Retalhos da vida de um Salão
Comecemos pelo fim.
Obrigado Alex Laranjeira.
Obrigado Paulo Gonçalves.
Saído de Lisboa às sete horas da manhã, o avião que me vai levar ao Porto, etapa inicial do meu périplo, passa veloz a linha das nuvens, abre uma imagem de rara, linda e imensa liberdade, naquele momento despeço-me uma vez mais do nosso Speedy, as nuvens são autênticas dunas, imagino por ali o Paulo, acelerando na mais selvagem felicidade, que é aquela que não tem geografias nem calendários, tenho a certeza de que por ali passou a caminho do céu e que das coordenadas daquele pedaço terá tomado nota em seu road-book.
Nove horas em ponto e eis-me à porta do 3º Salão de Motos de Competição, começa o meu fim-de-semana de aprendizagem e absorção de tantas pequenas histórias, de sonhos e de ambições, esperanças escondidas, há por ali pilotos para todos os gostos, feitios, idades e géneros.
Há também ali ao meio uma Pasotti Minarelli PCB de 1972, de pneus estreitinhos e alongada geometria, está quieta e sossegada, impante em sua beleza histórica, é do tempo em que Giacomo Agostini e a MV Agusta eram rei e rainha e só por isso já há que olhá-la com reverência e admiração.
Mas há mais, muitas mais, lindas e coloridas, para todos os gostos de competição, há de tudo um pouco, este Salão foi nesse aspecto inultrapassável.
E havia pessoas, muitas pessoas, umas que eram pilotos e ali se davam a conhecer, ali sorriam suas esperanças e escondiam suas ansiedades, não é fácil esta aposta em Portugal, nada fácil, é aliás coisa de loucos, mas essa é opinião minha, nada me contaram.
Estavam graúdos e pequenotes, o Martim Marco de Assafarge de quem já vos falei um dia e que continua sua escalada, Pedrinho Matos, um 13 que nos chega de Santiago do Cacém e que se marchará a Espanha, assim parece ao vermos as cores da Came Machado no seu espaço, e se assim for pois lhe desejamos muy buena fortuna, a Carlota, a Bárbara e a Inês que de tão franzinas dificilmente lhes adivinhamos a garra trazida ao asfalto, à lama e aos saltos, Alex Cabá, um menino com muito mundo dentro de si, um pouquinho de Moçambique e Angola, do Alentejo também, o calor geográfico e humano chegando à velocidade, que coisa rara… O Lourenço Vicente já a caminho da Moto5 em 2020, de repente todos nos vão parecendo crescidotes, e alguns já o são, quão ténue é a linha que separa o início do desfiar da adrenalina do tempo das primeiras quedas, dos primeiros desaires que há que saber digerir, que o digam este vasto rol de meninos e meninos rapazes que por ali nos encantaram com suas beldades de duas rodas e muitos cavalos, que o digam também Rodrigo Barros, Daniel Bento, Afonso Henriques, Henrique, David Dias, Afonso Almeida, Paulo Ballas, Gabriel Oliveira e o Bruno Salreta a quem muitos chamam Iceman por tão pouco deixar adivinhar medos ou sorrisos.
Espalhadas por variados pontos, mostrando as curvas sensuais de suas motas lindíssimas estavam elas também, as mulheres, cada vez mais renegando a opinião medieval de que este é um mundo de homens.
Não, não é.
É de motos, de coragem e saber, é acerca de se ter ou não ter um dom, um algo mais que permita um pouco mais de acelerador, um pouco menos de travão e segundos no crono, disso mesmo deram conta numa apresentação em palco, escutando as perguntas de quem quis satisfazer sua curiosidade, foi vê-las e escutá-las, à Bárbara Magro, Beatriz Morais, Carlota Carochinho , Inês Madanços, Sofia Porfírio, Rafaela Peixoto, Madalena Simões e Patrícia Basílio, esta última oriunda do Flat Track que para muitos será novidade, muitos lhe estranhando a opção por tão inóspito palco.
Um mundo de entrega exemplar, é o que é, um mundo a que certamente e merecidamente terei de dedicar uma crónica em exclusivo, fica a promessa.
E se a tantos pilotos mais devemos a riqueza do nosso passeio por ali, que me perdoem se não os menciono, talvez eles já mais habituados à exposição pública, deixem-me ainda falar de quatro assuntos incontornáveis e um mais, uma casualidade que não posso deixar de vos trazer.
Paulo Vicente trouxe-nos a Kawasaki da sua ZCup, trouxe-nos a sua simpatia e as suas histórias, mas trouxe mais, ali ao lado uma imponente Aprilia, uma Tuono V41100 RS, como ele me explicou, não é uma coisa qualquer, isso até um leigo percebe sem esforço, ao preto e verde da sua ZCup juntar-se-á este ano o tom avermelhado destas belezas voadoras, Z + Tuono Cup, dois troféus, e que tanto prometem…
Eduardo Códices e seus capacetes, sua inspiração ali desenhada, cada cabeça sua ideia, cada capacete uma obra, ao Eduardo perguntamos-lhe as horas e de retorno temos mil histórias e detalhadas explicações, é homem que vive a fundo sua arte feita paixão, um alentejano ali dos lados do Alandroal a enviar para as corridas mundo fora, para os passeios em estradas sem fim um fabuloso manancial de cor e de sensações, de emoção, segredos, dedicatórias, superstições e outras decisões que cada um faz questão de levar em seu equipamento de segurança.
Não resisti, não tendo moto nem nelas sabendo andar, encomendei-lhe um trabalho, ele há sempre alguém que mereça…
ForEva Strong
Solidariedade ao mais alto nível, quando vemos em sofrimento uma criança, quando imaginamos a força necessária para acreditar que é possível. O tratamento existe e é verdadeiramente inacessível ao comum cidadão, juntaram-se vontades, o Alexandre Laranjeira envolveu todo este evento, o Paulo Gonçalves a seu tempo apoiou, mais comovente ainda.
As pessoas que visitaram o Salão passaram por lá e deixaram esperança, um pouco mais de esperança.
Força Eva.
Forever.
Sábado, no final do primeiro dia, um jantar em que estiveram presentes inúmeros visitantes e participantes deste Salão, um momento de convívio interativo e muito interessante.
À minha mesa, ao meu lado e por mero acaso, senta-se o sósia do Steven Seagal, de carrapito e tudo, fico curioso, quem será a personagem? Venho a descobrir que pertence ao Team Satanás, ó diacho… Queres lá ver que me sentei em lugar de risco?… Mas não, mas não, moço bom este algarvio da Guia, chama-se Ricardo, vem da MotoGlobo, que foi quem ofereceu o capacete que Códices haveria de pintar para angariar fundos para a Eva.
Fiquei descansado, pois então…
Às 16h00 de sábado e de domingo, a homenagem ao Speedy, ao homem daquela terra e do mundo, ao nosso Paulo Gonçalves.
Com o local cheio de visitantes, com gente do mundo das motos e não só, um vídeo de quatro minutos revive em síntese o trajeto e o modo de estar de uns heróis num mundo de gente que corre livre.
Quatro minutos em que se escuta a emoção que viaja e leva a viajar, que nos ajuda a um último adeus a um dos nossos, agora para sempre nosso.
Obrigado Alex.
Obrigado Guilherme.
Obrigado Paulo.
Salão de Motos de Competição de Esposende.
Venha o 4º.