Os dias seguintes a cada Grande Prémio são aproveitados pelas equipas e por muitos dos envolvidos em MotoGP 2022 para analisar o que aconteceu no fim de semana. No caso do Grande Prémio do Qatar, talvez a equipa em maior foco seja a Ducati Lenovo Team de Francesco Bagnaia e Jack Miller.
Neste primeiro GP do ano, os dois pilotos de fábrica abandonaram a corrida. No caso de Jack Miller, o australiano nem sequer conseguiu aproveitar o bom 4º lugar na grelha de partida. Um problema eletrónico na sua Desmosedici levou-o a abandonar a prova no circuito de Losail com poucas voltas cumpridas.
A esperança da Ducati Lenovo Team centrava-se então na prestação do vice-campeão de MotoGP, Francesco Bagnaia. Porém, o italiano acabou por levar longe demais o seu esforço. Numa travagem mal calculada no final da longa reta de Losail, Bagnaia perdeu a frente da sua moto, e, para além de cair, levou consigo para a gravilha da curva 1 o espanhol Jorge Martin (Pramac Ducati).
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Gigi Dall’Igna e Davide Tardozzi mal podiam acreditar no que estavam então a ver nos ecrãs de TV na box da Ducati Lenovo Team. Mas já nada havia a fazer. E a imagem que a equipa italiana deixou durante o fim de semana foi de algum desnorte, o que resultou em prestações abaixo do esperado para Bagnaia e Miller.
Mas agora que passaram algumas horas depois da bandeira de xadrez no Grande Prémio do Qatar, com Enea Bastianini (Gresini Racing), curiosamente numa Ducati Desmosedici GP21, a vencer esta prova de abertura de MotoGP 2022, podemos tentar analisar um pouco a situação da Ducati Lenovo Team.
Será que a Ducati Lenovo Team está assim tão mal?
A primeira conclusão que provavelmente muitos fãs e até mesmo Ducatistas retiram do que aconteceu no Qatar, é que a Desmosedici GP22, e neste caso a versão com motor “híbrido” usado pela Ducati Lenovo Team, com o V4 a utilizar a base de 2021 mas com alguns componentes de 2022, uma espécie de GP21 EVO, está muito abaixo das expectativas criadas desde o final do ano passado.
Gigi Dall’Igna e os seus pilotos de fábrica foram rápidos a anunciar que o novo motor da GP22 era uma “maravilha”. Mais potente, mais eficiente, melhor numa série de aspetos. A Ducati Lenovo Team fechou 2021 com a moral em alta e perspetiva de que em 2022 tudo seria um “mar de rosas”.
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Mas nos testes de pré-temporada em Sepang e Mandalika ficou rapidamente à vista de todos que a Desmosedici GP22, e nomeadamente o seu novo motor, ainda não está no ponto de evolução necessário para competir em MotoGP 2022 frente a rivais muito competitivos.
Mais potência e binário estragaram o “feeling” que Bagnaia e Miller tinham com a moto italiana. A principal queixa está relacionada com o tato do acelerador no momento inicial da aceleração.
O motor criado para a GP22 é bastante mais agressivo, o que leva a roda traseira a derrapar demasiado, obriga a eletrónica a intervir em demasia, e isso resulta numa menor aceleração. Aliás, no Qatar, um circuito em que a Ducati era “rainha” da velocidade, este ano vimos a moto italiana ser batida por outras marcas.
Esta questão da velocidade máxima leva a pensar noutros aspetos, principalmente no pacote aerodinâmico agora usado que cria demasiada força descendente, logo menor velocidade, mas é uma boa forma de começar a perceber que mais potência nem sempre resulta numa moto mais rápida devido a uma aceleração mais complicada.
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Regressando aos testes de pré-temporada, e com as Ducati Lenovo Team a usarem diferentes configurações de sistema de escape, incluindo aquela ponteira “extra” longa na lateral, muitos acreditaram que a equipa italiana estava apenas a testar.
Mas a situação estaria controlada e o motor “full spec” de 2022 seria o escolhido.
Sabemos agora que os testes com o sistema de escape eram apenas a parte visível de um programa de desenvolvimento que resulta numa versão evoluída do motor de 2021 usado por Francesco Bagnaia e Jack Miller. O que agora se denomina de motor “híbrido”, pois na realidade é uma mistura da versão 2021 com alguns componentes de 2022.
Não deixa de ser interessante que a equipa satélite Pramac Ducati optou por manter os seus pilotos Jorge Martin e Johann Zarco com a Desmosedici GP22 e o novo motor. Fica claro que a Pramac acredita no potencial do novo motor mais potente e agressivo. Mas terão de realizar um trabalho exaustivo ao longo da temporada na afinação do “setup” da moto e também na parametrização da eletrónica.
Ao nível da afinação da ciclística, tudo indica que a Pramac Ducati, que até conseguiu a “pole position” no Qatar por Jorge Martin, encontrou forma de controlar a falta de aderência da roda traseira ao redistribuir o peso do conjunto de forma a colocar mais peso na traseira. Mas isso resulta numa frente demasiado leve. E aqui começamos a perceber porque é que Francesco Bagnaia prefere não usar este motor de 2022.
O italiano venceu quatro dos últimos seis GP da temporada passada ao aproveitar a potência do motor da Desmosedici GP21, mas, principalmente, o excelente equilíbrio do conjunto que lhe permitia usufruir de enorme confiança e estabilidade no controlo da direção. Com uma roda dianteira colada ao asfalto, “Pecco” foi o grande dominador da fase final de MotoGP em 2021.
