Crónica João Pais #16

João Pais, Cronista

Qatar, Covid e outros quês

20 GPs.
O que multiplicando por dias de adrenalina dá 60.
Ora bem sessenta vezes, deixa cá ver, mais ou menos três horitas de emoção a cada dia, assim de repente e sem máquina de calcular dá cento e oitenta, é isso mesmo quase duzentas horas a olhar para quem lá vem e quem lá vai, dividindo a atenção com o quadro dos tempos e classificações ali à esquerda do ecrãn.

Era para ter sido este fim-de-semana que passou, já andava tudo meio sem saber o que fazer, depois de cento e doze dias sem uma grelhazinha de partida para animar a malta, sem aqueles semáforos que antes de apagarem o vermelho parecem levar uma eternidade e depois é um tirinho até à primeira curva e só queremos perceber se o Oliveira galgou lugares, espreitamos se os da frente andaram à carambola ou se no funil tudo correu como Deus manda!

E afinal, havia outra, como nos diz a canção, foi o pessoal da Moto3 a tomar conta das primeiras emoções, como de costume, trazendo-nos uma vez mais uma corrida que até à última curva é um Deus nos acuda de trocas de lugares e que naquele pedaço de recta até ao xadrez é um esticar até dar, e todos com a respiração suspensa, deu Arenas no Qatar, McPhee e Ogura a completar o pódio, isto porque Masia viu penalizada uma idazinha ao verde para lá dos limites da pista, assim lhe sendo retirada a glória da ida ao champanhe, este ano novos candidatos ao trono substituirão Dalla Porta, Canet e companhia naquelas fraticidas disputas ao centésimo que trarão os pontos que darão a coroa.

Na Moto2, seria um Tetsuta Nagashima que o ano passado algumas vezes andou no quase quase e que este ano entrou com tudo, foi dele a estratégia que deu frutos, fugindo no finalzinho a um Baldassarri regressado das trevas e a um Bastianini a mostrar garras de adolescente que quer mais, ficando ali mesmo por perto um fantástico Joe Roberts que depois da ‘pole’ acabou por se contentar com 13 pontos que não são nada mau início, não são não senhor, festeje-se a chegada de um japonês ao lugar mais alto e de um americano na luta destas coisas lá para cima, em 5º lugar terminaria um Gardner que este ano bem que poderá levar esse apelido famoso aos mais altos lugares, saúde-se um Marini também ele regressado a posição de destaque mas que não escaparia a duas quedas, uma nas posições cimeiras após trajectória falhada, outra no asfalto após toque de outro piloto.
E quando todos estaríamos naturalmente a postos e preparados para o momento do dia, no caso da noite, eis que desceu o pano e não há mais, MotoGP como já era sabido desde há tempo não teria lugar neste circuito e neste dia e tudo porque … Porque há um vírus a quem toda gente conhece já o nome, Covid-19, o tal Corona, que vai sendo uma ameaça a tudo o que envolva concentração de pessoas, e se há coisa que concentra gente são estas coisas, vai daí o governo do Qatar foi tratando de proibir a entrada a quem chegasse de certos destinos, entre eles a Itália, que era exactamente de onde chegariam uma parte significativa de pessoal técnico e administrativo das equipas, fora uma série de pilotos, e aqui reside o busílis da questão, porque não terá sido equacionada a tempo a hipótese de todos permanecerem em solo qatari após os testes, assim permitindo a realização da corrida?

Quem terá andado distraído, tão distraído mesmo, que não se lembrou de tratar da questão, evitando o cancelamento de um evento que movimenta milhões de interessados pelo globo inteiro, envolvendo verbas certamente bastante elevadas no que respeita patrocinadores e bilhetes vendidos?
O facto de os testes das categorias Moto2 e Moto3 terem sido uma semana mais tarde, e por isso mesmo prevendo certamente uma estadia mais prolongada por ali, fazendo sentido reter os membros das equipas, terá sido exactamente o que viabilizou a realização da prova. Ora não deixa de ser estranho que, com um bombardear diário e ao minuto  acerca da situação e evolução da questão do vírus, que anteriormente ninguém tivesse equacionado o que poderia acontecer caso o pessoal da categoria máxima se pusesse a caminho de outras bandas após os seus testes, o que veio a acontecer e que seria o normal numa situação … normal, que manifestamente não era o caso.
Levantada a lebre, que por orelhas desmesuradamente grandes teria missão impossível em manter-se no anonimato e na ignorância, logo logo foi tratando a DORNA de evitar que novos males mal se seguissem , o que parecia inevitável pela proximidade no calendário, colhendo de modo desprevenido um universo inteiro de gente que gravita, seja em que papel for, em torno deste negócio à escala mundial, decidindo adiar o GP da Tailândia para Outubro.

E pretendendo abrir as hostilidades da classe rainha com o GP das Americas, parece que os deuses do fenómeno motociclista não estarão pelos ajustes e por aquelas bandas começa a parecer uma verdadeira utopia realizar qualquer corrida com espectadores, ou mesmo uma corrida sequer, segundo rezam as notícias foi já cancelado um festival, o SXSW 2020, ligado à música e tecnologia, querendo-nos parecer que está aqui está o RedBull Grand Prix com o mesmo ferrete de coisa não fazível por ora e até ver.

E, acaso não seja a 5 de Abril, nem pelo Texas, teremos a abertura quinze dias depois em Termas de Rio Hondo, ou … ou … ou..? Em Maio e após um dia do Trabalhador que dificilmente juntará este ano as habituais multidões, o Corona a fazer das suas por ali também, chegará Jerez e aí temos a Europa chamada ao palco, faltam dois meses, em que a cada dia, a cada noticiário vamos ouvindo o que de novo vai, ou não vai, acontecendo neste fenómeno que parece ter conseguido o efeito de fazer tremer certas estruturas. GP’s sem público nas bancadas?

Aquilo que pareceria uma heresia poderá bem ser a solução, a ida aos Cuidados Intensivos de uma actividade que estaria longe de se imaginar na linha das vítimas do Covid.
E se ainda é cedo para armar cenários e apresentar soluções definitivas, bom seria que todos, a começar pelo público, se fossem preparando para um Mundial de Velocidade diferente este ano, bem diferente aliás, a começar pela capacidade de resposta de cada equipa e piloto a todas as consequências colaterais que bicho aparentemente tão pequeno trouxe aos gigantes que constroem as motas dos nossos sonhos!
Cá estaremos para ver!