Com o aproximar do regresso oficial do Mundial de Velocidade à Indonésia, a MotoJornal faz aqui um comparativo onde descobrimos as diferenças entre duas motos com diversas vitórias e títulos na categoria rainha. A Honda NSR500 e a RC213V diferem em muita coisa. Mas na corrida do próximo domingo no Grande Prémio da Indonésia em Mandalika, a RC213V poderá ajudar a Honda Racing Corporation a manter a invencibilidade nos Grandes Prémios realizados naquele país asiático.
Para os menos atentos, a Honda venceu as duas anteriores edições do GP da Indonésia. Ambas foram realizadas em Sentul, com Mick Doohan a levar a NSR500 à vitória na categoria 500 cc em 1996, enquanto Tadayuki Okada repetiu o resultado com a moto japonesa em 1997.
Nos testes de pré-temporada de MotoGP, o espanhol Pol Espargaró (Repsol Honda) foi o piloto mais rápido a rodar no circuito de Mandalika. Se tivermos isto em conta, podemos acreditar que a profundamente renovada Honda RC213V poderá ser a chave para a marca japonesa permanecer invicta na Indonésia.
Leia também – MotoGP: Antevisão e horários do Grande Prémio da Indonésia
Mas quais são as diferenças entre a Honda NSR500 e a RC213V?
Motor
Ambas usam um motor V4. Os motores têm quatro cilindros que adotam uma configuração em V, com refrigeração por líquido e caixa de seis velocidades. E em termos de semelhanças é tudo o que podemos dizer dos motores da Honda NSR500 e da RC213V.
No caso da icónica NSR500, o seu motor tinha uma cilindrada de 499 cc e era a dois tempos. Os cilindros formavam um V com uma abertura de 112 graus entre bancadas de cilindros. Em 1995, este motor debitava cerca de 190 cv de potência e tinha um limite de rotações de 12.000 rpm. A alimentação de combustível, pese embora a Honda tivesse desenvolvido um sistema de injeção eletrónica, acontecia através de carburadores de 39 mm.
Já o motor V4 da Honda RC213V tem uma cilindrada de 1000 cc conforme os regulamentos mais atuais de MotoGP. Os seus cilindros foram um V com uma abertura de 90 graus, consideravelmente menos do que o V da NSR. No caso da RC213V os pilotos contam com uma potência superior a 250 cv (o número exato nunca é revelado pelo fabricante) e o limite de rotações está colocado às 17.000 rpm. O sistema de injeção eletrónica, em conjunto com as válvulas pneumáticas, permite extrair toda a performance de cada gota dos 22 litros de gasolina que está colocada no depósito de combustível.
As caixas de velocidades têm o mesmo número de relações: 6 velocidades. Mas a sua conceção é totalmente diferente.
Na Honda NSR500 a caixa de velocidades tem uma configuração convencional, à qual se acoplou, anos mais tarde, um sistema de assistência à passagem de caixa, vulgarmente conhecido como quickshift. Neste caso, o quickshift servia apenas para as subidas de caixa. Nas reduções ou nos arranques, o piloto tinha sempre de acionar a embraiagem.
A Honda RC213V conta com uma caixa de velocidades moderna denominada de “seamless”. A suavidade e rapidez com que as trocas de caixa acontecem é assombrosa e praticamente não se nota. Graças à sua configuração mecânica e à eletrónica, esta caixa de velocidades permite subir ou baixar de relações sem recorrer à embraiagem, permitindo que o piloto se concentre mais na condução da moto.
No caso da RC213V, o piloto apenas aciona a embraiagem através da manete nos momentos de arranque.
Também convém referir que tanto o motor V4 da NSR500 como o V4 da RC213V já estiveram disponíveis para os pilotos nas variantes “screamer” ou “big bang”. Com estas configurações de motor, a Honda pretendia aproveitar ou “suavizar” a entrega da potência gerada pelos motores de quatro cilindros em V.
Leia também – MotoGP: Vinte anos de emoções fortes!
O quadro é a estrutura que suporta todos os elementos de uma moto. Ao quadro estão fixos o motor, suspensões, braço oscilante, assento do piloto e carenagens completas. As forças exercidas pelos movimentos dos diferentes componentes quando a moto está em andamento geram efeitos de torsão e flexão no quadro. É por isso que os fabricantes passam “centenas” de horas a estudar diferentes configurações de quadros.
