiu consistentemente ao longo desta década, com diferentes alterações implementadas que não só melhoraram o DCT, mas também realçaram cada vez mais as diferentes características exigidas a cada modelo diferente.
Um dos primeiros grandes passos foi o regresso automático ao modo Automatic se usássemos os ‘gatilhos’ manuais para nos sobrepormos ao sistema para engrenar determinada mudança. Requer muita programação para regressar ao automático do modo mais intuitivo possível, porque temos de calcular a situação de condução e, por conseguinte, a intenção do condutor – foi uma redução na chegada a uma curva fechada, uma redução para uma ultrapassagem numa recta, etc.. Não é apenas uma questão de fazer o sistema regressar ao modo Automatic após um certo número de segundos.
Interruptor G
Mais tarde, refinámos o modo como o acelerador dá uma aceleradela nas reduções para corresponder precisamente às rotações e tornar essas reduções realmente suaves. Estas alterações envolveram muita sincronização com o controlo do sistema de injecção PGM-FI.
Também introduzimos o ‘Adaptive Clutch Capability Control’, que usa o controlo electrónico do sistema DCT para fazer ‘deslizar’ a embraiagem um pouco quando a posição do acelerador muda inicialmente de todo fechado ou de todo aberto. Isso ajudou a suavizar o comportamento da moto.
Por outro lado, o interruptor ‘G’ implementado na CRF1000L Africa Twin e mais tarde da X-ADV reduziu o volume de deslizamento da embraiagem para dar uma sensação mais directa da tracção da roda traseira. Especialmente no fora de estrada isto permite aos condutores fazer escorregar a traseira controladamente.
Também ligámos o sistema aos modos de condução, graças ao Throttle by Wire na Gold Wing, o que ajudou a encurtar o tempo de de cada passagem de caixa.
E na mais recente CRF1000L Africa Twin, a ligação à IMU ajuda realmente a refinar o tempo das passagens de caixa em curva, já que a IMU nos fornece informação definitiva sobre o ângulo de inclinação.
O sistema foi evoluindo continuamente, e assim continuará. É uma das grandes vantagens, pode ser continuamente melhorado.
Benefícios do DCT
Como descreveria pessoalmente os benefícios do DCT?
A maior coisa para mim é o quanta ‘largura de banda’ liberta para aquilo que é mais agradável quando andamos de moto – curvar, procurar a melhor trajectória, planear travagens e acelerações.
A outra coisa é que é fácil e directo. Fácil porque não é necessário usar a embraiagem no meio do trânsito, e não há qualquer hipótese de deixarmos o motor desligar-se, nem levamos cabeçadas do pendura. Directo pela velocidade das passagens de caixa, a possibilidade de usar os ‘gatilhos’ e podermos concentrar-nos puramente na condução.
O que gostaria de ver como a próxima aplicação do DCT?
Pessoalmente, gostaria de ver o DCT na nossa moto do Dakar. Esse tipo de condução – onde a fadiga é possível e a concentração é tão importante – significa que o sistema tem um grande benefício.
No TT as pessoas por vezes ficam surpreendidas em como o DCT as pode ajudar – accionar a manete de embraiagem quando conduzimos de pé não é fácil, requer muita energia e concentração. Também, com o DCT o piloto não deixa a moto ir abaixo nas condições mais difíceis.
Como é que o controlo é diferenciado de modelo para modelo?
Essencialmente, pelos diferentes programas para o tempo de passagem de caixa. Cada modelo é diferente. Por exemplo, o padrão de mudanças da X-ADV é muito mais desportivo que o da Integra, porque passa para a mudança seguinte a rotações mais elevadas, e reduz também a regimes mais altos para maior efeito travão-motor.
Cada modelo DCT está programado com um diferente padrão de tempo de mudanças, e diferente sensação de condução.
O que diz aos motociclistas que dizem que o DCT não é para eles?
Por favor, experimentem. Pode demorar um pequeno período para se habituarem, mas abre realmente novas possibilidades na condução.