Francesco Bagnaia nunca escondeu que parte do segredo que o levou a tantas vitórias em 2021, e a discutir o título com Fabio Quartararo (Monster Energy Yamaha) até à corrida de Misano, foi a capacidade de poder puxar pela frente da Ducati Desmosedici GP21 em curva, a capacidade de definir as trajetórias desejadas sem ter de lutar com a moto. Na Desmosedici GP22 com o seu motor agressivo e mais peso na traseira, Bagnaia não pode pilotar da mesma forma.
Em reação ao fim de semana e aos resultados, o jovem italiano revelou que apenas pilotou uma moto na mesma configuração nas sessões FP3 e FP4. Nas anteriores esteve apenas a testar diferentes configurações, o que implica perder tempo a focar-se na afinação da moto e não na obtenção de tempos por volta rápidos. Apenas a partir da quarta sessão de treinos livres Bagnaia admite que começou a sentir o “feeling” que desejava com a frente da moto.
E isso acabou por ter consequências na qualificação. Mas será que na corrida Francesco Bagnaia estava assim tão fora do ritmo de corrida que podemos considerar que a Ducati Lenovo Team está em maus lençóis?
Depois de cair para 16º na primeira volta, o italiano recuperou até 9º antes de cair à 11ª volta. Bagnaia, no meio do pelotão e nas lutas por posição, rodou com tempos entre 1m54.6s e 1m55.3s. Apenas duas voltas foram acima da marca do 1m53.1s.
Nessas primeiras voltas, o líder da corrida, Pol Espargaró (Repsol Honda), sem ter de lutar por posições e com pista livre à sua frente, registou tempos que variaram entre 1m54.5s e 1m54.9s. Tempos mais rápidos do que os registados por Bagnaia, que nos momentos em que não teve de lutar com 7 pilotos para os ultrapassar marcou voltas semelhantes às de Pol Espargaró.
O maior problema de Francesco Bagnaia acabou por ser a má qualificação. Se calhar uma posição mais à frente teria um resultado bastante diferente na corrida do Grande Prémio do Qatar. Até porque o italiano já tinha encontrado o “feeling” que procurava.
Em declarações após o final da corrida em Losail, Bagnaia demonstra todo o seu descontentamento sobre a estratégia adotada pela Ducati Lenovo Team, num momento raro de descompressão:
“Até ao FP3 funcionei como piloto de testes. O que se passa é que não estou aqui para ser piloto de testes, estou para ganhar corridas e competir. Infelizmente aqui no Qatar não conseguimos fazer o nosso trabalho porque estamos a seguir uma dinâmica diferente. Fizemos milhões de testes, e não conseguimos definir o melhor conjunto, chegámos tarde. Estou feliz por servir de ajuda a outros pilotos Ducati, mas não durante um fim de semana de corridas, as prioridades deviam ser outras. Desde que começaram os treinos nunca tive a mesma moto duas sessões consecutivas, nunca consegui adaptar o meu estilo de pilotagem ao que esta moto precisa, muito menos em Losail. Claro que falei com o Gigi Dall’Igna e a Ducati sobre a forma como abordamos o fim de semana. Depois desta corrida não acredito que volte a alterar alguma coisa nesta moto”, confessa Francesco Bagnaia.
Bagnaia também aproveitou para felicitar o seu compatriota Enea Bastianini pela primeira vitória em MotoGP 2022. Mas foi rápido a apontar aquilo que acredita ser uma vantagem para Bastianini: a Desmosedici GP21 usada pela Gresini é a moto que venceu inúmeras corridas no ano passado. Bastianini, nas palavras do piloto da Ducati Lenovo Team, apenas tem de se sentar na moto e pilotar. Tudo está pronto a funcionar.
E de facto tudo parece apontar para que Enea Bastianini, pelo menos nesta primeira metade de MotoGP 2022, consiga ter à disposição uma moto mais competitiva porque está mesmo “ready to run”. A Gresini Racing não receber a Desmosedici GP22 como aconteceu com a Pramac pode até revelar-se uma benesse disfarçada.
Um ponto que convém destacar na moto de Bastianini que venceu o Grande Prémio do Qatar, é que embora seja uma moto denominada de Desmosedici GP21, é na realidade uma moto que sofreu muitas evoluções ao longo da temporada passada. Na realidade, a moto do italiano tem apenas meia temporada de atraso em termos de desenvolvimento para a nova Desmosedici GP22.
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Bastianini e a sua equipa técnica na Gresini Racing sabem que não vão receber grandes novidades por parte da Ducati Corse ao longo de MotoGP 2022. O que significa que podem apenas concentrar-se em obter os melhores tempos em todas as sessões.
A informação acumulada pela Ducati Corse ao longo do ano passado com a GP21 permite-lhes ocupar o seu tempo noutros aspetos. Mas esta vantagem aparente de Enea Bastianini na primeira metade da temporada pode não ser suficiente para que o mais recente vencedor em MotoGP consiga cimentar a sua candidatura ao título.
Regressando ao tema principal deste artigo: Será que a Ducati Lenovo Team está assim tão mal?
Sim, o resultado do GP do Qatar foi terrível para a equipa de fábrica de Borgo Panigale. Os dois pilotos abandonaram a corrida e somam zero pontos. Mas tudo indica que a partir de agora a estrutura diretiva entendeu qual a estratégia que deve ser seguida. Francesco Bagnaia refere neste pós-GP que acredita que o potencial do motor híbrido GP21-22 é maior do que o potencial do motor do ano passado usado por Enea Bastianini.
E com a Ducati Lenovo Team agora concentrada em extrair o potencial deste motor híbrido, tanto Bagnaia como Miller poderão estar entre os pilotos mais rápidos em pista já a partir da primeira sessão de treinos livres do Grande Prémio da Indonésia dentro de duas semanas.
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