A Honda NSR500 contava com um quadro desenvolvido pelo HRC, o departamento de competição da Honda. Era um quadro dupla trave fabricado em alumínio, que recebia o motor V4 entre as duas traves principais, e ao qual era conectado um braço oscilante também em alumínio.
A RC213V mantém-se fiel a este passado que tanto sucesso deu à Honda. No entanto, o quadro dupla trave da MotoGP atual é totalmente diferente em termos de construção e geometrias de forma a gerir ou absorver as forças geradas pelos movimentos da RC213V. Por outro lado, a Honda define de forma mais detalhada a rigidez estrutural e torsional do quadro ao adicionar pequenas secções de fibra de carbono em zonas específicas das traves.
Já nas suspensões, a NSR500 contava com forquilha e amortecedor fornecidos pela Showa. Uma forquilha invertida e um amortecedor Pro-link. E o material usado no fabrico destes componentes era o alumínio. Passando para a nova RC213V, as únicas semelhanças que podemos apontar é o facto de ser uma forquilha invertida e um monoamortecedor como na NSR.
O fabricante das suspensões da Honda RC213V passou a ser a Öhlins. Para além de serem totalmente ajustáveis, estas suspensões contam com diferentes materiais na sua conceção. Por exemplo, o uso de fibra de carbono permite redefinir os parâmetros de rigidez e peso das suspensões, o que por sua vez tem influência, entre outras coisas, na inércia da moto.
Também podemos referir que a RC213V conta com sistema de ajuste da altura das suspensões. Uma novidade que permite ao piloto reduzir a altura da moto, inclusive em andamento (apenas na traseira no caso da Honda), maximizando a aceleração e obtenção de maior velocidade máxima.
Pneus e travões
Tanto a NSR500 como a RC213V partilham jantes com as mesmas dimensões, sendo de 17 polegadas em ambos os eixos (até há poucos anos uma MotoGP tinha jantes de 16,5 polegadas). O que modificou bastante foi a tecnologia de fabrico dos pneus, que oferecem uma qualidade e performance muito superior, que se traduz também em ângulos de inclinação muito superiores.
Outro ponto que diferencia uma NSR500 de uma RC213V é a quantidade de pneus disponíveis para cada piloto. Em 1995 o regulamento permitia mais de 500 pneus (!) por temporada, sendo de notar que os pilotos participavam em menos corridas do que atualmente. No formato atual e atualizado de MotoGP, os pilotos têm 20 pneus para utilizar ao longo de cada fim de semana de corridas. Ou seja, no máximo, cada piloto pode usar 420 pneus ao longo dos 21 Grandes Prémios que fazem parte do calendário MotoGP 2022.
Quanto aos travões, a NSR500 dava uso a discos dianteiros de carbono com 320 mm de diâmetro. A RC213V também usa discos de carbono. Porém, os pilotos podem selecionar mais diâmetros: 320, 340 ou 355 mm. Em determinados circuitos a Brembo apenas disponibiliza discos de 340 ou 355 mm.
Os discos de travão modernos são mais leves, mais eficientes, e também apresentam espessuras diferentes de acordo com as preferências dos pilotos. Mas a grande diferença em termos de discos de carbono e da sua utilização, tem a ver com a possibilidade de os pilotos continuarem a usar este tipo de discos mesmo em condições de chuva. Antigamente os discos de carbono não podiam ser usados nestas condições, sendo substituídos por discos metálicos.
Leia também – Honda NSR500 e a evolução do seu motor V4
Este é um dos aspetos em que a RC213V mais se destaca da clássica NSR500. E dizemos “clássica” pois a NSR adota um conjunto de carenagens mais convencionais, se assim podemos dizer. Sem apêndices aerodinâmicos ou recortes mais pronunciados.
Já a mais recente geração da RC213V, seguindo as tendências modernas de desenho de carenagens de MotoGP, uma tendência que se iniciou há pouco mais de cinco anos, apresenta um conjunto de carenagens com diversos apêndices aerodinâmicos concebidos para criar uma grande força descendente que permita baixar e manter a roda dianteira colada ao asfalto o mais possível.
Isto permitiu aproveitar melhor a potência gerada pelo motor V4 evitando os “cavalinhos”, permite travar mais tarde, mas por outro lado leva também a uma pequena perda de velocidade máxima que acaba por ser negligenciável tendo em conta a enorme potência gerada por uma MotoGP atual como é o caso da Honda RC213V.
