Um sindicato de pilotos é um tema há muito falado, mas nunca verdadeiramente assumido no Mundial de Velocidade. Por isso mesmo, o Grande Prémio da Catalunha de MotoGP não foi apenas importante para o campeonato do ponto de vista do que aconteceu em pista, mas, também, daquilo que aconteceu fora da pista.
Mais propriamente o que aconteceu no paddock do circuito Barcelona-Catalunha, local onde os pilotos da categoria rainha se reuniram de forma autónoma, independente da presença de representantes de outras entidades como a Dorna, a Federação Internacional de Motociclismo ou da IRTA, associação que gere os interesses das equipas.
Esta reunião, que decorreu ao fim da tarde de quinta-feira passada, 31 de agosto, realizou-se nos camiões da IRTA, e aconteceu à porta fechada.
Não há informação definitiva sobre quais os pilotos que participaram nesta reunião, mas a grande maioria decidiu marcar presença. E isso é um ponto importante a destacar, pois pela primeira vez parece existir uma tentativa de união entre os pilotos de MotoGP no sentido de discutirem temas importantes para a competição, do ponto de vista dos pilotos e não das entidades que habitualmente tomam as decisões.
Ao contrário da reunião habitual da Comissão de Segurança realizada às sextas-feiras à noite dos Grandes Prémios, esta reunião aconteceu de forma autónoma, e nem sequer os empresários dos pilotos tiveram acesso à mesma, numa demonstração por parte dos pilotos que este será o momento de união para encontrarem forma de “remar” todos para o mesmo lado, deixando de parte possíveis questões individuais que possam influenciar os temas falados entre pilotos.
Com os temas discutidos na reunião a ficarem no “segredo dos deuses”, não é difícil imaginar que alguns dos temas falados possam ter sido sobre questões contratuais – basta recordar o que alguns empresários reclamaram para os seus pilotos devido aos prémios a pagar pelas equipas com a introdução das corridas Sprint –, mas também questões de segurança e, claro, as penalizações que estão a ser impostas aos pilotos por parte dos Comissários FIM de MotoGP, muito contestados nos tempos mais recentes.
Esta foi uma reunião importante porque, ao contrário da reunião da Comissão de Segurança, onde muitos pilotos já revelaram não ter interesse em participar pois entendem que os seus interesses não são ouvidos ou protegidos, sendo por isso uma perda de tempo, neste caso a maioria dos pilotos marcou presença conferindo uma dose elevada de relevância ao que foi discutido à porta fechada nos camiões da IRTA no circuito catalão.
Mas o que é que isto poderá significar no futuro do MotoGP? Com a reunião durante o Grande Prémio da Catalunha, poderão os pilotos de MotoGP estar a dar os primeiros passos para a criação de um sindicato de pilotos?
Para se perceber a importância do que poderá ser a eventual criação de um sindicato de pilotos, teremos de recuar até à conferência de imprensa realizada no Red Bull Ring, em 2022, onde foi anunciada de forma oficial a estreia das corridas MotoGP Sprint na temporada 2023.
Nessa conferência, onde estiveram em palco Carmelo Ezpeleta (CEO da Dorna Sports), Hervé Poncharal (presidente da IRTA, associação das equipas) e ainda Jorge Viegas (presidente da FIM), muitos ficaram surpreendidos pela oficialização das corridas Sprint.
E entre essas pessoas surpreendidas estavam os pilotos de MotoGP, muitos deles afirmando na altura que não foram consultados antes da tomada da decisão que tanto impacto iria causar (como se veio a comprovar este ano) no decorrer da competição e das suas vidas. E muitos deles mostrando-se contrários à introdução das corridas Sprint.
Logo nesse momento da conferência de imprensa um jornalista questionou Carmelo Ezpeleta sobre se o facto de as entidades responsáveis pelo MotoGP não ouvirem os pilotos, se isso não poderia levar à criação de um sindicato de pilotos.
Ezpeleta, numa reação mais intempestiva e pouco habitual na sua forma de estar, rapidamente apontou para a existência da Comissão de Segurança para defender os interesses dos pilotos, tentando minimizar e até “deitar por terra” a possibilidade de existir no futuro um sindicato de pilotos.
Porém, e conforme já referimos, os próprios pilotos não acreditam na mais-valia dessa comissão e nem sequer pretendem participar nas suas reuniões. E acreditam que a IRTA defende mais os interesses das equipas do que dos pilotos que as integram.
Pelo que, passado mais de um ano, e com esta reunião independente e imune a pressões externas, podem agora ter dado os primeiros passos para uma união de pilotos que poderá levar à criação do sindicato de pilotos de MotoGP.
Pese embora a existência desta reunião de pilotos na Catalunha tenha chegado ao conhecimento público apenas num último momento, sabe-se que não existe a intenção de realizar este tipo de encontros só com pilotos de forma regular. Pelo menos para já.
Após a reunião terminar, e com todo o paddock curioso sobre o que teria sido falado entre pilotos, a verdade é que ninguém quis abordar a reunião e os temas ali discutidos. Mas alguns pilotos aceitaram depois falar sobre o tema.
Aleix Espargaró, habitualmente uma das vozes mais críticas em questões de segurança dos pilotos, disse, citado por um meio de comunicação espanhol, que “Penso que era preciso ter todos os pilotos juntos. Depois dos segundos treinos livres em Silverstone estávamos todos chateados por não terem mostrado bandeiras vermelhas devido às condições (chuva e pouca visibilidade). Era difícil falar com os outros pilotos para saber o que pensavam, e por isso o Marc Márquez veio à minha autocaravana nesse dia. É bom que agora temos um grupo de WhatsApp e realizarmos esta primeira reunião. Não falámos de nenhum tema em particular, mas é bom poder comunicar assim”.
Quem também aceitou abrir um pouco o “jogo” sobre o que aconteceu durante a reunião de pilotos de MotoGP durante o Grande Prémio da Catalunha foi Pol Espargaró. O espanhol da GasGas Factory Tech3 diz que “É bom ter estas reuniões. O objetivo não é estar contra nada nem ninguém, mas sim que as nossas diferenças como pilotos não funcionem contra nós. É bom falarmos uns com os outros sem ter ninguém presente e sentados entre nós. Pudemos falar entre nós de forma direta e isso é bom”.
Fabio di Giannantonio, da Gresini Racing, esteve presente na reunião de pilotos na Catalunha. O piloto italiano, que não tem ainda o seu futuro confirmado em MotoGP, também aceitou falar sobre a reunião, dizendo que “Foi produtiva, a primeira vez que fazemos isto. Estamos a tentar aproximar uns dos outros e falar do nosso futuro. Decidimos todos juntos fazer isto, estamos juntos num grupo de WhatsApp e concordamos com isto. O grupo de WhatsApp começou de forma muito séria, mas agora enviam muitas palhaçadas, sobretudo por parte do Jack Miller”, disse Di Giannantonio em tom de brincadeira.
Resta agora esperar para perceber como esta situação irá evoluir.
Estarão os pilotos de facto a ensaiar uma tentativa de formar um sindicato de pilotos para poderem defender os seus interesses em MotoGP? E caso isso se confirme, como irão reagir entidades como a Dorna Sports, a FIM ou a IRTA, que desde sempre têm estado sozinhas na forma de gerir os destinos do Mundial de Velocidade?
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