As dimensões das duas motos também diferem em alguns milímetros.
A NSR500 apresentava como medidas oficiais a 1950 mm de comprimentos e 1350 mm de distância entre eixos. A RC213V é um pouco maios com 2050 mm de comprimento e 1435 mm de distância entre eixos. Na altura, a MotoGP moderna também ganha com 1110 mm contra os 1080 mm da NSR, tal como na largura, em que a RC213V tem 645 mm contra 600 mm da moto de 1995.
Em 1995 as motos da categoria rainha já contavam com alguns sistemas eletrónicos para melhorar o seu rendimento, como por exemplo as válvulas de escape ou a ignição programável. Mas para domar a performance bestial do motor a dois tempos de 500 cc era preciso que o piloto tivesse um talento enorme.
Quanto em 2002 chegaram as modernas MotoGP a quatro tempos, a eletrónica ganhou uma preponderância como até então não se tinha visto.
No caso da RC213V, existem em diversos pontos da moto e elementos da ciclística, uma diversidade de sensores que recolhem as mais variadas informações, que depois são transmitidas a uma centralina que as organiza, analisa, e ajusta as diferentes ajudas eletrónicas à condução. Por exemplo o controlo de tração ou o “anti-wheelie”. Mas os modernos pacotes eletrónicos incluem também sensores nas suspensões ou também sensores de pressão do sistema de válvulas pneumáticas.
Por sua vez, o piloto terá de ser capaz de, em corrida, fazer a seleção e ajuste das ajudas eletrónicas que tem à disposição. Muitas vezes as equipas, que têm acesso em tempo real aos dados recolhidos pelos sensores, podem informar o piloto através de mensagens no painel de instrumentos ou nos placares apresentados no muro das boxes, para avisar o piloto para adotar diferentes estratégias de eletrónica em momentos específicos de uma corrida de MotoGP.
Sem a ajuda dos modernos pacotes eletrónicos seria impossível aos pilotos domarem a ferocidade dos potentes motores de MotoGP.
Leia também – MotoGP 2022: Porque é que as motos utilizam escapes descentrados na traseira?
Não é difícil compreender, mesmo por aqueles que seguem este desporto numa forma mais “leve”, que o rendimento em pista de uma MotoGP atual é bastante superior em comparação com uma antiga dois tempos de 500 cc como é a NSR500.
O desenvolvimento tecnológico, a utilização de materiais exóticos e métodos de fabrico de última geração, como magnésio ou fibra de carbono, permitiram melhorar de forma significativa a performance das motos de competição da categoria rainha.
Não foi só os tempos que baixaram muitos segundos por volta. Mesmo tendo em conta que nos circuitos onde ainda hoje competem as MotoGP e competiram também as antigas “quinhentos”, o consumo de combustível reduziu imenso, mesmo com as motos a andarem mais rápido e a apresentarem potências superiores. Enquanto a NSR500 tinha um depósito de combustível de 32 litros de capacidade, no caso da RC213V estamos perante 22 litros de capacidade.
Noutro sentido, a velocidade máxima também aumentou muito.
A NSR500 tinha uma velocidade máxima que rondava os 320 km/h. Aliás, o piloto japonês Sinichi Itoh tornou-se no primeiro piloto a andar a mais de 320 km/h, no circuito alemão de Hockenheim, aos comandos de uma NSR500. Hoje em dia uma MotoGP como a Honda RC213V chega a ultrapassar os 350 km/h!
Por outro lado, o peso mínimo da NSR500 era de uns anoréticos 130 kg definidos por regulamento. No regulamento atual, a RC213V apresenta um peso mínimo de 157 kg. Certamente que, não fosse pelo regulamento, e a Honda não teria muitas dificuldades em reduzir o peso da moto japonesa.
Tendo estes dados em conta, é fácil perceber que existem muitas diferenças entre estas duas motos de competição da Honda.
A NSR500 nasceu em 1984 seguindo as pisadas da também vitoriosa NS500. Ao todo, esta moto ajudou a conquistar 10 títulos de pilotos e 11 de construtores. Já a RC213V apareceu em 2012 quando a chegada dos motores de 1000 cc à categoria MotoGP. No seu palmarés conta com seis títulos de pilotos – todos por Marc Márquez – e sete títulos de construtores.
São motos totalmente diferentes, mas que partilham entre si os genes de competição da Honda Racing Corporation.